O julgamento começa às 09:30, no Tribunal Judicial de Beja, e será feito por um coletivo de juízes, disse hoje à agência Lusa fonte judicial.
Segundo a acusação do Ministério Público, a que a Lusa teve acesso, Petrica Usurelu, de 43 anos, a esposa, Ionela Usurelu, de 37 anos, e a empresa de ambos, a Angy San, Ldª, são acusados, cada um, de 13 crimes de tráfico de pessoas e nove de auxílio à imigração ilegal.
As 13 vítimas identificadas (nove cidadãos moldavos, três romenos e um búlgaro) “estiveram a trabalhar sob controlo e ordens” de Petrica e Ionela, diretamente e/ou através da empresa, “em desrespeito pelo disposto no Contrato Coletivo de Trabalho celebrado para o setor, categoria e região”.
Apesar de receberem pela venda da mão-de-obra, os arguidos não pagavam o que deviam aos imigrantes e mantinham-nos “em péssimas condições” de vida, “sujeitando-os a trabalhar várias horas por dia, à revelia da legislação laboral nacional, fazendo-os passar fome e frio, utilizando-os no seu interesse económico, ameaçando-os e retendo-lhes os passaportes”.
Petrica e Ionela aproveitaram-se “de tudo” para manterem as vítimas “sob a sua dependência pessoal e profissional”, “não se coibindo” de as “ameaçar com atos violentos” e denúncias às autoridades, “cientes da sua clandestinidade laboral e pessoal”.
Tudo isto para “obterem proventos financeiros”, indica a acusação, estimando que os arguidos conseguiram lucros “não inferiores a 14.629 euros” com esta atividade.
De acordo com o documento, pelo menos desde 2017, Petrica começou a captar cidadãos estrangeiros, sobretudo de países da Europa de leste, para trabalharem para si na realização de trabalhos agrícolas em Portugal.
Em 25 de setembro de 2017, Petrica e Ionela criaram a Angy San, Ldª para contratarem a prestação de serviços para terceiros utilizando o trabalho de estrangeiros.
Usando a empresa, combinaram receber estrangeiros em Portugal e alojá-los em cinco casas que arrendaram em Alvito e Odivelas, distrito de Beja, para depois colocá-los a trabalhar em explorações agrícolas da região para “alcançarem o máximo lucro, independentemente das condições de trabalho, de vida e do pagamento efetivo” aos imigrantes.
Nos países de origem das vítimas, Petrica e Ionela, através de contactos diretos e anúncios, ofereciam a eventuais interessados em trabalhar em Portugal “trabalho garantido, em condições iguais aos trabalhadores portugueses”.
Ofereciam 3,50 a 4 euros por hora de trabalho, alojamento e refeições pagos e hipótese de adiantar valores dos bilhetes das viagens de vinda e regresso, e prometiam assinatura de contratos de trabalho e legalização/regularização da situação pessoal e laboral em Portugal.
Na maioria dos casos, as vítimas “nem sequer tinham dinheiro para pagar o bilhete de vinda para Portugal” e os arguidos adiantavam-lhes os valores, que ficavam logo a dever e seriam depois descontados das horas de trabalho.
À chegada a Portugal, os imigrantes “eram logo confrontados pelos arguidos” com uma realidade “muito diferente” e, ao invés do prometido, eram encaminhados para casas velhas, “indignas, sem condições de higiene, conforto e segurança”.
Nas casas sobrelotadas, tinham de partilhar espaço com “dezenas de outras pessoas” e dormir em quartos “com três a seis pessoas, sem qualquer privacidade” e, por vezes, “no chão, em colchões, sem lençóis, cobertores ou almofadas”.
Em regra, à chegada a Portugal, os arguidos entregavam aos imigrantes entre 30 e 50 euros para “comprarem alimentos e se sustentarem supostamente até que lhes pagassem horas de trabalho, protelando fazê-lo subsequentemente, dizendo-lhes que no final da sua permanência em Portugal acertariam as contas, o que não acontecia”.
Os arguidos entregavam às vítimas, “quando entendiam, valores muito abaixo do mínimo fixado para a hora de trabalho”, e, “semanalmente, entre 10 e 20 euros, para comprarem comida”, e “nunca formalizavam” os contratos de trabalho prometidos.
As vítimas ficavam a aguardar que os arguidos as levassem, “em veículos sobrelotados”, para trabalharem em explorações agrícolas de terceiros, em regra durante “nove a dez horas diárias, seis a sete dias por semana”, com descanso de 15 minutos a meio da manhã e de 30 a 60 minutos para almoço.
Os arguidos também impunham às vítimas pagamentos no final das estadias em Portugal para os controlarem e manterem no país para assim disporem de mão-de-obra para assegurarem os compromissos que tinham com donos de explorações agrícolas.
Desta forma, indica a acusação, os arguidos conseguiram manter “dezenas de estrangeiros” em “situação de clandestinidade” em Portugal a trabalharem para si e “vendendo a sua mão-de-obra por preço muito superior àquele que lhes prometiam pagar”.
O Ministério Público pede ao tribunal para definir quantias para indemnizar as vítimas pelos prejuízos sofridos e para condenar os arguidos a pagarem ao Estado Português pelo menos o valor estimado das vantagens obtidas com a prática dos crimes.
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