Foi campeã mundial ISA na classe adaptada VI-1, para cegos, na competição em Huntington Beach, na Califórnia, Estados Unidos da América. São quatro títulos em quatro anos. É tetracampeã mundial de parasurf. O que falta conquistar?

Acho que neste momento a competição é mais comigo própria do que com qualquer outra pessoa. Falta-me evoluir no meu surf, ainda há muito espaço para evolução, muito espaço de crescimento e enquanto sentir que ainda não cheguei ao topo das potencialidades vou continuar a trabalhar todos os dias para evoluir.

Títulos de Marta Paço

Nome: Marta Paço

Clube: Surf Clube de Viana

Treinador: Tiago Prieto

Idade: 19 anos

Títulos: Medalha de bronze em 2018, ano de estreia nos ISA World Adaptive Surfing Championship, campeonato mundial de surf adaptado, campeã europeia em 2019 e 2023 e campeã mundial em 2021, 2022, 2023 e 2024

O que considera chegar ao topo das potencialidades? E como se chega lá?

Sinceramente, é difícil dizer porque sou praticamente a primeira geração de surfistas totalmente cegos. Não existe uma referência daquilo que é possível alcançar. Acho que isto é quase um trabalho sem fim, um trabalho diário, todos os dias tentar mais um bocadinho, fazer mais e fazer melhor. Acho que é isso que é chegar ao topo.

Como surfista cega tem a noção que consegue fazer algo mais do que aquilo que supostamente a natureza lhe permitiria? No entanto, o que lhe falta fazer? Manobras?

Exatamente, agora o meu objetivo será apostar em manobras e experimentar diferentes manobras e diferentes coisas e perceber o que é que é possível uma pessoa cega conseguir fazer. É um caminho que ainda não está feito, vamos ter que até estudar e perceber e tentar encontrar estratégias novas e inovadoras para tentar chegar aí às manobras que, neste momento, ainda quase ninguém, especialmente no feminino, está a fazer.

É quase um desafio para a atleta e treinador. Estará a atleta, menos dependente do treinador, a assumir-se como criativa das manobras e ser capaz de elevar a fasquia?

A ideia será essa, com muita ajuda do meu treinador, vai ser muito importante neste processo porque sabe fazer as manobras, vai ter de arranjar uma estratégia diferente para me explicar como fazer.

No parasurf, ainda não há um número expressivo de surfistas cegas. Que mensagem quer passar para atrair mais pessoas para a modalidade?

É essencial darmos a conhecer o desporto às pessoas, chegar às pessoas diretamente e levá-las a experimentar. De facto, não há como explicar, é levar o surf mesmo às pessoas e a partir daí tentar mantê-las no desporto.

Antes de começar a praticar, enquanto pessoa cega não fazia ideia, nem conseguia visualizar mentalmente o que é que é um surfista a surfar uma onda. Era uma coisa tão fora da realidade para mim.

Tem cegueira de nascença. Que desenho tem na cabeça da onda?

É difícil explicar, não tenho um desenho. Tenho um conjunto de sensações e de feeling, sons que associo à onda. Diria que acima de tudo é feeling, talvez muito pelo tato, não necessariamente pelas mãos, mas pelo tato do corpo inteiro e também pelo som.

E percebe, pelo som ou pelo tato, o tamanho da onda?

Sim, mas depende da praia onde estiver. Por exemplo, se estiver com um pontão ao lado consigo ouvir a onda quase a chegar e consigo deduzir mais ou menos o tamanho.

Pensa lançar o desafio de convidar alguém a tapar os olhos e dizer venham comigo surfar de olhos tapados?

Já tive algumas experiências e as pessoas acabam por dizer que é das experiências mais assustadoras que tiveram e também das coisas mais radicais, mesmo surfistas experientes sentem-se totalmente perdidos e até desprotegidos quando “perdem” a parte da visão.

Tiago Prieto é selecionador nacional e treinador de Marta Paço. Olha para os quatro títulos consecutivos e não vislumbra paralelo no desporto português. “Vinha no avião (dos Estados Unidos da América, depois do mundial) e nas minhas reflexões, enquanto treinador da Marta e selecionador nacional, acho que se está a fazer história. Não vi os números ainda, sou sincero, a questão que me ocorreu foi o número de medalhas de ouro consecutivas”, sublinhou. “Portugal está a fazer história, a Federação Portuguesa de Surf está a fazer história e queremos continuar a fazer história”, apontou Tiago Prieto.

A par da evolução individual, Tiago partilha da opinião de Marta Paço de que é necessária captação. “É continuar a trabalhar para evoluir e ajudar cada vez mais o desporto adaptado e o parasurf, ajudar a motivar outros atletas com o mesmo tipo ou outro tipo de dificuldades a praticarem”, referiu. “Uma das nossas missões, mais do que outra medalha, a nossa preocupação é incentivar outros atletas a evoluir”, finalizou.

Se calhar convidar a Yolanda Hopkins ou a Teresa Bonvalot para uma experiência?

É perfeitamente possível, está feito aqui o convite à Yolanda e à Teresa.

E para o ano, preparada para o 5º título mundial?

Espero bem que sim (sorriu).