Uma porta improvisada de madeira tapa o acesso a umas escadas de cimento, sem parede de um dos lados, que dão para o andar de cima. No que poderia ser o hall de entrada, um cravo vermelho de Abril decora uma cruz de Cristo, rodeada por imagens religiosas. Pendurada, a bandeira de Portugal.
Estamos no lar de um “católico convicto”, que faz questão de se apresentar com o nome completo: António Henriques Simões Lemos.
Nascido a 3 de fevereiro de 1946, António integra o contingente dos ex-combatentes. Prestou serviços militares ao Estado durante quatro anos e nove meses. Depois da tropa, feita no Alentejo, seguiu para um dos cenários da guerra colonial, a Guiné-Bissau. “Lembro-me de tudinho”, garante.
Com uma pensão que ronda os 500 euros, António foi parar à casa onde vive vai para quatro anos depois de ter sido despejado por um casal de estrangeiros, ainda a mulher era viva.
“Vivo aqui para não viver na rua”, diz, resumindo muitas das histórias que estão retratadas no projeto do fotojornalista Mário Cruz, "Roof", que inclui uma exposição, a ser inaugurada no dia 27, e um livro.
Hoje viúvo, com 78 anos, António tem de recorrer aos balneários públicos para se manter asseado, algo que muito preza, e às carrinhas que distribuem alimentação. Os militares da Calçada da Ajuda apoiam-no com lençóis e cobertores para aliviar a corrente de ar das três janelas por fechar.
Tem a rádio sempre ligada, faz-lhe companhia. Os sapatos estão engraxados e um cano à mostra serve para pendurar uma cruzeta com várias gravatas coloridas.
No sítio onde vive não entra água e isso até faz António achar que tem sorte. “Há quem esteja pior do que eu”, diz.
Por isso, quando pede “uma casa condigna”, pede para si e para outros, “na mesma situação”, sublinhando: “Não falo em palácios nem nada disso, mas uma casa condigna, para nós morrermos condignamente, com dignidade, como portugueses.”
António candidatou-se ao arrendamento apoiado em janeiro.
Da revolução que agora faz 50 anos diz que “foi realmente a coisa mais bonita que aconteceu”, mas aponta o dedo a “alguns senhores políticos”, que “nem os ideais têm do 25 de Abril”.
Corrupção, promessas não cumpridas, “esta Lisboa numa lástima”, parecendo “um parque de campismo”, chora.
“Penso que o 25 de Abril está a ser maltratado, não pelo povo, o povo é que está a sofrer”, realça, confiando: “Tenho a certeza mesmo que os grandes senhores do 25 de Abril […], se vissem isto, punham as mãos à cabeça: ‘não foi para isso que nós demos a liberdade ao povo’.”
Sofia Branco, Agência Lusa.
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