“Mostrei a notícia ao papa e ele disse-me: ‘Olha, tu tens de saber o que fizeste e como fazes. Se há alguma coisa, tu pedes desculpa, mas não vais deixar de fazer aquilo que fazes’”, contou o bispo da diocese de Leiria-Fátima, em entrevista à RTP.
O Ministério Público (MP) confirmou, no sábado, estar a investigar o bispo José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, por alegado encobrimento de abusos sexuais, revelando que já houve uma investigação com possíveis ligações a este caso em 2011.
"Confirma-se a receção de participação provinda da Presidência da República. A mesma foi transmitida ao Ministério Público de Braga e ao DIAP [Departamento de Investigação e Ação Penal] de Lisboa para análise", esclareceu a Procuradoria-Geral da República (PGR) numa resposta enviada à agência Lusa, na sequência da notícia avançada pelo Público.
Além da investigação iniciada no final de setembro pelo DIAP de Lisboa, a PGR adiantou também que já existiu um inquérito em 2011 com possíveis ligações a este caso, mas remeteu mais informações para a consulta do respetivo processo.
Em comunicado, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) assegurou que o seu presidente "deu indicações" em 2011 para que suspeitas de abuso sobre crianças num orfanato em Moçambique fossem investigadas, não tendo sido encontradas evidências de "possíveis abusos".
Ainda a propósito do encontro com o papa Francisco, ocorrido no mesmo dia em que foi divulgada a notícia sobre a investigação do MP, José Ornelas disse na entrevista que o chefe de Estado do Vaticano elogiou o trabalho da Igreja em Portugal.
O bispo reiterou também que fez “tudo aquilo que podia fazer” quando recebeu as denúncias sobre alegados abusos em Moçambique e que não sente “culpa nenhuma”, rejeitando qualquer possibilidade de resignar.
“Não tenho razão nenhuma. Nestas coisas deve-se deixar trabalhar as instituições competentes”, sublinhou, adiantando que ainda não recebeu qualquer notificação do Ministério Público.
Questionado sobre o telefonema que recebeu de Marcelo Rebelo de Sousa, a dar conta que iria ser encaminhada uma queixa contra si para o MP, José Ornelas disse ter manifestado surpresa, mas que não ficou magoado com o Presidente da República.
“O meu contacto com o senhor Presidente da República foi muito cordial. O Presidente da República, segundo ele me disse, é aquilo que costuma fazer. Se recebe uma denúncia manda para a investigação”, afirmou o bispo.
Em declarações na terça-feira aos jornalistas, Marcelo Rebelo de Sousa disse que teve a iniciativa de contactar o bispo José Ornelas para lhe dizer que "não foi pessoal" a denúncia contra ele que encaminhou para o MP.
O Presidente da República frisou que o contacto com o bispo da diocese de Leiria-Fátima, em 24 de setembro, foi posterior ao envio da denúncia para a Procuradoria-Geral da República (PGR), feito em 06 de setembro.
Segundo o chefe de Estado, quando ocorreu esse contacto entre os dois, José Ornelas já "sabia pela comunicação social há semanas que havia a investigação" do Ministério Público, embora ainda não tivessem saído notícias sobre este caso de alegado encobrimento de abusos sexuais.
Questionado sobre estes encobrimentos, José Ornelas referiu-se a um caso em concreto, ressalvando que foi feita uma investigação interna, mas que as acusações eram “vagas” e que “não se podiam demonstrar”.
“Esse assunto foi enviado para a Procuradoria de Maputo [Moçambique] e de Bérgamo [Itália] e foi encerrado nas duas”, argumentou.
Contudo, o bispo da diocese de Leiria-Fátima manifestou-se disponível para esclarecer todas as dúvidas junto do Ministério Público.
“Não só estou disponível, como desejo que este assunto seja investigado cabalmente”, afirmou.
José Ornelas, de 68 anos, preside à CEP desde 16 de junho de 2020 e é bispo de Leiria-Fátima desde 13 de março deste ano. Ocupou o cargo de superior geral dos Dehonianos entre 27 de maio de 2003 e 06 de junho de 2015.
Especialista em Ciências Bíblicas, doutorado em Teologia Bíblica pela Universidade Católica Portuguesa, José Ornelas chegou a fazer formação missionária em Moçambique.
Foi José Ornelas que, no final de 2021, anunciou a criação de uma comissão independente para o estudo dos abusos na Igreja Católica em Portugal, que é coordenada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht e que deverá apresentar as conclusões do seu trabalho em janeiro do próximo ano.
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