“Nenhum de nós, na verdade, acredita em bandeiras ou países, não gostamos de recuar na história”, começou por dizer Maysa Daw, a única mulher daquela que é a primeira ‘crew’ (grupo de músicos de hip hop que criam juntos) da Palestina.
Em entrevista à agência Lusa, no final do mais concorrido concerto no Castelo de Sines, nesta 24.ª edição do FMM, a artista reconheceu, porém, que, neste momento, “é muito importante erguer a bandeira, não pela política disso, mas porque as pessoas estão a ser censuradas, massacradas” e precisam de “representação”.
A MC Maysa Daw adorava ser conhecida apenas pela música e que a sua nacionalidade não fosse tema. “Mas temos de o fazer, porque fomos postos numa situação em que não podemos ficar, não podemos ter o privilégio de não falar sobre isso, é muito importante [fazê-lo]”, assume.
Não porque acredite que a música possa mudar o mundo, mas pode “documentar o que está a acontecer”, para que “daqui a dez anos possam observar a História tendo como referência as diferentes canções de extraordinários músicos palestinianos”.
Além disso, “a música realmente liga as pessoas e fá-las sentir que não estão sozinhas” e “isso, por si só, é poderoso”, constata.
Conscientes desse poder, os DAM prometem fazer o que puderem com ele. Em palco juntam-se a Maysa outros dois MC, Tamer Nafar e Mahmood Jrere, e Bruno Sabbagh, como DJ.
O Festival Músicas do Mundo é conhecido por aliar à música as causas políticas globais à altura de cada edição e, portanto, a Palestina não podia faltar este ano.
O público que se juntou no Castelo de Sines esta noite respondeu à altura, cobrindo-se com bandeiras de grandes dimensões e agitando outras, mais pequenas. E aderiu com convicção às batidas árabes que os DAM lhes foram ensinando — “Quem és tu? Eu sou dali” –, reagindo com entusiasmo aos muitos ‘zaghrouta’ (som tradicional feito com a boca e a língua) que Maysa partilhou.
As luzes alternaram entre o verde e o vermelho da bandeira da Palestina e mesmo o nome da banda — que fica no cenário enquanto dura a atuação — tinha dois traços pintados com essas mesmas cores.
“O público foi espetacular, muito acolhedor, a energia foi incrível”, elogiou Maysa.
“Vimos de um sítio muito complicado (…) onde não podemos erguer a nossa bandeira, somos palestinianos mas temos bilhetes de identidade israelitas, não podemos erguer bandeiras nem nada desse género”, recorda.
“Por isso, conseguir vir [tocar] e ver uma multidão como esta a segurar a nossa bandeira e apenas apoiar seres humanos que em grande parte não têm voz, é sempre muito poderoso, impressionante e gratificante”, agradeceu.
Maysa Daw reconhece que ainda não é comum uma mulher árabe ser MC de uma ‘crew’ de hip hop, improvisando rimas e batidas com total liberdade, mas, sublinha, há atualmente “muitas mulheres extraordinariamente poderosas em todo o mundo árabe a cantar e a fazer o que querem e aquilo de que gostam”.
A questão é que “não têm sido mostradas o suficiente”, lamenta.
“Claro que estamos longe do ideal, mas isso em todo o mundo, mesmo no Ocidente”, assinala, comentando que nesta zona geográfico-política as mulheres cantam de forma “sexualizada”, ou a “tentar fazer como os homens”, ou a “tentar caber nas conversas do ‘mainstream’ [convencional, dominante]”.
“Do que vejo, tenho de dizer que ouço muitas mais letras honestas e poderosas de mulheres árabes do que de mulheres ocidentais”, compara.
Sofia Branco, da agência Lusa.
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