“As mulheres do nosso país contribuem, de uma forma decisiva, para o desenvolvimento do próprio país, é tempo de que o seu valor, que o seu contributo, seja valorizado. Não é suportável mais que, em pleno século XXI, as mulheres continuem a viver situações de tão grande discriminação e tão grande desigualdade”, disse à Lusa Sandra Benfica, do Movimento Democrático de Mulheres (MDM), responsável pela organização da Manifestação Nacional de Mulheres, que se realizou em Lisboa.

Assinalando o Dia Internacional da Mulher, a manifestação juntou “muitos milhares” de pessoas, sobretudo mulheres, que percorreram as ruas de Lisboa, da praça do Restauradores até ao Cais do Sodré, gritando em uníssono frases de ordem como “a luta continua, as mulheres estão na rua” e erguendo cartazes em que se podia ler “combater as injustiças, exercer direitos”, assim como cravos vermelhos da conquista alcançada com o 25 de Abril de 1974.

Entre os milhares de manifestantes, Maria Abrantes, de 83 anos, conta que “há muitos anos” que participa em iniciativas pela igualdade das mulheres, considerando que esta luta “é mesmo muito importante, especialmente para as jovens gerações”.

“A luta das mulheres é uma luta que é contínua. Ainda hoje não temos os direitos que devíamos ter, mas de qualquer modo já se conquistou muito graças à luta das mulheres”, afirmou à Lusa Maria Abrantes, recordando reivindicações passadas como as oito horas de trabalho e o casamento de mulheres enfermeiras.

Embora registe que “muita coisa” foi conquistada, a manifestante indicou que continua a existir “muitas desigualdades” contra as mulheres.

Seguindo os passos históricos da luta das mulheres, o jovem Marcelo Alves acompanha a namorada na manifestação, vindos de São João da Madeira, em Aveiro, para “dar continuidade a toda uma luta que já tem mais de 50 anos, na afirmação também da mulher, na igualdade de direitos”.

“São assuntos demasiado importantes a nível nacional e não se pode deixar morrer este tipo de iniciativas”, expôs Marcelo Alves, reforçando que a luta pela igualdade de género “não pode terminar” e que “cabe também aos governantes estarem atentos a tudo isto que se passa e darem o máximo de apoio”.

Vindos de Vendas Novas, em Évora, o casal Sílvia Santos e Vítor Pestana destacou a importância de se lutar pelos direitos das mulheres, numa luta que deve ser “acompanhada por todos os géneros”, nomeadamente os homens.

“Continuamos a lutar pelos direitos das mulheres, pela igualdade”, referiu Sílvia Santos, frisando que o Dia Internacional da Mulher “não é só um dia de festa”, mas uma data em que se deve lutar e assinalar os direitos conquistados.

Apoiando a mulher, Vítor Pestana sustentou que “já não há muita diferença hoje em dia” entre géneros, “mas em alguns casos, ainda há, ainda fazem distinção de homens para mulheres”, por exemplo, na remuneração salarial em fábricas.

“Se fazem o mesmo trabalho que os homens, [as mulheres] têm que ganhar o mesmo que os homens”, apoiou Vítor Pestana.

Após o desfile pelas ruas de Lisboa, Sandra Benfica, do movimento MDM, que organiza, pelo quarto ano consecutivo, uma manifestação nacional para assinalar o Dia Internacional da Mulher, indicou que houve “muitos milhares de mulheres” que se deslocaram de várias zonas do país, nomeadamente do Porto, Aveiro, Bragança, Guarda, Algarve, Leiria, Braga, Portalegre, Viseu e Santarém, mobilizando mais de 60 autocarros.

Entre as reivindicações destaca-se a “exigência de uma igualdade, que não se fique pela igualdade refletida na lei, mas uma igualdade que se reflita na vida das mulheres”, apontou a responsável do MDM, acrescentado que a manifestação deixou bem patente as questões “das discriminações, da desigualdade e das violências que se sentem no trabalho, na sociedade e na família”.

Mais acima, no Chiado, centenas de pessoas participavam também num protesto associado à greve feminista internacional realizado na praça Luís de Camões, em Lisboa.

Com cartazes, bandeiras, faixas, lenços, tambores, vozes 'a capella' e hip-hop, todas as palavras de ordem foram de lutas: contra o que consideram ser um sistema patriarcal opressivo, contra a violência sobre as mulheres e por direitos iguais.

"Sou mulher, mãe e trabalhadora", identificou-se Rosângela Rocha, que disse à agência Lusa estar também a representar as mulheres imigrantes em Portugal.

"No caso das mulheres brasileiras, temos um problema imenso em Portugal, que são os estereótipos", afirmou, manifestando-se também preocupada com o que se passa no seu país de origem, com "a perda dos direitos das mulheres brasileiras e os retrocessos que a extrema-direita tem trazido".

Vários cartazes visíveis na concentração lembravam o nome da vereadora carioca e ativista feminista Marielle Franco, assassinada a tiro no Rio de Janeiro em 2018.

"Falo também como mãe. Quando nos tornamos mães, as nossas pautas também passam a ser outras. Agora não me preocupo apenas com a desigualdade dos salários mas também com a segurança da minha filha. Que ela seja respeitada, que não seja julgada pela roupa que veste", afirmou.

A coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, que se associou ao protesto, disse aos jornalistas que, apesar de iguais na lei, os direitos ainda não são distribuídos igualmente entre mulheres e homens.

"Menos salário, uma carga de trabalho doméstico e apoio à família, medo de saírem sozinhas à noite, julgadas pelo que vestem e dizem" são alguns dos problemas que caem sobre as mulheres, que ainda veem "uma Justiça que tantas vezes desculpa os crimes contra as mulheres".

Hoje, Dia Internacional da Mulher, "não é dia de flores e esquecer a opressão de todos os dias", disse, acrescentando que "a luta por direitos iguais deve ser de homens e mulheres, mas se as mulheres não a fizerem, ela não se faz".

Do lado dos homens, Pedro Ramôa levou para a manifestação um cartaz negro em que convidava, em inglês, os homens a "repensarem a sua masculinidade".

"Os homens têm que se propor a si próprios refletir sobre o próprio privilégio, porque são privilegiados no mundo", disse à agência Lusa.

Afirmou ainda que homens e mulheres precisam de "mais empatia um com o outro para se conseguir a igualdade dos géneros".

"A mulher ainda é muito submissa em relação ao homem em vários aspetos, sobretudo no âmbito familiar e doméstico", considerou.

Pedro Ramôa apontou que os homens "ainda consideram as mulheres as provedoras do lar, as cuidadoras dos filhos".

"Estamos no século XXI, eu acho que se começamos 50% espermatozoide e 50% óvulo, temos que dividir todas as tarefas e olhar uns para os outros com igualdade", defendeu.

A deputada do PAN Inês Sousa Real disse aos jornalistas que Portugal tem "um Presidente da República, um primeiro-ministro e um presidente da Assembleia da República", destacando que os presidentes das maiores câmaras do país também são homens.

"Se as mulheres não têm capacidade de decisão no futuro do país, não estão a ser representadas corretamente", referiu.

A greve de hoje é convocada em Portugal pela Rede 8 de Março, que inclui A Coletiva, AFL - Assembleia Feminista de Lisboa, a Associação de Combate à Precariedade - Precários Inflexíveis, o Bloco de Esquerda, a Climáximo, o Coletivo Andorinha e o Movimento Alternativa Socialista, entre outras organizações.