A obstetrícia foi a primeira especialidade a demonstrar que “a situação era de facto muito complicada” no Serviço Nacional de Saúde, mas que agora é geral e afeta todas as especialidades, disse à agência Lusa o presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal, Nuno Clode.
O especialista considerou que “do ponto de vista obstétrico” a situação “é preocupante”, mas alertou também para a situação geral dos médicos no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
“Para todos os médicos, isto é uma situação muito complicada e acho que o problema da obstetrícia, que começou por ser o problema, neste momento, é uma gota de água no meio da confusão toda que está instalada”, disse Nuno Clode, aludindo à crise no SNS, agravada pela indisponibilidade dos médicos para fazer horas extras além das 150 horas anuais obrigatórias que tem levado ao fecho e constrangimentos de serviços de urgência em vários hospitais do país.
Para Nuno Clode, “os médicos atingiram o seu limite em termos de capacidade, dedicação e esforço que lhes foi pedido durante anos e anos”, uma situação para a qual a Ordem dos Médicos tem vindo a alertar, assim como os médicos que avisaram as diversas administrações hospitalares do que se estava a passar.
A falta de médicos para assegurar as escalas de urgência já levou ao encerramento temporário de vários serviços de urgência de ginecologia-obstetrícia, entre os quais, do Hospital Amadora-Sintra, Centro Hospitalar do Baixo Vouga, Hospital da Guarda, Hospital de Braga, o que está a gerar “uma ansiedade cada vez maior” nas mulheres e nos casais, segundo a Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto.
Em declarações à agência Lusa, a cofundadora da associação, Sara do Vale, contou que os relatos que chegam à associação são de, além da ansiedade, “uma falta de confiança nos cuidados básicos”.
“De momento está tudo no ar, não há regras. Já viemos de um verão bastante instável e agora aguardava-se ansiosamente que as coisas normalizassem, mas o anúncio destas novas contingências, infelizmente, não veio dar aquela paz de espírito tão importante numa fase tão sensível de um projeto de vida dos casais, das mulheres e das grávidas”, lamentou.
Sara do Vale adiantou que “as pessoas estão em pânico, não sabem a quem recorrer, nem onde recorrer e a resposta parece tardar”, acrescentando: “Vai ser preciso acontecer uma desgraça para realmente se abrir os olhos para isto”.
“As mulheres nem sequer sabem se a porta da maternidade vai estar aberta e isto é grave”, sobretudo para “mulheres com gravidezes de alto risco, as migrantes, as que não falam português, as que não conseguem recorrer ao privado para colmatar as lacunas que já se somam durante os cuidados de saúde primários e, portanto, isto é uma bola de neve à espera de rebentar”, alertou.
A presidente da associação contou que têm notado “um aumento significativo da falta de confiança no sistema”, com mulheres a optarem por meios alternativos de nascimento. “Um deles e crescentemente preocupante é o parto em casa não assistido, um reflexo de as mulheres se sentirem desamparadas”.
“Quando essa confiança se quebra, as pessoas sentem-se por sua conta e, infelizmente, podem tomar decisões que não serão as melhores para elas, podem sentir-se desamparadas e é importante olharmos para esta situação não só a nível físico, mas também emocional”, defendeu.
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