As eleições para o Parlamento Europeu, que decorrem entre 6 e 9 de junho nos 27 Estados-membros da União Europeia (UE), quase de certeza irão ditar um aumento de forças políticas de extrema-direita nas instituições europeias. No entanto, as polémicas recentes a envolver os principais partidos da Alemanha e da França neste domínio ideológico baralham as previsões.

"No momento em que a extrema-direita europeia se prepara para obter grandes ganhos nas eleições europeias do próximo mês, uma disputa entre dois dos seus partidos mais poderosos arrisca-se a estragar o desfile de vitória antes mesmo de o champanhe ser aberto", escreve hoje o website noticioso Politico.

O que aconteceu?

Maximiliam Krah, o cabeça de lista para as eleições europeias do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), foi forçado a anunciar esta quarta-feira que iria abandonar a direção da força política e as ações de campanha.

Em causa está uma entrevista que Krah deu na semana passada ao diário italiano La Repubblica, na qual considerou ser “errado” afirmar que todos os membros das Schutzstaffel (SS, organização paramilitar ligada ao regime nazi liderado por Adolf Hitler durante a Segunda Guerra Mundial) eram “criminosos”.

Consideradas declarações demasiado controversas — até mesmo para os padrões da AfD —, a polémica motivada por este caso implicou que Krah anunciasse, através do seu gabinete de advogados, a decisão de renunciar à direção do partido e abster-se de participar na campanha eleitoral.

"A última coisa que precisamos agora é um debate sobre mim. Vou abster-me de novas comparências na campanha eleitoral com efeito imediato e vou demitir-me de membro do comité executivo federal”, indicou o político.

No entanto, a situação complica-se porque, com as listas às eleições europeias já fechadas, Krah já não pode ser substituído, o que indica que a AfD vai concorrer com um candidato desacreditado. De acordo com a última sondagem do Instituto Infratest Dimap, feita na semana passada, o partido da extrema-direita alemão partilhava o segundo lugar nas intenções de voto na Alemanha com os Verdes, ambos com 15%, apenas atrás da União Democrata Cristã (CDU), com 30%.

Esta, de resto, é só uma de várias controvérsias a marcar a AfD. Em meados de janeiro, a participação, revelada pela comunicação social, de alguns dos seus membros numa reunião de ultradireita para discutir um plano de expulsão em massa de de estrangeiros ou pessoas de origem estrangeira da Alemanha chocou o país. Já em abril, foi aberta uma investigação, por suspeita de financiamento russo e chinês, contra Maximilian Krah, sendo que um dos seus assistentes no Parlamento Europeu, suspeito de ser um agente chinês, foi recentemente detido.

Como reagiram os outros partidos?

Tanto os franceses da União Nacional (RN), de Marine Le Pen, como a Liga, do vice-primeiro-ministro italiano, Matteo Salvini, distanciaram-se de imediato da AfD.

Esta terça-feira, Jordan Bardella, presidente do União Nacional e cabeça de lista às eleições europeias, decidiu “deixar de se sentar” com os alemães da AfD no Parlamento Europeu, decisão igualmente seguida pela Liga e pelo Partido Popular Dinamarquês.

“Tivemos discussões francas, as lições não foram aprendidas: estamos a tirar as consequências”, explicou o diretor de campanha de Bardella, Alexandre Loubet, à agência France-Presse (AFP), confirmando as informações avançadas pelo jornal Libération.

Segundo o Politico, as relações entre a RN e a AfD nunca foram fáceis — aliás, só passaram a sentar-se juntos desde as eleições de 2019. As tensões foram crescendo nos últimos meses, especialmente após uma conferência de extrema-direita em que os representantes da AfD falaram da “relocalização” de milhões de pessoas da Alemanha e com as provocações dos deputados da AfD sobre o estatuto jurídico do departamento ultramarino francês de Mayotte, no Oceano Índico.

Além disso, apesar de ambos os partidos integrarem a extrema-direita, a sua retórica e os seus objetivos têm vindo a diferir cada vez mais: a AfD tem radicalizado o seu discurso, alinhando-se cada vez mais com tendências pró-russas, e as suas intenções de voto têm vindo a cair; a RN, pelo contrário, tem apontado a mira ao centro, remodelando a sua imagem como um partido respeitável e pronto a governar, até porque Le Pen não ficou longe de vencer as presidenciais francesas em 2022 e quer voltar a tentar derrotar Macron em 2027. A extrema-direita francesa, de resto, lidera as sondagens às Europeias com larga margem.

Porque é que isto é importante?

A decisão do RN baralha completamente as cartas da organização da extrema-direita europeia, até agora dividida em dois grupos no Parlamento Europeu: ID (Identidade e Democracia) – dos quais o RN e a AfD ocupam, respetivamente, 18 e 10 lugares de um total de 63 – e ECR (Reformistas e Conservadores).

A questão é que os legisladores da UE são eleitos a nível nacional, mas depois formam alianças entre si para exercerem mais influência no Parlamento Europeu. As negociações para a constituição dos grupos políticos têm início após as eleições e podem prolongar-se até à primeira sessão.

À partida, o ID crescerá nestas eleições, já que espera aumentar as suas fileiras com deputados eleitos pelos neerlandeses do Partido pela Liberdade, de Geert Wilders, assim como pelo partido flamengo Vlaams Belang e o Chega, de André Ventura. No entanto, as contas não são assim tão simples.

Um grupo político deve integrar pelo menos 23 deputados eleitos em pelo menos um quarto dos Estados-membros da União, ou seja, oriundos de sete países. Portanto, mesmo que eleja um número acima desse limite mínimo, tem de respeitar a quota mínima geográfica. Sem a Alemanha, torna-se bastante mais difícil para o ID.

Ainda antes da polémica estalar, Krah deixou um aviso na mesma entrevista ao La Repubblica: “Se formos expulsos, duvido que consigam atingir o número de sete países necessários para formar um grupo”.

A incógnita, portanto, prende-se com a possibilidade do ID não chegar sequer a constituir-se no Parlamento Europeu, sendo que esta dúvida tem dado força à ideia antiga de fundir este grupo parlamentar com o ECR, que conta com partidos como os Irmãos de Itália, da primeira-ministra Giorgia Meloni, os ultraconservadores polacos do Lei e Justiça (PiS), e os partidos de extrema-direita Vox (Espanha) e Reconquista (França), e que deverá aumentar significativamente o número de assentos na assembleia.

O que significaria essa fusão?

Tanto ECR como ID deverão crescer de tal maneira nestas Europeias que passam a disputar o lugar de terceiro grupo político com os liberais do Renovar a Europa, com os três a rondar as previsões de 80 a 90 deputados eleitos, cada um.

Se ambos os grupos de extrema-direita se unissem, seriam capazes de disputar a liderança do Parlamento Europeu com o Partido Popular Europeu, de centro-direita. A juntar-se a esta equação estão ainda os deputados não inscritos do Fidesz de Viktor Orbán, excluído do PPE.

No entanto, para complicar ainda mais as coisas, há vários deputados do ECR que mantém uma postura mais europeísta, afastando-se das tendências eurocéticas do ID. Por isso mesmo, o PPE tem tentado seduzir alguns destes candidatos a fazer a ponte para o centro-direita. A própria presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, não excluiu a possibilidade de colaborar com o ECR após as eleições, mas é pouco provável que o venha a fazer se o grupo incluir também membros do ID.

Onde fica o Chega no meio de tudo isto?

André Ventura disse esta quarta-feira não se rever nas declarações de Krah, mas também assegurou que não pondera mudar de grupo.

“Eu não me revejo nas declarações que foram feitas, eu não o diria, mas o Chega faz parte de uma família política que quer sem dúvida mudar a Europa na luta contra a corrupção, na luta por fronteiras seguras e contra a imigração”, disse, para logo reforçar: “Não vou concordar a 100% com o que todos dizem, mas não há nenhum grupo europeu que o faça.”

Sobre uma eventual mudança do Chega de grupo na Europa, Ventura reiterou que “essa questão não se coloca agora”, mas admitiu que possa haver uma “aproximação” entre o grupo Identidade e Democracia e os Conservadores.

“Neste momento, o Chega é solidário com todos os seus parceiros internacionais”, disse, acrescentando: “Isto não quer dizer que não possa haver uma aproximação para vencer as eleições a nível europeu entre Conservadores e ID, mas esse é um trajeto que, primeiro, não depende só de mim.”

André Ventura realçou, por outro lado, que vai continuar a lutar para que o partido vença as eleições europeias, indicando que já transmitiu aos líderes italianos, alemães e franceses das forças que integram o Identidade e Democracia que a guerra na Ucrânia é uma “questão fundamental” para o Chega.

“Nós estamos inequivocamente ao lado da Ucrânia nesta guerra”, disse, acrescentando que o partido defende a manutenção do projeto europeu, mas “com transformações”, bem como a permanência do país na NATO. “Se estes eixos forem mantidos, nós temos toda a abertura para negociar com outros grupos”, disse.

*Com Lusa e AFP