A página no Portal da Queixa dedicada aos CTT fala por si: são inúmeras as reclamações que visam o serviço prestado pelos Correios portugueses. Há de tudo: encomendas perdidas, avisos que não chegaram a ser entregues, coisas que chegam em mau estado. Com a pandemia, os dedos apontados aumentaram. Confinada, a população repara em pormenores que antes não via.
Maria João vive nas Avenidas Novas, em Lisboa, e conta ao SAPO24 um episódio que a fez pedir esclarecimentos a um carteiro, no meio da rua.
"Era altura de confinamento mais rigoroso e, numa das vezes em que saí à rua por extrema necessidade, tinha um daqueles avisos dos Correios a dizer que tinham batido à porta e que não estava ninguém em casa”, começa por contar. “Não é verdade, porque estávamos. Então tive de ir à estação levantar a correspondência em causa”.
Por achar um episódio estranho, partilhou o sucedido. “Tenho familiares no norte e também contam a mesma coisa. As pessoas estão em casa, mas recebem os avisos nas caixas do correio e depois têm de se deslocar [para fazer o levantamento], o que afinal de contas é o que devemos evitar”, atira.
Apesar do sucedido, Maria João acabou por não apresentar uma reclamação: “não fiz queixa quando fui levantar as coisas. Estive imenso tempo à espera, queria era vir-me embora. Eu comentei, mas disseram que não sabiam de nada”, recorda.
"Outras transportadoras tocam à porta e entregam as coisas. Com os Correios é que tive problemas"
No caminho para casa, conseguiu fazer algumas perguntas a um carteiro que encontrou por acaso. “Ele ia a caminho do centro dos CTT e perguntei 'desculpe lá, os senhores agora receberam alguma indicação de não subirem aos andares?'. Expliquei que tinha recebido um aviso para vir levantar correio, estando em casa, e disse-me que não”, relembra Maria João.
Também Rita, que mora no Restelo, passou pelo mesmo. “Recebo várias vezes postais para ir levantar correspondência ou encomendas aos Correios. E isto não é só de agora da covid, já acontecia antes. Acho estranho, porque tenho empregada e tenho sempre gente em casa”, frisa.
Contudo, recentemente foi reclamar. "Fui lá aos Correios e reclamei verbalmente sobre isto, disse que não entendia porque não entregavam as coisas quando eu estava em casa”.
E a resposta foi semelhante à que teve Maria João. “Disseram-me que o carteiro toca sempre e a verdade é que eu não tinha forma de provar o contrário — só se me pusesse no portão numa cadeirinha à espera dele, para ver o que faz”, caricatura. “Não fiz mais nada, continuei e continuo a receber os postais, apesar de estar em casa. Neste momento já nem trabalho. Nunca vejo o carteiro, que continua a fazer o mesmo”, desabafa.
Numa altura em que tudo chega a casa, Rita traça o paralelo com outras transportadoras. “Tenho tido entregas de encomendas por outras transportadoras e essas sim, tocam à porta e entregam as coisas. Com os Correios é que tive problemas. Acho que durante este tempo já aconteceu umas três vezes”, aponta.
E acrescenta: “apercebi-me que não é só aqui na minha zona. É já uma atitude normal dos Correios, quando não devia ser”.
Os erros no sistema e a falta de cuidado nas entregas
Joana, moradora na Lapa, em Lisboa, recorda ao SAPO24 o que aconteceu há uns meses com encomendas que fez.
“Na altura do Natal foram feitas duas encomendas num site, era suposto serem presentes, e aquilo nunca mais chegava. Até que fomos fazer o rastreamento no site e o que obtivemos foi uma primeira desculpa: que a encomenda tinha sido devolvida porque não estava ninguém em casa quando a vieram entregar. A segunda desculpa foi que a encomenda foi para os Correios e ninguém foi levantar”, começa por contar.
"Quem vem entregar encomendas começa a olhar e vê que tem de subir mais do que um andar e vai-se embora"
“De facto, as pessoas trabalham e, portanto, é provável que não estivesse ninguém em casa. Mas dizer que não se foi aos Correios buscar já é abusar um bocadinho da sorte. Para ir eu preciso de um aviso, coisa que não recebi. Isto foi em novembro e para aí em janeiro ou fevereiro a empresa retornou o dinheiro porque disse que as encomendas tinham sido devolvidas porque não tinham sido levantadas”, recorda Joana.
Contudo, tem uma história que a deixou ainda mais indignada. “Foi ainda mais grave, apenas pela conduta deles — porque não envolveu dinheiro nenhum”.
“Uma empresa oferece a uma das minhas filhas vários produtos e ela, por acaso, estava em casa e foi à janela. Quando espreitou, estava a carrinha dos CTT Expresso parada e o rapaz com a caixa que devia ser entregue em mão — é uma caixa colorida, que se percebe facilmente o que é. Ele olhou para caixa, olhou para o prédio, meteu a caixa dentro da carrinha e foi-se embora”, diz. “Ela tem isto filmado, mas já só a parte final, por isso não serve de nada reclamar”.
“Nesta rua nem sei se haverá algum prédio com elevador, é a parte antiga da Lapa, anterior ao terramoto. Deve haver um ou outro em que foram feitas remodelações e que pode ter. Quem vem entregar encomendas começa a olhar e vê que tem de subir mais do que um andar e vai-se embora. Nem sequer tocam, se tocassem as pessoas até podiam descer ou alguma coisa. Não põem avisos, nada. É uma vergonha e depois uma pessoa quer reclamar e não consegue”, justifica.
“Uma pessoa vai aos Correios da Lapa e lá dizem que é na central. Ligamos para a central, para falar com alguém responsável, e dizem que é nos Correios da Lapa, porque não sabem nada dos distribuidores”, explica Joana.
Também Ruben, que mora em Benfica, partilha a sua experiência com os CTT.
“Esta semana íamos receber uma encomenda e, na segunda-feira, apareceu no site que estava em distribuição. Depois tinha a nota de que chegava às 14h, mas não chegou nada e no registo lia-se que o motivo era ‘destinatário ausente’, quando estava gente em casa e nem sequer tocaram à campainha”, conta.
“No dia seguinte, já aparecia que estava novamente em distribuição e acabaram por vir entregar. Só que não foi só este episódio, já tive mais do mesmo estilo. E aconteceu também a vários amigos meus, tudo via CTT. E podemos reclamar que ninguém faz nada, dizem que é um erro no sistema e pronto. O problema é quando são coisas de valor, como já aconteceu com uma amiga minha e a encomenda de um iPad”, relembra.
Ruben aponta ainda uma falta de cuidado com as entregas. “Hoje [26 de março] vieram cá deixar uma encomenda. Chegaram a tocar à campainha e eu abri a porta do prédio, porque calculei que fosse apenas correio, se fosse uma encomenda vinham à porta. Há bocado saí por acaso e quando cheguei ao patamar das caixas tinha a encomenda meio de fora da ranhura”, conta.
“Era um livro, podia ter-se amachucado ou até alguém ter roubado. Provavelmente deixaram assim só para não terem de subir a um segundo andar. Se o pacote coubesse totalmente dentro da caixa… mas assim não. Alguém podia mesmo ter mexido e depois nunca ia receber e estava como tendo sido entregue. Ainda por cima sabiam que estava gente em casa, porque eu tive de responder ao toque para conseguirem entrar até às caixas do correio”, remata.
Mas o que dizem os Correios sobre todas estas questões? Ao SAPO24, fonte oficial dos CTT refere que “com o confinamento os clientes recorrem mais ao e-commerce para entregas no domicílio, estando os CTT a trabalhar com níveis de peak season desde o início da pandemia”.
“Como é natural, existem por vezes constrangimentos, mas é importante clarificar que existem produtos de correio sem distribuição domiciliária (como por exemplo as encomendas do produto correio, em que é deixado sempre aviso para levantamento em Ponto CTT quando não cabem no recetáculo postal)”, refere.
"Os carteiros dos CTT adotaram procedimentos específicos [durante a pandemia] no exercício das suas funções durante os giros"
Neste sentido, os CTT garantem que “estão atentos aos constrangimentos causados pelas situações e por isso têm vindo a implementar ações de melhoria contínua dos seus processos de distribuição, nomeadamente: contacto telefónico automático, obrigatório antes de poderem registar que a entrega não foi conseguida pelo motivo de ‘Destinatário não atendeu’; controlo de qualidade às chamadas efetuadas; cruzamento das coordenadas geográficas de registo de tentativa de entrega no PDA, com as coordenadas das respetivas moradas, para garantir que o distribuidor esteve no local; análise das rotas com maior percentagem de avisos deixados, de forma a identificar melhorias especificas para esses locais”.
Quanto a regras que tenham sido implementadas devido à pandemia, a mesma fonte explica que “a prioridade” tem sido “a segurança de todos”.
“Desde a primeira hora que os colaboradores dos CTT foram providos de equipamento de proteção individual para que se pudessem manter na linha da frente em segurança. Os carteiros dos CTT adotaram ainda procedimentos específicos no exercício das suas funções durante os giros, na interação com a população e no manuseamento de objetos, para reduzir o risco de contágio”, explica.
“Assim, os carteiros foram formados sobre o procedimento de contingência para entrega domiciliaria de encomendas expresso, com vista a assegurar a distribuição sem contacto direto entre os distribuidores e destinatários, como por exemplo: o dever de colocar o objeto junto da porta de entrada e recuar para uma distância de 1 a 2 metros ou o não passar o PDA ao destinatário”.
O que fazer para reclamar?
Isabel mora em Caxias, no concelho de Oeiras, um “sítio muito pequenino” onde já não há estação de Correios, e relata as dificuldades em apresentar reclamações.
“Havia uma estação que desapareceu [com a privatização dos CTT], e a que temos mais próxima é a de Paço de Arcos. Ou seja, quando não nos entregam as coisas, temos de ir até à estação mais próxima, porque aqui na terra não há. Não é como se eu não recebesse uma coisa e agora fosse já ali levantar”, começa por explicar ao SAPO24.
Tal como Maria João e Rita, Isabel também se queixa de avisos que não são deixados no correio — numa altura em que está “sempre alguém em casa, não há volta a dar”.
O caso mais preocupante — e trabalhoso — foi a viagem que fez o seu cartão de cidadão. “Caducava em janeiro, renovei-o em dezembro, por causa das eleições, mas já no modelo de SMS, em que é entregue em casa. O cartão veio e o carteiro, em vez de tocar à porta, escreveu no postal 'não atendeu’, pelo que foi devolvido para Paços de Arcos”, aponta.
"Eu reclamo com tudo, mas são raras as vezes em que vejo as coisas resolvidas por causa da reclamação"
“Entretanto, dei ao meu marido o meu cartão de cidadão antigo e assinei o aviso — ele tinha de ir aos Correios buscar uma outra coisa dele, uma correspondência registada que também foi para trás. Ele foi lá, só que neste modelo de renovação, o cartão de cidadão só pode ser levantado pelo próprio. O cartão foi para o cartório notarial de Oeiras, com o qual eu não consigo entrar em contacto de maneira nenhuma. Já enviei email, ninguém atende os telefones e portanto estou sem cartão de cidadão. No fundo, vou ter de pagar do meu bolso uma coisa que já estava paga, para me deslocar a um sítio”, refere.
Isabel optou por começar por chamar a atenção ao carteiro. “Entretanto apanhei o carteiro, que é sempre o mesmo, e disse-lhe 'oiça, vou fazer queixa de si'. Só não apresentei efetivamente até agora porque nos CTT também ninguém atende o telefone. Ele é assim miúdo, ficou muito atrapalhado, pediu imensa desculpa. Perguntei como é que é possível dizerem que 'não atendeu', ainda por cima numa altura de confinamento. Ele até disse 'acha que preferia deixar aqui as coisas?’”, recorda.
Além da dificuldade de contacto, Isabel destaca ainda outro problema: “as pessoas normalmente não têm paciência para fazer reclamações. Eu reclamo com tudo, mas são raras as vezes em que vejo as coisas resolvidas por causa da reclamação. A verdade é que nos dão respostas chapa 3, que são uma chatice e no fim não adianta de nada e ainda nos chateamos por ver a passividade das coisas”.
Joana lamenta o mesmo. “O ano passado apresentei uma queixa por escrito e não vale a pena. A resposta que vem é o equivalente a um 'a sua reclamação não tem cabimento', porque os CTT são muito organizados e não perdem encomendas e os carteiros entregam os avisos. Ou seja, é a palavra deles contra a minha”, atira.
“No fundo, nós pagamos os serviços, mas nós é que temos de estar à disposição deles. Não são eles a servir o público, é o público a servi-los a eles. Por um lado, assumo um bocadinho esta atitude do 'não me vou chatear com isto', porque já temos tantas chatices, mas por outro lado acho que é a atitude errada que o português em geral está a tomar. As coisas acontecem, são claramente coisas vergonhosas que não poderiam acontecer, e as pessoas já não têm paciência porque nunca conseguimos ter razão. De uma maneira ou de outra, eles dão sempre a volta e nós ficamos sempre sem a razão. O estarmos a perder o ímpeto de fazer a queixa está a fazer com que cada vez sejamos mais mal servidos”, diz Joana.
Quanto a esta questão das reclamações, fonte oficial dos CTT explica ao SAPO24 que, “neste momento, os CTT disponibilizam aos seus clientes vários canais e vias para apresentação de reclamação (manifestações de insatisfação), indo muito para além das vias recomendadas e mesmo utilizadas por outros congéneres e empresas do setor dos serviços em Portugal e estrangeiro”.
“Dos canais disponibilizados para apresentação de reclamações (não exaustiva) fazem parte o livro de reclamações físico, o livro de reclamações online, formulários de contacto, Linha CTT, Portais (Portal da Queixa e portal Deco), presencialmente nas Lojas CTT, entre outros”, dizem.
Recentemente, no final de 2020, os CTT implementaram também “uma nova plataforma de interação" com os clientes, onde “são geridas todas as interações, nomeadamente os processos de reclamação”.
Desta forma, os Correios garantem que “todas as reclamações são tratadas e respondidas, sendo alvo de auditoria pelo regulador (ANACOM). No entanto, em algumas situações (como são exemplo os envios internacionais) o tempo de resposta poderá ser mais dilatado considerando a expetativa do cliente, dado que implica a averiguação a outros operadores postais, podendo nestas situações, e de acordo com os tempos regulados, o tempo ser superior ao esperado”.
Em tempo de pandemia, um novo aumento no preço do correio
A 21 de março, João Bento, presidente executivo dos CTT, anunciou numa entrevista à Antena 1/Jornal de Negócios que a empresa vai pedir um novo aumento do preço do correio à Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM) para compensar as perdas de 2020.
“Fizemos, e é público, um pedido de aumento de preço à ANACOM, de acordo com as regras anteriores, e estamos agora a preparar um segundo pedido de aumento à ANACOM para ter em conta o que foi a queda excecional do ano de 2020”, disse.
Na altura, João Bento escusou-se a revelar o valor desse pedido de aumento, afirmando que os CTT são uma empresa privada e essa revelação poderia “criar expectativas que podem não ser cumpridas”.
“É um pedido de aumento razoável e que vai de algum modo compensar, pelo menos, parcialmente as nossas perdas”, disse apenas, frisando que a queda que a empresa sofreu em 2020 “foi ainda maior” do que a esperada.
Segundo João Bento, os CTT registaram em 2020, o primeiro ano da pandemia de covid-19, uma redução de 16,5% no volume de correio.
"Os CTT bateram recordes nos rendimentos da área de Expresso e Encomendas"
Todavia, não vão estes dados contra o que aparenta? Num ano de pandemia, com toda a gente em casa, o volume de correio não deveria ter aumentado? Ao SAPO24, fonte oficial dos CTT, explica o que está em causa.
“Os CTT bateram recordes nos rendimentos da área de Expresso e Encomendas no quarto trimestre de 2020. Os rendimentos atingiram os 61,5 milhões de euros no quarto trimestre de 2020, o que representa um crescimento de 45,2% face ao mesmo período de 2019 e de 26,6% no ano de 2020”.
Apesar de estes “serem resultados animadores”, “não compensam nem de perto a queda do correio que foi agravada pela pandemia”.
“A área de negócio de Correio foi influenciada negativamente pela pandemia na totalidade dos seus produtos. Os rendimentos operacionais do correio atingiram 114,2 milhões de euros no quarto trimestre de 2020, uma redução de 5,8% face a 2019”, é referido.
Desta forma,“os CTT iniciaram 2020 com um aumento de preços autorizado pela ANACOM, assente no pressuposto de que a queda de correio (área de negócio que pertence ao Serviço Postal Universal) seria de 3,9%, mas a queda foi de 16,5%. Esta diferença gigante resulta em parte de uma estimativa de queda por parte do regulador manifestamente insuficiente, pois já ficava bastante abaixo da queda de tráfego antecipada pela empresa, que era de 8 % a 9%, antes do início da crise pandémica. Assim sendo, o que se verificou realmente foi um acréscimo de prejuízo e de desequilíbrio resultante da pandemia”.
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