“Qual o motivo para a inspeção-geral dar mais credibilidade ao depoimento da secretária pessoal que ao do secretário de Estado da Saúde”, questiona António Lacerda Sales, no contraditório que é parte integrante do relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) sobre o caso das gémeas tratadas em Santa Maria.
Na inspeção ao caso, a IGAS concluiu pela ilegalidade do acesso à consulta de neuropediatria das gémeas que receberam em Santa Maria um medicamento de milhões de euros.
“Não foram cumpridos os requisitos de legalidade no acesso das duas crianças à consulta de neuropediatria” uma vez que a marcação - feita através da Secretaria de Estado da Saúde - não cumpriu a portaria que regula o acesso dos utentes ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), refere a IGAS.
Lacerda Sales contesta diversos pontos do documento e diz que, ao contrário do afirmado pela sua secretária pessoal, nunca solicitou a marcação de qualquer consulta.
Lembra que a sua secretária pessoal tinha exercido funções no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN) – que pertencia ao Hospital de Santa Maria – e, por isso, poderia já ter conhecimento do caso das gémeas, cujos pedidos de ajuda tinham começado em setembro de 2019.
No relatório, a IGAS refere que o ex-secretário de Estado teve conhecimento do caso das duas crianças gémeas após reunião realizada, a 07 de novembro de 2019, com Nuno Rebelo de Sousa (filho do Presidente da República), na qual lhe foi solicitada a colaboração para a obtenção de tratamento com o medicamento Zolgensma.
No documento, a que a Lusa teve acesso, a IGAS escreve que, em data por apurar, “mas situada entre 07 e 20 de novembro de 2019”, o ex-secretário de estado solicitou à sua então secretária pessoal que contactasse telefonicamente Nuno Rebelo de Sousa, que pretendia que fosse marcada uma consulta para duas crianças no Hospital de Santa Maria, tendo-lhe fornecido o número telefónico para o efeito, informação que Sales nega.
Na sequência deste contacto – diz a IGAS - a secretária pessoal “obteve informação, que remeteu para o CHULN, E.P.E. de acordo com as orientações do SES [secretário de Estado da Saúde], quanto à identidade das crianças, data de nascimento, diagnóstico e datas em que os pais poderiam estar presentes no referido hospital”.
“Apesar de o então SES negar o seu envolvimento na obtenção de informação sobre as gémeas junto do Dr. Nuno Rebelo de Sousa e posterior encaminhamento para o CHULN, E.P.E., para marcação de consulta, não se descortina como a sua secretária pessoal, atento o seu grau de autonomia, poderia ter tido conhecimento do caso das duas crianças gémeas e da sua informação pessoal, e comunicado com o CHULN, E.P.E., que não fosse através do modo e contactos referidos”, acrescenta a IGAS.
Sobre este contacto da sua secretária pessoal com o Santa Maria, Sales sublinha o facto de não constar ‘em CC’ (com conhecimento) no email e questiona: “Porque é que não existe qualquer indicação no mail de que o mesmo foi enviado a pedido do SES? Não seria prudente, considerando que a então secretária estava ali, no exercício das duas funções, há pouco mais de 15 dias?”.
Sales chega mesmo a abordar a forma como a secretária pessoal se dirige à diretora do departamento de pediatria (“Cara Prof Isabel Lopes” e “Mais uma vez muito agradeço a sua preciosa ajuda”) questionando: “Qual o grau de intimidade entre as intervenientes? Já se conheciam anteriormente?”.
No final do contraditório, Sales pergunta ainda: "Porque é que o projeto de relatório, considerando o vários contactos prévios ao email do dia 20 de novembro de 2019,não equaciona outra hipótese que fosse determinativa para o agendamento das consultas? Pela Casa Civil ou outros colegas ou outras instituições de saúde?".
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