A reconstrução dos Armazéns do Chiado, em Lisboa, a construção do centro comercial Fórum Viseu e a reabilitação do mercado municipal do Barreiro têm em comum o traço do gabinete Bau-B Arquitectura I Urbanisme, sediado em Barcelona e fundado em 1989 pelo arquiteto espanhol Joan Busquets. Foi este também o único escritório escolhido pela Infraestruturas de Portugal (IP) para desenhar os planos de urbanização e de pormenor das primeiras duas fases da nova linha de alta velocidade entre Porto e Lisboa. A Ordem dos Arquitetos lamenta a situação e contesta o foco na valorização do imobiliário em detrimento das pessoas.

A IP, através de seis ajustes diretos, atribuiu ao gabinete de Barcelona a responsabilidade de transformar as estações de Porto-Campanhã e de Coimbra e ainda de definir como serão as futuras estações de Santo Ovídio (Vila Nova de Gaia) e de Leiria. O montante total dos contratos ronda os 1,24 milhões de euros, segundo as contas do SAPO24 feitas a partir dos registos do portal Base. Os ajustes diretos foram divididos entre as empresas Bau-B Arquitectura I Urbanisme e B. Landscape Arquitectura y Urbanismo, ambas fundadas por Joan Busquets, detalha o portal dos contratos públicos. 

“As soluções conhecidas para Coimbra, Gaia e Campanhã, em fase preliminar, parecem opções muito discutíveis, que apontam sobretudo para a valorização do imobiliário e consequente maior viabilidade económica e financeira do projeto, descurando alternativas de desenho urbano possivelmente mais sustentáveis a nível ambiental e social”, lamenta ao SAPO24 o presidente da Ordem dos Arquietos. Avelino Oliveira assinala que “muitos arquitetos e muitas empresas portuguesas estão aptos a desenvolver um trabalho da maior qualidade para este objetivo, pelo prestígio internacional reconhecido aos nossos projetistas”. 

Plano Estação Campanhã, vista praça nascente e nova ponte
Plano Estação Campanhã, vista praça nascente e nova ponte Plano Estação Campanhã, vista praça nascente e nova ponte créditos: 24

Os seis contratos foram assinados entre julho de 2022 e dezembro de 2023. O primeiro ajuste direto serviu para atualizar o plano de urbanização da atual estação de Coimbra-B, que datava de 2010 e que tinha sido desenvolvido pelo arquiteto catalão. No entanto, os cinco restantes acordos referem-se a novos projetos, para Campanhã, Vila Nova de Gaia e Leiria. O modelo do ajuste direto foi sempre escolhido apesar de cada um dos contratos superar a fasquia dos 20 mil euros, montante máximo para recorrer a este procedimento, segundo o Código dos Contratos Públicos.

A Ordem dos Arquitetos considera que, com a opção pelos ajustes diretos, “foi posto em causa” o “princípio de defesa do interesse público”, que passa pelo “recurso ao modelo de concurso público, “aberto à participação dos técnicos competentes e das empresas habilitadas”. A única exceção é o plano para Coimbra, assinala a entidade, pois trata-se de uma atualização da proposta.

Tendo em conta o impacto das futuras estações da alta velocidade no desenvolvimento urbano, Avelino Oliveira entende que a IP deveria ter recorrido a duas alternativas: um concurso de conceção, para “seleção de um ou de mais trabalhos de conceção, ao nível de programa base ou similar, designadamente nos domínios artístico, do ordenamento do território, do planeamento urbanístico, da arquitetura, da engenharia ou do processamento de dados”; ou então a um concurso de ideias, que “ implica a transferência dos respetivos direitos de propriedade intelectual para a entidade adjudicante, após aceitação pelo concorrente e pagamento do respetivo prémio”. As alternativas constam do Código dos Contratos Públicos.

O SAPO24 tentou obter esclarecimentos junto da IP mas não obteve resposta.

Plano estação de Coimbra
Plano estação de Coimbra Plano estação de Coimbra créditos: 24

TGV no Sá Carneiro dois anos depois de Campanhã

Os planos de urbanização e de pormenor são cruciais para tudo o que envolve as estações que vão receber os comboios de alta velocidade. Implicam a construção de novos edifícios, espaços verdes e outras acessibilidades que vão durar várias décadas. 

Depois de quase uma década na gaveta, a alta velocidade voltou aos carris portugueses em outubro de 2020, com a inclusão das linhas Porto-Lisboa (em 1 hora e 15 minutos) e Porto-Vigo (em 1 hora) no Plano Nacional de Investimentos para 2030. O projeto mais adiantado refere-se à ligação entre Porto e Lisboa. Entre 2021 e 2023 foram recuperados os estudos para o traçado no tempo da RAVE e tratou-se da avaliação de impacto ambiental.

O projeto português tem a particularidade de ser desenvolvido em bitola ibérica, com a distância entre os carris de 1,668 metros, em vez da opção pela bitola europeia, com a distância entre os carris de 1,435 metros, seguida, por exemplo, para praticamente toda a rede espanhola de alta velocidade. Ao optar pela bitola ibérica, os comboios da alta velocidade podem sair da nova linha e, através de variantes, chegarem às atuais estações de Leiria, Coimbra-B e Aveiro – esta última escapa a um novo plano de urbanização. 

As novas ligações sobre carris serão construídas através de três parcerias público-privadas (PPP): Porto-Oiã (Aveiro), Oiã-Soure e Soure-Carregado. Em 12 de janeiro foi lançada a PPP entre Porto e Oiã, no total de 71 quilómetros e que inclui uma nova ponte rodo-ferroviárias entre a cidade Invicta e Vila Nova de Gaia, para acesso à estação de Campanhã. Neste sub-troço serão investidos 1,978 mil milhões de euros, podendo obter 480 milhões de euros em fundos comunitários. As propostas têm de ser entregues até 13 de junho.

A segunda PPP será lançada em julho deste ano, assim espera a IP. São mais 71 quilómetros de nova linha, desta vez entre Oiã e Soure, no valor de 1,751 mil milhões de euros, com uma candidatura de 395 milhões de euros em fundos comunitários enviada à Comissão Europeia. 

A IP conta que já haja alta velocidade entre Porto e Soure em 2031, prevendo a realização de 60 serviços por dia e por sentido entre Lisboa e o Porto, dos quais 26 serão diretos. Esperam-se 16 milhões de passageiros na nova ligação ferroviária, o triplo dos utentes atuais na Linha do Norte, que já não consegue acomodar mais comboios. Num comboio sem paragens, Lisboa e Porto ficarão a duas horas de distância, menos tempo do que o avião (considerando embarque e desembarque no aeroporto) e o automóvel.

Para 2032, a IP conta que esteja pronta a ligação entre Soure e Carregado – para a viagem entre Lisboa e Porto ficar a menos de 1 hora e 20 minutos. No mesmo ano, espera-se que a alta velocidade chegue ao aeroporto Francisco Sá Carneiro. Nos tempos da Rave, previa-se que o aeroporto Francisco Sá Carneiro recebesse o comboio de alta velocidade ao mesmo tempo do que a estação de Campanhã. Agora, o aeroporto recebe o TGV dois anos mais tarde e numa diferente PPP.

Ainda para 2032 deverá estar concluída a nova ligação entre Braga e Valença, com paragem intermédia em Ponte de Lima, segundo os projetos para os estudos ambientais tornados públicos esta semana.  Resta saber se desta vez haverá concurso público para a envolvente das estações.