João Martins vem ajudando a autarquia e a associação ambientalista Nativa a identificarem ninhos da chamada vespa asiática, porque diz ter noção do problema que só foi identificado na região em 2016 "e no ano seguinte já tinha deixado tudo num caos".
Em 2017 esse produtor viu "dizimado o apiário inteiro, com umas 150 colmeias", e este ano conseguiu reconstituir 100, mas afirma que as vespas "continuam a levar centenas de abelhas por dia e a deixar outras tantas a morrer à fome".
João Pinho, outro apicultor de Arouca que vem sinalizando ninhos de vespa aos devidos técnicos, também tem perdido "15 a 20 colmeias por ano" e afirma que só o zumbido emitido pela espécie "já é insuportável".
"As vespas ficam a pairar em volta das colmeias permanentemente e as abelhas, quando deviam estar no pico da sua atividade porque as plantas estão com as flores abertas, acabam comidas ao sair cá para fora, ou ficam lá dentro com medo e morrem sem alimento", descreve.
Dessa situação resultam as duas críticas que João Pinho faz ao Governo: "tem tantas entidades envolvidas no assunto que todas atiram a responsabilidade de umas para as outras" e "ainda não percebeu que, se não atacar o problema agora, enquanto a vespa ainda está mais pelo Norte, quando ela chegar às regiões totalmente dependentes da produção de mel vai ser a ruína total".
João Martins tem opinião idêntica e admite que "sempre existiram pragas nos apiários", mas defende que essas eram controladas, "enquanto para a vespa asiática não há nem proteção, nem apoios comunitários para compensar os apicultores pelas abelhas que perdem".
Marco Portocarrero, que preside à associação Nativa e desde maio apoia a Câmara de Arouca no combate à vespa velutina, usa de humor ao observar: "Isto é um assunto que ‘pica' muito, como os insetos. Ninguém quer tutelar o tema e, quanto mais pessoas estiverem envolvidas, mais diluídas são as responsabilidades".
Experiente na destruição de ninhos com recurso a isco envenenado, esse especialista afirma que "em muitos casos não há coordenação eficiente entre as diferentes entidades, o que tem gerado falhas grandes na identificação e erradicação dos ninhos".
Além disso, "como as entidades não falam umas com as outras, não têm real noção do problema e ainda não perceberam que é preciso atacar a espécie de forma inteligente, porque, no caso dos ninhos fracionados, podem chegar a existir 20 por quilómetro quadrado, todos da mesma colónia, cada um com vários milhares de indivíduos, e não vai ser com a incineração de um que se eliminam os outros".
Contactada pela Lusa, a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) não deu resposta ao pedido de dados sobre as medidas implementadas no combate à espécie, os apoios disponíveis para armadilhas e as compensações por destruição de abelhas.
Já o Instituto de Conservação da Natureza e da Floresta (ICNF), que assegura com a DGAV a coordenação global do Plano Nacional para Controlo e Vigilância da Vespa Velutina, diz que nos últimos anos já validou o registo de 14.876 ninhos no site sosvespa.pt.
Essa plataforma permite "monitorizar e gerir a informação sobre a progressão da espécie" e, entre todos os ninhos registados, 11.224 foram destruídos.
A região mais afetada "é o litoral norte e centro", com a progressão a verificar-se de norte para sul e do litoral para o interior, com alguns casos episódicos em áreas afastadas do território já colonizado devido à translocação de espécimes por via do "transporte de mercadorias como madeiras, frutas e vegetais".
Para a presidente da Câmara de Arouca, Margarida Belém, esta é "uma questão de segurança e saúde públicas" que tem ainda a agravante de influir significativamente na subsistência de parte da população.
"Sendo Arouca um município onde a atividade agrícola e a apicultura ainda têm expressão significativa como atividade complementar ao rendimento principal das pessoas, a redução da produção de mel significa menos receita para diversos pequenos apicultores e também por isso é que implementámos medidas consistentes que nos permitam controlar esta espécie invasora", conclui a autarca.
Arouca ataca vespa asiática com método que também é eficaz em ninhos fracionados
O município de Arouca está a atacar a vespa velutina com um método que, atuando sobre o sistema nervoso do inseto durante vários dias, permite erradicar até os ninhos-satélite desconhecidos da mesma colónia, revelaram hoje intervenientes no processo.
Comparativamente às incinerações, que só podem efetuar-se durante a noite para garantir maior presença no ninho das chamadas vespas asiáticas e que implicam a intervenção de bombeiros para controlo do fogo, há várias vantagens no sistema que a autarquia de Arouca vem implementando sob execução técnica da associação "Nativa - Natureza, Invasoras e Valorização Ambiental".
"Este procedimento pode ser aplicado durante o dia, não implica escadas nem fogo, consegue chegar a ninhos enterrados ou escondidos sem necessidade de levantar telhados ou abrir paredes e, enquanto a incineração destrói um só, isolado, este método atua sobre todos os ninhos-satélite que a colónia possa ter, mesmo quando ainda não os conhecemos nem sabemos onde estão", explicou Marco Portocarrero, da Nativa.
Na prática, município e associação ambientalista começam por marcar com localização GPS os ninhos identificados por fontes tão diversas quanto proprietários agrícolas, que os descobrem nos seus terrenos, ocupantes de moradias, que os encontram na varanda, autarcas das juntas de freguesia, alertados por empresas, e até carteiros, que os avistam nos seus circuitos de entrega.
"O compromisso com a Câmara é o de resolvermos todos os casos no espaço médio de 48 horas", declarou à Lusa Marco Portocarrero.
Isso passa por preparar iscos alimentares impregnados com um inseticida "que não representa qualquer risco para o ser humano nem para a vegetação", após o que esse engodo é inserido dentro do ninho com recurso a varas de carbono facilmente manuseadas por uma única pessoa e aptas a intervir até 50 metros de altura.
Uma vez furado com a seta envenenada o invólucro do ninho, que se assemelha a "cartão e é feito à base de resíduos de cascas e fibras amassados numa liga de papa de açúcar", o isco fica a repousar no interior, para ser comido pelas vespas adultas e por elas passado às larvas e a outros indivíduos da espécie em diferentes estágios de crescimento.
"Matar um ninho que só tem vespas obreiras não serve para nada, porque as rainhas é que asseguram a propagação e podem estar noutro abrigo da mesma comunidade", realçou Marco Portocarrero.
Segundo o responsável, com este isco, “as vespas não notam a presença do veneno e ele deixa-as desorientadas, como que sob o efeito de uma bebedeira, pelo que elas deixam de conseguir levar alimento para os outros ninhos fracionados, as adultas morrem em dois dias e o resto da colónia extingue-se totalmente em duas semanas".
A parceria entre a Câmara Municipal de Arouca e a Nativa arrancou em maio de 2018 e, até ao final de setembro, já permitiu destruir 150 ninhos de vespa velutina no território do concelho.
"A propagação da espécie está a verificar-se a um ritmo exponencial e as pessoas ainda não perceberam bem o problema, porque não sabem que as vespas estão a matar populações inteiras de abelhas e, sem elas, não há a polinização [necessária para a produção de frutas, vegetais e sementes]", observou Filipe Amorim, do Gabinete de Planeamento da Câmara de Arouca.
Nos quase 330 quilómetros quadrados do concelho, a vespa velutina começou a ser combatida em 2015, mas, dadas as condições favoráveis da região em termos de clima e alimento, as medidas iniciais não impediram a rápida disseminação da espécie: em 2016 foram intervencionados 70 ninhos e em 2017 esses já eram 220.
Margarida Belém, presidente da autarquia, diz que foi essa expansão que ditou o recurso a uma estratégia mais veemente de luta local contra a espécie invasora.
"Sinal da importância que esta matéria tem para nós é o investimento que estamos a fazer na presente época de 2018/2019, que é na ordem dos 15.000 euros, o dobro do investido na época anterior", concluiu.
Comentários