"Devíamos estar todos a festejar estarmos a envelhecer e a pensar como aproveitar a conquista de mais anos de vida e não a angustiar-nos". É assim que Maria João Valente Rosa, professora e autora de "Um Tempo sem Idades" começa por se referir às ideias que propõe discutir no seu mais recente livro.

A discussão gira em torno de algumas ideias-chave e de um preconceito chamado idade, algo que a Maria João não deixa de enfatizar em vários momentos da conversa que teve com o SAPO24. "Que idade é que tens? A idade cronológica marca de uma forma terrível, é tempo de mudar", afirma.

Mudar, porquê? Por várias razões, a primeira que vale a pena olhar vai ao encontro do senso comum sendo legitimada pela ciência: a idade é algo democrático, passa por todos, mas não envelhecemos todos da mesma maneira. "Cada indivíduo tem múltiplas idades, a cronológica, a biológica, a psicológica, mas parece que para a sociedade só há uma que conta que é a cronológica".

O aumento da esperança de vida é uma das evidências científicas que permitem questionar, de forma objetiva, a ideia da idade como um parâmetro rígido. "Em 1960, uma pessoa com 65 anos tinha uma esperança de vida de 14 anos. Atualmente, é aos 72 anos que tem 14 anos de esperança de vida - houve um "bónus" de 7 anos", ilustra Maria João Valente Rosa.

Do Japão a Espanha, repensa-se a ideia de velhice

A organização mais comum das faixas etárias foi criada após a segunda guerra mundial pelas  Nações Unidas que adotaram a divisão da população em três grandes grupos etários (0-14 anos, 15-64 e 65 e mais).

De então para cá, fruto da ciência e das melhores condições de vida, a esperança de vida aumentou, o que a par com outros fatores demográficos, como a redução da mortalidade infantil, mas também da taxa de natalidade, aumentou o número de pessoas acima dos 65 anos anos, por um lado, e também o seu peso percentual em várias sociedades, nomeadamente na Europa, mas também na Ásia, onde se destaca o caso do Japão (o país mais envelhecido do mundo).

Uma das decisões tomadas precisamente no Japão passou por pedir, em 2013, apoio a especialistas em envelhecimento de forma a caracterizar as populações mais velhas. Concluíram, cinco anos mais tarde, alguns dados interessantes, nomeadamente que os japoneses que atualmente têm entre os 75 e 79 anos se assemelham a quem tinha entre 65 e 69 anos há 20 anos. O que levou à proposta de um novo patamar de velhice, a partir dos 75 anos, criando um novo escalão, de pré-velhice, entre os 65 e os 74 anos de idade; e outro de super-velhice para o grupo com mais de 90 anos de idade.

Em Espanha, este debate também foi proposto por nomes como Antonio Abellán, investigador do Departamento de População do CSIC e responsável do site Aging in Network, que em conjunto com outros demógrafos propõe, segundo explica este artigo, "que a entrada na velhice seja marcada por um limite móvel vinculado à esperança de vida , de modo que ser ou não ser idoso não dependa da idade cronológica, na data que aparece no bilhete de identidade, mas na idade prospectiva, dos anos que, teoricamente, uma pessoa ainda tem para viver".

Segundo um estudo da consultora Euromonitor International, publicado em 2019, Japão, Itália, Grécia, Finlândia e Portugal são os cinco países do mundo com mais idosos do mundo  - sendo que Portugal entrou pela primeira vez neste ranking, substituindo a Alemanha na quinta posição.

Mas não é só a idade "numérica", é também o estilo de vida, o tipo de pessoas que somos hoje versus há 50 anos ou 100 anos. "Hoje aos 65 anos, as pessoas são bem diferentes do passado, mais qualificadas, mais próximas das novas tecnologias, mais conectadas, com um consumo mais diversificado e sabem que à partida vão viver mais tempo".

E é por essa razão também que, para a autora de "Um Tempo sem Idades", hoje devemos "olhar para as pessoas em função do seu potencial, do seu futuro e não do seu passado". O que passa por planear vidas mais longas e não por entreter pessoas numa etapa da sua vida em que são mais velhas. Isso significa, na opinião de Maria João, revisitar todos os patamares da vida e não apenas aquele em que se é mais velho. "Temos de deixar de ter as nossas vidas em gavetas, a primeira etapa que é de formação, a segunda que é de trabalho e a terceira que é de reforma. Vários estudo mostram-nos que 50% das crianças que nascem hoje podem ultrapassar a barreira dos 100 anos - temos de planear vidas longas".

Planear vidas longas é um pensamento - e uma política pública - bastante diferente do que atualmente acontece. "Um dia as pessoas adormecem ativas e acordam reformadas e dizem-lhes agora tens o tempo pela frente  e fazes o que quiseres", ilustra. "Vai para a ginástica", é uma das coisas que dizem, mesmo que muitas pessoas pensem "mas eu nunca gostei de ginástica".

A alternativa é repensar a forma como as vidas são organizadas ao longo das várias idades. Maria João João Valente Rosa defende, por exemplos, menos horas de trabalho, mais tempo para aprender em todas as faixas etárias e um novo olhar para a idade em função do que cada pessoa representa e dos contributos que pode dar. "A idade continua a ser um factor de discriminação terrível e que é preciso mudar".

A data de chegada às livrarias deste ensaio coincidiu com a semana da declaração do estado de emergência e com a primeira semana em que muitos portugueses ficaram fechados em casa para conter a propagação da pandemia de covid-19. O livro está, todavia, disponível online, nomeadamente no site da editora, a Tinta da China.

Na sinopse do livro, concretiza-se o conceito inerente ao ensaio: "The Age of no age é um conceito social que não usa a idade como marca para determinar o posicionamento dos indivíduos adultos, de qualquer idade, no mercado de trabalho e na sociedade. O aumento do tempo médio de vida tem de deixar de significar ser-se velho por mais tempo, para passar a ser entendido como ter-se mais tempo para viver. Vidas mais longas têm implicações sobre toda a vida e não unicamente sobre o seu fim. […]".