O presidente da Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz, José Calixto, recebeu a primeira dose da vacina Pfizer na passada terça-feira, apesar de não estar incluído em qualquer grupo prioritário.
De acordo com o Expresso, o autarca foi vacinado por ser presidente da fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva, que gere o lar com o mesmo nome, no qual houve um surto de covid-19 no mês de agosto do ano passado, registando 18 mortes.
Mas apesar de estar previsto que no primeiro grupo de vacinação estejam incluídas pessoas residentes em lares e funcionários, não há menção quanto aos respetivos cargos administrativos. E, além do autarca, foram também vacinados o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Reguengos de Monsaraz, o coordenador da Unidade de Saúde Familiar e o presidente da Junta de Freguesia de Reguengos de Monsaraz.
O coordenador do Plano Nacional de Vacinação, Francisco Ramos, citado pela SIC, referiu que “a ter acontecido, foi um uso indevido da vacina” e que “o que está previsto é que a vacina seja administrada aos profissionais e não a dirigentes dos lares”, salvo caso “se trate, também, de um prestador de cuidados aos utentes”.
No Facebook, em resposta a um utilizador, José Calixto afirmou que a “autoridade de Saúde está a tratar todas as pessoas das ERPI por igual para evitar todas as cadeias de contágio. Por isso, estão a ser chamadas para a vacinação todas as pessoas que tem funções nos lares e todos eles tem a obrigação de comparecer a essa vacinação. Penso que seria certamente irresponsável não o fazer”.
“Na vacinação efetuada há dois dias na Fundação, por exemplo, apenas foram vacinados 4 dos 5 directores, ou seja, aqueles que estão em funções, pois foi excluído um que, por motivos de saúde, não tem estado ao serviço desde o início da pandemia”, acrescentou, considerando ainda “desumano ser alvo de um ataque de tão baixo nível” e que se o processo está incorreto “as autoridades sanitárias que o alterem e assumam essa responsabilidade”.
O autarca disponibilizou-se ainda para devolver ao Estado o custo da vacina no caso de os critérios não terem sido bem aplicados.
No entanto, José Calixto considera que deveria estar incluído como prioritário enquanto “autoridade municipal de Proteção Civil”, porque, “a par dos bombeiros”, tem “responsabilidades diárias na tomada de decisões em focos de problemas”. "Mas não, nessa missão não fomos ainda considerados prioritários como devia ser”, rematou.
João Carlos Silva, diretor de serviços da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva, citado pelo Expresso, afirmou que “foram vacinados todos os elementos do conselho de administração”, acrescentando que estes têm sido “parte ativa e desenvolvido diligências quase diretas junto das instalações do lar”.
O mesmo rejeitou ainda que o presidente da Câmara de Reguengos tivesse qualquer responsabilidade no processo de vacinação, uma vez que as listagens foram enviadas à Segurança Social e às autoridades de saúde, que examinaram os nomes que foram "considerados elegíveis" e, assim, “aceites”.
A bastonária da Ordem dos Enfermeiros (OE), Ana Rita Cavaco, já tinha denunciado situações de pessoas que estão a ser vacinadas contra a covid-19 que não têm contacto direto com doentes, classificando esta situação “própria de um país saloio” que tenta vacinar “os amigos da instituição”. Segundo a bastonária, esta situação está a passar-se nalgumas instituições do país, adiantando que a OE já enviou estes relatos para a Assembleia da República e que irá continuar a fazê-lo porque “entende que tem que haver culpados daquilo que acontece”.
Já o secretário de Estado Adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales, questionado sobre a situação enquanto falava aos jornalistas depois de dar sangue, afirmou que "a atividade política" deve ser visada nos "serviços críticos" para a definição dos critérios de vacinação, bem como bombeiros e forças de segurança, mas que todos devem aguardar as suas fases. Além disso, reiterou a prioridade dos profissionais de saúde, residentes em lares e funcionários das respetivas instituições estão à frente na ordem de vacinação.
“Sendo que há outras prioridades iniciais, com os profissionais de saúde, os residentes dos ERPIs, os profissionais dos ERPIs. Depois na fase dos serviços críticos, penso que seria razoável. Entendo que todos nós devemos ser vacinados nas nossas fases", respondeu.
“Acho que o autarca deveria ter sido vacinado na fase correspondente, que seria a fase dos serviços críticos, se realmente os autarcas, como penso que devem ser inseridos, nessa mesma altura”, acrescentou.
Por sua vez, o Ministério da Saúde considerou em resposta escrita ao Observador, que “o preenchimento das condições para a vacinação pelo Lar da Fundação é uma interpretação que cabe àquela Instituição".
Já em Espanha, numa situação semelhante, o conselheiro de saúde Manuel Villegas e outros 400 funcionários também tomaram a primeira dose da vacina contra a covid-19 sem integrarem o grupo prioritário.
Manuel Villegas é médico, formou-se na Universidade de Múrcia e especialista em medicina familiar e em cardiologia, tendo alegado que o acesso à dose da vacina deveu-se à sua profissão, tal como os outros funcionários que integram a equipa do Conselho de Saúde de Múrcia, e que, segundo argumenta, são “uma parte essencial da gestão da pandemia".
Apesar de estar prevista a vacinação de epidemiologistas, rastreadores e aqueles que gerem a Saúde Pública em Espanha, não estão visados responsáveis de outros departamentos.
De acordo com o protocolo do Ministério de Saúde no país, é expressamente advertido que "nesta primeira fase, a vacinação concentrar-se-á apenas no pessoal que realiza especificamente atividades que requerem um contacto próximo com pessoas que possam estar infetadas pelo SARS-CoV-2, ou seja, dependendo do risco de exposição e transmissão". O resto dos trabalhadores deve esperar pela vacinação, em fases posteriores, do "pessoal essencial da linha da frente" ou "outro pessoal essencial", entre os quais poderiam ser enquadrados polícias ou bombeiros.
Além dos funcionários, de acordo com o Vozpópuli, também a esposa do conselheiro, María Teresa Martínez Ros, diretora Geral de Planeamento, Investigação, Farmácia e Serviços ao Cidadão – que integra o departamento do marido –, foi vacinada.
Questionado pela publicação, o respetivo Conselho não revelou nomes dos funcionários que receberam a vacina contra a covid-19 por se tratarem de “informações pessoais e confidenciais”.
Apesar de inicialmente, o Villegas ter recusado a sua demissão justificando que não era tempo de “fugir, mas avançar”, poucas horas depois do escândalo, e devido à pressão da população, o presidente da região de Múrcia anunciou a renúncia do conselheiro de saúde local, por forma a evitar “instabilidade política”, mas sem admitir terem sido violadas as prioridades estabelecidas para a vacinação.
Em declarações ao El País, o porta-voz do Ministério da Saúde espanhol afirmou que o Conselho de Saúde de Múrcia não questionou o executivo sobre se os respetivos trabalhadores (incluindo Villegas e a sua mulher) poderiam ser vacinados e que não há conhecimento de situações semelhantes noutros conselhos.
O mesmo jornal refere ainda que o Conselheiro de Saúde de Madrid, por exemplo, não foi vacinado e que é seguido o protocolo: vacinação de “lares de idosos e profissionais de saúde”.
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