A propósito do lançamento em Portugal do seu aclamado romance de estreia, editado pela Alfaguara e com publicação prevista para o próximo dia 12, a autora falou à agência Lusa das inspirações para a sua escrita, revelando que o escritor Roald Dahl foi uma forte influência no seu desenvolvimento, não só como escritora, mas como pessoa e como criança.
Em entrevista, Virgínia Feito foi taxativa quanto à decisão da editora britânica de Roald Dahl eliminar algumas palavras e reescrever passagens que considera ofensivas, condenando-a e considerando-a “fatal”, “ridícula” e “perigosa”.
O mesmo se aplica a outras obras literárias que foram alvo da mesma espécie de “censura”, como foi o caso dos policiais de Agatha Christie.
“Não se pode fazer isso. Isto é arte e a arte está feita assim. Não vamos agora pegar nos quadros de Picasso e repintá-los”, considerou a autora, cuja obra de estreia está longe de corresponder a padrões politicamente corretos.
Para a escritora, tal tipo de ingerência em obras que se enquadram num determinado momento histórico e social é “ofensiva” e “nenhum livro deveria ser censurado jamais, nem mesmo o ‘Mein Kampf’”.
“Pelo contrário, vamos lê-los, vamos estudá-los, vamos vê-los a partir de dentro. É muito importante. A mim, Roald Dahl ajudou-me muitíssimo como escritora, como pessoa e como criança e sobretudo a rir-me de mim mesma. É curioso, porque com tanta obscuridade, não me ofendeu, pelo contrário, fez-me saber rir de mim mesma, e do que me chamavam. Se me faziam 'bullying' ou se se riam, não me afetava, era-me indiferente, foi isso que ele me ensinou”.
A autora sublinha que qualquer obra tem um motivo para ser como é, e que o importante é estudá-la enquadrada no seu contexto social e eventualmente acrescentar-lhe um texto explicativo, que condene as práticas da época.
“É muito perigoso agora um escritor em vez de estar preocupado em fazer um romance o melhor possível, estar preocupado se vai ofender alguém ou se vai ser polémico. É preciso arriscar, às vezes o autor não se sai bem, ofende sem querer, claro, mas acho que é mais importante ter a escolha. É um perigo que os escritores se autocensurem com medo de serem censurados por outros”.
A este propósito, e porque as políticas de cancelamento proliferam essencialmente nas redes sociais, Virgínia Feito diz que não tem nenhuma rede social, mas por outros motivos, “a incapacidade de conviver com a pressão” que uma rede social exerceria sobre ela, alguém que se confessa obsessiva e compulsiva.
“Ocuparia o meu dia inteiro, o tempo todo. Quer dizer, eu sou uma pessoa que demorou 56 minutos para mandar um ‘e-mail’ que diz: ‘Ok. Perfeito, obrigada!’. E eu escrevi-o 28 vezes. Eu não quero imaginar se eu tivesse de enviar uma foto. Seria horrível”.
A escritora diz que seria “mais um trabalho de 24 horas” e que estaria preocupada em fotografar e registar tudo o que fizesse, mas admite que há também “algo de ‘snob’” nesta escolha, “um pouquinho de ‘eu não vou falar de mim, fala tu de mim’”.
“Mas, acima de tudo, é porque sei que me daria muito bem e isso assusta-me. Não quero tornar-me uma estrela do Instagram, sei que gostaria e não quero. Quero escrever, quero ser escritora”.
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