Em declarações à agência Lusa, João Nuno Alcaravela, da Associação de Agricultores dos concelhos de Abrantes, Constância, Sardoal e Mação (Santarém), deu conta de uma “situação difícil e de grande apreensão” originada pela falta de água, seja ao nível da alimentação animal, com os “‘stocks’ de pastagens a zero”, seja na apicultura, com “quebras de produção de mel na ordem dos 50%”, seja nos cereais, com um ano hidrológico “péssimo” para os cereais de sequeiro, seja, ainda, nos olivais tradicionais, onde “a produção é quase nula”.
O engenheiro agrícola, cuja associação representa mais de 300 agricultores da região, deu conta de uma realidade ao nível do olival tradicional e moderno, intensivo e super-intensivo, com uma “produção má e quase nula”, mesmo nos olivais regados.
“O que aconteceu foi que, na altura da floração, as altas temperaturas abortaram o vingamento do fruto, ou seja, houve uma má polinização e a azeitona não vingou, portanto, este ano é um ano de contra-safra, não temos praticamente produção nenhuma de azeitona na região”, afirmou Alcaravela.
No que respeita à alimentação animal, “os produtores pecuários, nomeadamente os que têm ovelhas e vacas, já estão com os seus ‘stocks’ de pastagens naturais a zero e já estão a dar palha e concentrados aos animais, à mão”, referiu, tendo feito notar que “muitos deles têm que ter cisternas e sistemas de captação porque têm que dar água também aos animais”, com as despesas e investimentos inerentes.
Relativamente aos apicultores, a situação não é mais favorável, tendo o gestor agrícola relatado uma “produtividade de mel muito má” este ano, com uma redução que estimou “na ordem dos 50%”, tendo apontado a “pouca alimentação para as abelhas e os ataques a nível nacional da vespa asiática”.
“Temos reportes de efetivos com reduções de 50%. Morreram 50% dos efetivos pecuários de abelhas das colmeias dos produtores da região e, para além disso, o mel a granel, que também poderia subir mais para compensar um pouco a escassez da produção, também não está a acompanhar a escassez do produto, fruto de um mau ano”.
Tendo dado conta também de dificuldades causadas pela seca ao nível da floresta, com “muitas árvores a secar, como os sobreiros, mas também eucaliptos e pinheiros”, João Alcaravela disse ainda que “o mau ano hidrológico foi péssimo para os cereais” e pastagens de sequeiro.
“Não só foi péssimo em termos de produção como, para além disso, os custos com gasóleo, eletricidade e com os fatores de produção, nomeadamente os adubos, alguns dos quais triplicaram o valor, reduzem substancialmente a margem líquida que os agricultores vão receber e o seu lucro vai ser cada vez mais esmagado”, disse o responsável, relativamente a uma realidade ao nível dos produtores de trigo, milho e girassol, e também da horto indústria, como couves, ervilhas e árvores de fruto, entre outros.
Dando conta da “expectativa de alguma chuva” neste mês de setembro, o gestor alertou que “a pouca chuva que possa cair não resolve o problema” dos agricultores, tendo apontado um “Tejo com pouca água, ribeiros e ribeiras, uns de caráter permanente com pouca água, outros já sem água nenhuma”, tendo referido que, ao nível de produtividade, “há que esperar pelo final das colheitas de algumas áreas de regadio para ver quais foram as quebras de produção”.
João Nuno Alcaravela apontou duas medidas que defendeu como “prementes” para enfrentar os desafios das alterações climáticas, uma ao nível do armazenamento de água, outra, ao nível da Política Agrícola Comum (PAC), com adaptação às novas realidades.
“Eu acho que é importantíssimo, seja projetos no [rio] Tejo com diques, seja com barragens, que se fala muito, seja nas nossas outras zonas dos nossos concelhos, como nas ribeiras, na charneca ou criar charcas, eu acho que é importante, urge, armazenar água”, afirmou o gestor, ao mesmo tempo que defendeu a necessidade de “adaptar a agricultura, as culturas e os sistemas de produção a técnicas de uso eficiente da água”.
Por outro lado, lembrou, “vamos ter uma nova PAC a partir de 2023, mas é uma PAC que está desfigurada e que tem de ser revista, face a novas realidades, até com novas medidas agro ambientais que façam face a este problema da seca e da falta da água”, defendeu.
“Setores de atividade que eram minimizados como os cereais, se calhar, vão ter que ser apoiados numa futura Política Agrícola Comum face ao problema dos cereais no mundo, portanto, acho que estamos no momento ideal para pensar numa nova PAC e espero que o Estado Português se lembre disto e adapte as nossas necessidades, e que a União Europeia possa ajudar os nossos agricultores a manterem-se e a incentivar culturas onde efetivamente sejamos competitivos. Ou seja, uma PAC nova para uma realidade nova”, concluiu.
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