Segundo um dos representantes da associação, António Grosso, o Presidente da República defendeu ainda que “é responsabilidade do Estado o problema das indemnizações, não deixando de reconhecer que a Igreja tem de tratar do assunto também”.
À saída da audiência com o chefe de Estado, que decorreu ao final da tarde no Palácio de Belém, em Lisboa, Cristina Amaral e António Grosso, vítimas de abusos pela Igreja católica e representantes da associação de vítimas disseram que a sugestão, que tem por base o modelo seguido em Espanha de nomeação de um defensor público para uma investigação ao nível do Estado, sem interferência ou participação da Igreja, partiu de Marcelo Rebelo de Sousa.
“A sugestão do senhor Presidente foi muito clara: não vamos dizer à Igreja para investigar a Igreja, basicamente foi o que ele nos disse. As comissões que existem têm como patrocínio e como iniciativa a Igreja e o que nós vínhamos aqui sugerir era exatamente isso, mas felizmente o senhor Presidente teve muita empatia pela nossa causa e as primeiras palavras foram dele”, disse Cristina Amaral.
“Há aqui uma responsabilidade do Estado. Vínhamos nós com essa ideia, mas foi o Presidente a sugeri-la primeiro”, acrescentou.
A justificação para uma responsabilidade estatal nesta matéria, explicou António Grosso referindo-se ao entendimento do chefe de Estado, deriva da responsabilidade política perante um dever constitucional de proteção das crianças.
O representante disse ter ainda obtido de Marcelo Rebelo de Sousa a garantia de que na próxima legislatura irá sensibilizar Governo e Assembleia da República para o tema.
Já a Igreja católica, nomeadamente a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), com quem a Associação Coração Silenciado se reúne no domingo, António Grosso e Cristina Amaral dizem querer sensibilizar para o dever de assumir responsabilidade idêntica, ao reconhecer a sua “responsabilidade coletiva enquanto instituição para indemnizar materialmente”.
Deixando críticas à Igreja católica, António Grosso acusou a instituição de estar “numa de esmolas”, ao “pagar comprimidos e consultas”, o que o responsável rejeita como solução, pedindo uma “atitude mais forte”.
“A Igreja Católica pouco se tem mexido para ajudar as vítimas. Foi preciso muita insistência para que finalmente nos recebesse e vai ser só no domingo, mas a Igreja tem de abrir os cordões à bolsa e o Estado tem de assumir a sua responsabilidade enquanto constitucional protetor de crianças e jovens, coisa que não foi durante as últimas décadas”, disse.
“É preciso que haja alguma atitude mais forte, que a Igreja se chegue à frente e traga um plano de indemnizações, para o qual não é preciso grande criatividade: as indemnizações pagas pela Igreja católica já foram realizadas em muitas partes do mundo. Há milhares de pessoas que precisariam de ser compensadas materialmente, porque não há outra forma”, disse ainda.
António Grosso recordou o “papel brilhante” da comissão independente liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, que há cerca de um ano apresentou um relatório com 512 testemunhos validados de crianças e jovens abusados pela igreja desde 1950.
“Existem 512 provas testemunhais do que foram os crimes sórdidos, hediondos e imorais – e do ponto de vista da religião pecados mortais – sobre crianças e jovens durante as últimas décadas. No entanto essas provas testemunhais de nada têm servido, para a igreja nem para o Estado”, disse, tendo mais tarde ironizado, sobre a ausência de provas materiais: “Em 1950, 1960, 1970, esquecemo-nos de levar o telemóvel para o confessionário para filmar”.
António Grosso defendeu que a “prova testemunhal” tem de ter consequências, criticando a igreja por se refugiar em crimes prescritos, clérigos entretanto falecidos ou na necessidade de avaliar caso a caso para adiar a assunção de responsabilidades.
“Para nós não é assim, o caso é só um, a instituição chama-se Igreja católica portuguesa. O crime não foi apenas cometido por aqueles que o realizaram, mas também por aqueles que o encobriram”, disse.
Para além de sensibilização e apresentação de ideias, na reunião de domingo com a CEP a associação pretende também reivindicar o fim das prescrições destes crimes na lei canónica, algo que também pretendem que aconteça na lei civil, considerando a existência de prazos “um absurdo” quando se sabe que uma vítima de abusos sexuais pode precisar de quatro a cinco décadas para conseguir revelar o que sofreu.
“A dor não prescreve”, disse António Grosso.
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