O primeiro caso de covid-19 em Portugal foi identificado a 2 de março. Desde aí, o país já passou por várias fases: vida mais ou menos normal, confinamento por iniciativa própria da população, três estados de emergência e início do desconfinamento a 4 de maio.

Todas estas fases com características muito diferentes entre elas. Mas com um ponto comum: um impacto incontornável na saúde mental da população. Desde a agitação emocional trazida pela impossibilidade de realizar as atividades do dia a dia de forma normal até aos estados mais profundos de depressão e pânico ou situações graves de comportamentos agressivos.

Tudo isto tem implicações diretas e muito concretas na vida de cada um de nós: a nossa maior ou menor tranquilidade ao longo do dia, a capacidade de trabalhar ou cumprir as tarefas que nos cabem, o impacto nas relações com aqueles que estão à nossa volta.

É importante garantir que quem se sente mais afetado e desamparado tem a quem recorrer para encontrar formas saudáveis de se adaptar às novas circunstâncias.

Especial atenção deve ser dedicada aos grupos de maior risco. A Organização Mundial de Saúde lembra quem são eles: os profissionais de saúde, as crianças e os adolescentes, as vítimas de violência doméstica, os idosos e as pessoas com quadros de doença mental pré-existentes ou com outras doenças.

Em Portugal, desde o início da pandemia, foram criados vários serviços para dar resposta aos cuidados de saúde mental nesta fase.

O SAPO24 faz aqui um balanço destes recursos. Não se tratando de um levantamento exaustivo dos dados a nível nacional, procuramos reunir algumas informações que ajudam a perceber como tem estado a ser vivido o apoio psicológico no país.

Os dados apresentados resultam da informação recolhida junto de vários serviços, incluindo a Linha SNS24, as administrações regionais de saúde (ARS) das várias regiões do país, a associação SOS Voz Amiga, o acalma.online, o Cuidar de Quem Cuida, a Clínica ISPA e a linha telefónica da Ordem dos Enfermeiros.

O que andam a sentir os portugueses? Principais motivos que têm levado os portugueses a procurar apoio psicológico créditos: Pesquisa: Margarida Alpuim | Ilustração: Rodrigo Mendes

Quando perguntamos aos vários serviços quais são os principais motivos que levam os portugueses a procurar ajuda, as respostas são muito coincidentes. A maior parte das pessoas relata sentir ansiedade, tristeza, solidão, perturbações do sono, medos vários (do contágio, da incerteza em relação ao futuro), dificuldade na gestão das relações e dos problemas económicos gerados pela pandemia. Nos profissionais de saúde, além destes sintomas, surgem ainda queixas relativas à dificuldade de gestão do distanciamento com o núcleo familiar, ao stress laboral e ao cansaço físico e psicológico.

O que podem os portugueses esperar do apoio psicológico? As respostas variam consoante as situações e os serviços em causa. créditos: Pesquisa: Margarida Alpuim | Ilustração: Rodrigo Mendes

O tipo de apoio prestado varia muito consoante o serviço e o tipo de profissional que está do outro lado. De uma forma geral, começam por ser identificados os sintomas. Nos casos menos graves, pode haver um momento para tranquilizar, fazer aconselhamento psicológico e identificar estratégias que a pessoa possa usar no seu dia a dia para controlar a agitação emocional. Nalguns casos, pode haver sessões de acompanhamento. Nas situações de apoio por serviços de psiquiatria, e quando adequado, pode haver lugar a tratamento farmacológico. E, quando é necessário, é feito um encaminhamento para outros serviços, tais como os cuidados de saúde primários e os serviços de urgência do SNS.

Alguns números ajudam a perceber que o apoio psicológico tem sido um recurso para um grande número de pessoas.

Apoio psicológico pandemia - Alguns números (pesquisa: Margarida Alpuim; ilustração: Rodrigo Mendes)
Apoio psicológico pandemia - Alguns números (pesquisa: Margarida Alpuim; ilustração: Rodrigo Mendes) Alguns números de relevo sobre os serviços de apoio psicológico criados para a fase da pandemia. créditos: Pesquisa: Margarida Alpuim | Ilustração: Rodrigo Mendes

A opção 4 da Linha SNS24 atendeu 9467 chamadas, entre 1 de abril e 11 de maio. Dá uma média de 233 chamadas por dia. Do total, 8496 foram feitas por utentes do SNS e 971 por profissionais de saúde.

A linha telefónica SOS Voz Amiga atendeu 800 chamadas em março e 900 em abril, um aumento muito significativo em comparação com as 600 de fevereiro. E estes valores são apenas um quarto das chamadas realmente efetuadas para a linha - 3200 em março e 3600 em abril.

O acalma.online, que funciona por videochamada, realizou 600 sessões, entre 3 de abril e 18 de maio. O número de sessões agendadas já ultrapassa os mil.

O Cuidar de Quem Cuida, que também funciona por videochamada, teve 101 consultas, apoiando 78 pessoas, entre o dia 16 de março e o dia 13 de maio — 23% de Lisboa, 17% de Braga, 14% de Setúbal, 11% do Porto, 9% de Viana e de Faro e 17% de outras regiões.

Na ARS de Lisboa e Vale do Tejo, em abril verificou-se um maior número de consultas de psiquiatria — mais 1.610 do que em 2019 (23.452 em 2019; 25.062 em 2020). Este valor reflete o aumento do número de consultas de seguimento (mais 2.545 do que em 2019), "de forma a evitar descompensações, internamentos e ida aos serviços de urgência", explicou ao SAPO24 fonte da entidade. "Inevitavelmente, no decurso da redução da atividade programada em todo o SNS, houve uma diminuição do número de primeiras consultas" (menos 1.025 do que no ano passado), acrescenta. Estas já começaram a ser retomadas em maio.

Já na ARS do Algarve, o serviço “efetuou um total de 186 consultas” no primeiro mês após a ativação (entre os dias 6 de abril e 6 de maio de 2020)”, indicou por email ao SAPO24 a entidade. Foi feita a referenciação de “um total de 58 pessoas, das quais apenas uma é profissional de saúde” e “no final deste período nove pessoas tiveram alta”, acrescentou a fonte.

Embora nem todos os serviços tenham disponibilizado dados sobre o perfil das pessoas que pedem ajuda, a maioria das respostas indica que são as mulheres que mais recorrem aos serviços. Na Linha SNS24, por exemplo, a percentagem (da amostra de 2569 analisada) é de quase 63%. No acalma.online é de 68%, e na ARS do Algarve o valor chega aos 85%. A SOS Voz Amiga é a exceção: a percentagem é exatamente de 50% para homens e mulheres.

Já em termos de idades, na Linha SNS24 a média é entre os 35 e os 40 anos, no acalma.online é de 39 anos, e no SOS Voz Amiga 48% das chamadas são feitas por pessoas entre os 36 e os 55 anos. Mas há muitas pessoas mais novas e mais velhas a serem atendidas também.

Informação útil sobre estes e outros serviços

COVID-19: ALGUNS SERVIÇOS DE APOIO PSICOLÓGICO

Linha SNS24
808 24 24 24 (opção 4)
Para: Utentes e profissionais de saúde do SNS
Plataforma: Chamada telefónica
Horário: 24h/dia
Mais informações: Site do SNS24

SOS Voz Amiga
213 544 545 | 912 802 669 | 963 524 660
Para: População em geral
Plataforma: Chamada telefónica
Horário: 16h-24h (todos os dias)
Mais informações: Site da associação

acalma.online
https://acalma.online/
Para: População em geral
Plataforma: Videochamada
Horário: A definir na marcação online
Parceiros: Casa do Impacto (SCML), tech4COVID, entre outros.

Cuidar de Quem Cuida
https://www.p5.pt/apoio/
Para: Profissionais de saúde
Plataforma: Videochamada
Horário: A definir na marcação online
Parceiros: DGS, Ordem dos Médicos, Universidade do Minho, Centro de Medicina Digital P5, entre outros.

Clínica ISPA
911 191 822 | clinica@ispa.pt
Para: Profissionais de saúde
Plataforma: Videochamada
Horário: De acordo com a disponibilidade de agenda
Mais informações: Site a Clínica

Ordem dos Enfermeiros
213 815 556
Para: Enfermeiros
Plataforma: Chamada telefónica
Horário: 9h-18h (2ª a 6ª)
Mais informações: Site da Ordem

Outros contactos nas várias regiões do país
https://saudemental.covid19.min-saude.pt/

Linha SNS24

O apoio psicológico na linha telefónica do Serviço Nacional de Saúde foi lançado a 1 de abril e conta com 64 psicólogos. O acesso a este serviço gratuito é feito através do número da Linha SNS24 (808 24 24 24). Ao ligar, deve ser escolhida a opção 4 ("aconselhamento psicológico"). A partir desse momento, ficará em espera até ser atendido por um profissional de psicologia. "O propósito é ajudar as pessoas a gerir os seus estados emocionais de stress" durante a pandemia da covid-19, explicou ao SAPO24, na altura do lançamento, Teresa Espassandim, membro da direção da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), uma das entidades envolvidas na criação deste serviço. As outras entidades são a Serviços Partilhados do Ministério da Saúde e a Fundação Calouste Gulbenkian.

SOS Voz Amiga

De todos os serviços aqui considerados, este é o único que já existia antes da pandemia. Na verdade, tem 42 anos e a sua vocação é disponibilizar um espaço de conversa e apoio emocional não-técnico gratuito, a “todos aqueles que se encontram em situações de sofrimento causadas pela solidão, ansiedade, depressão ou risco de suicídio”. Desde o início da pandemia, os pedidos de ajuda aumentaram exponencialmente. O presidente da associação, Francisco Paulino, fez questão de lembrar, em declarações ao SAPO24, que nesta linha não é feito aconselhamento psicoterapêutico nem encaminhamento para outros serviços - embora possam indicados, quando necessário, os contactos de outras associações, nomeadamente a APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima).

acalma.online

O acalma.online é uma plataforma onde psicólogos credenciados pela Ordem realizam sessões gratuitas de apoio psicológico por videochamada. Tratando-se de um modelo de intervenção na crise, as sessões não são de psicoterapia (normalmente mais prolongada no tempo), mas sim de identificação dos sintomas e de estratégias para lidar com os sintomas do momento, como explicou ao SAPO24 Filipa Machado Vaz, psicóloga clínica coordenadora do grupo de psicólogos voluntários. As sessões são marcadas através do site. O serviço foi lançado a 3 de abril e resulta de uma parceria entre a Casa do Impacto (hub de inovação e empreendedorismo social da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa), o tech4COVID (movimento que agrupa projetos tecnológicos que dão resposta às necessidades criadas pela pandemia), a doctorino, a ZenClub, a Hug-A-Group, e a DoctorSpin.

Cuidar de Quem Cuida

“Apoio de psiquiatria para profissionais de saúde”. É esta a definição que surge em destaque no site. O apoio, gratuito, consiste em consultas de psiquiatria por videochamada. A iniciativa, que teve início a 16 de março, resulta de uma parceria de várias entidades, incluindo a DGS e o seu Programa Nacional para a Saúde Mental, a Ordem dos Médicos, a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, a Escola de Medicina da Universidade do Minho e o Centro de Medicina Digital P5. Existe um serviço complementar de consultas de psicologia, assegurado com supervisão da Escola de Psicologia da Universidade do Minho.

Clínica ISPA

Os docentes do ISPA e os profissionais de psicologia aí formados prestam apoio psicológico e psicocoterapêutico gratuito aos profissionais de saúde neste tempo da pandemia. As consultas são realizadas por videochamada e podem ser solicitadas através do email clinica@ispa.pt ou do número de telefone 911 191 822. Desde o início do serviço, a 17 de março, foram efetuadas 38 sessões. O número de pedidos que chegaram à Clínica “foram, até ao momento, abaixo do esperado”, indicou ao SAPO24 fonte da instituição.

Ordem dos Enfermeiros

A linha telefónica de enfermeiros para enfermeiros (21 3 815 556) “teve a sua génese no início do período covid, pela necessidade expressada por alguns colegas da necessidade de apoio emocional nesta fase”, explicou ao SAPO24 um dos responsáveis da iniciativa. A intervenção é focada “em acolher o problema” do enfermeiro e proporcionar “suporte emocional, aconselhamento e encaminhamento para outros profissionais, se assim se justificar”. Há 37 enfermeiros alocados à linha, todos eles especialistas em saúde mental.

ARS Algarve

A região tem um Serviço de Apoio Psicológico para a população e os profissionais de saúde criado pelo Gabinete Regional de Crise e de Saúde Mental da ARS Algarve. O serviço está disponível nos três Agrupamentos de Centros de Saúde (ACeS) da região. Os utentes são referenciados para o serviço pelo médico ou enfermeiro de família. Os profissionais podem fazer o contacto diretamente para o ACeS respetivo. Os contactos, e outras informações, estão disponíveis aqui.

ARS Centro

Foram criadas várias linhas telefónicas, no âmbito dos Serviços Locais de Saúde Mental e dos Cuidados de Saúde Primários, destinadas à população em geral, às pessoas já seguidas nos serviços e aos profissionais de saúde e seus familiares (os contactos para os adultos estão disponíveis aqui, e para as crianças e adolescentes aqui). Também foi reforçada a telemedicina. O Coordenador Regional do Programa Nacional de Saúde Mental da ARS do Centro, João Redondo, destacou ao SAPO24 ainda as respostas específicas para os casos da violência no contexto familiar e das adições (álcool e/ou drogas ilícitas).

ARS Lisboa e Vale do Tejo

No dia 15 de março foram criadas consultas específicas de apoio em saúde mental aos utentes, familiares e profissionais de saúde de 15 agrupamentos de centros de saúde (ACES) e dos serviços de psiquiatria dos 16 hospitais da região de Lisboa e Vale do Tejo. Para tal, foram disponibilizados contactos telefónicos e ‘emails' (para adultos e para crianças e adolescentes), podendo as consultas ser também presenciais, no âmbito da intervenção em Saúde Mental em contexto de catástrofe.

ARS Norte

Na ARS Norte está disponível uma linha de apoio psicológico (22 041 12 00) para a população e para os profissionais de saúde da região Norte do país. A linha funciona de segunda a sexta-feira, entre as 8h e as 20h e pretende “disponibilizar cuidados psicológicos, criar um espaço de escuta ativa, de expressão emocional, facilitador de processos mais adaptativos, e ainda promover a resiliência psicológica e um maior bem-estar psíquico”, descreveu a entidade numa nota emitida em meados de abril. “Esta é uma resposta complementar a outras linhas telefónicas existentes, a nível local e nacional”, acrescenta a nota.

ARS Alentejo

À semelhança das outras regiões, também no site do Ministério da Saúde dedicado à covid-19 e Saúde Mental estão disponíveis os números de telefone e os emails das unidades locais de saúde e dos hospitais da região do Alentejo dedicados ao apoio na área da saúde mental.

Outros serviços

Estes são serviços de apoio psicológico de natureza geral. Existem ainda no site do Ministério da Saúde dedicado à covid-19 e Saúde Mental áreas específicas para o apoio aos grupos de risco, nomeadamente às crianças e jovens (esta terça-feira, dia 19 de maio, a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção de Crianças e Jovens criou uma linha telefónica para denúncia de abusos e violência contra menores, às populações mais velhas e/ou com demência (aqui e aqui), às vítimas de violência doméstica (também no site da CIG estão disponíveis todos os contactos a nível nacional), aos casos relacionados com o consumo de álcool ou drogas e às pessoas com pensamentos de suicídio.

(Artigo atualizado às 13h37 do dia 26 de maio - Detalha informação acerca de linha de apoio psicológico disponível na ARS Norte)