Eu, por acaso, falei com o Vasco Lourenço há pouco tempo, num podcast, e ele disse que os militares não estavam politizados. Percebiam que era necessária uma mudança política, mas não tinham ideias concretas sobre essa mudança, e portanto não tinham uma opinião sobre as ideias do Spínola. Alguns achavam que as ideias dele já estavam ultrapassadas pelos acontecimentos. Esse ponto é fundamental na altura: a proposta do Spínola, que não é original dele…
O Manuel Homem de Mello 12 anos antes tinha escrito sobre isso num livro chamado, precisamente “Portugal, o Ultramar e o Futuro” (1962).
E também havia uma corrente monárquica, muito reduzida, ligada ao Centro Nacional de Cultura, isto na década de 1960, que defendia uma solução federativa. Digamos assim; uma federação de estados com o mesmo estatuto do continente. A capital até poderia ser em Luanda. Enfim, uma ideia um tanto obtusa, Portugal ter a sua capital em África. Como quando o D. João VI foi para o Brasil e a capital do reino passou a ser o Rio de Janeiro.
Mas então, voltando a 1974 a Revolução que os militares fizeram não tem relação com as teses do Spínola. Concorda?
Mais ou menos. Não concordo assim tanto. Vou explicar porquê. (O Movimento das Forças Armadas antes teve outras designações, como Movimento dos Capitães, mas vou usar a definitiva, que todos conhecem).
Os protestos dos capitães começam a surgir por questões corporativas; o decreto dos milicianos, o Congresso dos Antigos Combatentes. Essas eram as questões dos capitães.
O decreto de que fala é aquele que dava aos alferes milicianos a possibilidade de seguirem a carreira militar e chegarem a capitães, em igualdade com os do Quadro Permanente, sem terem passado pela Academia Militar.
Exatamente. Os oficiais nunca tinham questionamentos ideológicos. O que os preocupava era se era possível que a guerra continuasse indefinidamente. Na minha opinião, e por aquilo que eu recolhi de depoimentos, é o Spínola, enquanto comandante-chefe das Forças Armadas na Guiné, que percebeu que o estado de sublevação (dos autócnes) era permanente. Muito antes dos capitães terem chegado a essa conclusão, ele viu que a guerra só podia ter uma solução política. Podia-se combater mais quatro ou cinco anos mas, como ele diz na página 45 do “Portugal e o Futuro”: “A vitória exclusivamente militar é inviável.” É essa a opinião dele. E permite que os seus oficiais falem, no quartel, nas messes, entre eles, criticando o Governo e a política do Governo. Portanto, o Spínola é o chapéu-de-chuva de toda a oposição ao Governo. Aqui no Continente, ou em Angola e Moçambique, nenhum oficial, nenhum capitão criticava o regime abertamente. Tinham receio, porque a PIDE estava sempre presente. Na Guiné, não. Na Guiné, todos podiam falar porque o Spínola era o primeiro a fazê-lo.
Quando as tropas chegavam, o Spínola metia-os na parada e fazia-lhes uma preleção. Explicava-lhes imediatamente que o território tinha direito à auto-determinação, ou a pertencer a uma “comunidade lusíada” - tinha que haver uma evolução. A guerra não era a resposta. Tinha de haver uma solução permanente e definitiva. E quando os seus militares se iam embora, formavam em parada e ele, de novo, colocava-lhes na cabeça que a guerra não tinha solução.
Referia-se especificamente à Guiné, ou às colónias em geral?
À Guiné, principalmente. Porque ele preparou a Guiné não para se tornar independente, mas para fazer parte dessa comunidade lusíada. Ele criou o Congresso do Povo da Guiné, em que todas as etnias se reuniam anualmente e debatiam; criou infraestruturas, abriu escolas. Ou seja, deu à Guiné a possibilidade de ter autodeterminação, ter alguma independência. Não era tornar-se completamente independente, porque o Spínola nunca foi a favor do fim das colónias, mas de terem a possibilidade de participar de decisões de governo e não depender só de decisões da Metrópole.
Os que viriam a ser os Capitães de Abril passam todos pela Guiné e pelo “chapéu” do Spínola - e todos eles se apercebem que na Guiné podiam falar, e é lá que ganham consciência que a guerra não tem solução. Como Spínola insistia, era uma guerra perdida a longo prazo. Era preciso uma solução política.
Há uma série de livros do Mário Beja Santos, que foi oficial na Guiné, e ao lê-los fiquei a perceber que a Guiné era uma verdadeira colónia, ou seja, o sistema era colonial puro - os portugueses civis que lá estavam não levavam as famílias, estavam a fazer um frete por obrigação de carreira , e superentendiam os cabo-verdianos que eram os capatazes que mandavam nos negros - e os negros odiavam os cabo-verdianos. E depois, a Guiné nunca tinha sido uma unidade política; havia 33 tribos que não tinham fronteiras no sentido ocidental da palavra, umas eram amigas, outras inimigas, mas em contacto permanente. A Guiné como país é uma ficção europeia criada na Conferência de Berlim de 1884.
O Spínola realmente tinha razão, agora, extrapolou o conceito para as outras colónias, onde não seria possível fazer as coisas da mesma maneira.
Não era tão fácil como seria na Guiné. Nos anos em que lá esteve, a partir de 1968, começou por fazer um levantamento completo da realidade guineense e reage em relação aos relatórios que lhe faziam. Angola e Moçambique eram completamente diferentes, porque tinham uma grande presença de portugueses brancos da metrópole. Ele considera que se poderia extrapolar, mas, 50 anos depois, acho difícil fazermos esse julgamento. O Vasco Lourenço e outros, dizem que o livro já estava ultrapassado quando é lançado, mas não sei até que ponto isso será totalmente verdade, porque, se o Governo português tivesse pulso, a guerra podia continuar enquanto se preparava a independência dos territórios ultramarinos de outra forma.
A visão do Spínola, o Marcelo Caetano já tinha pensado nela em 1962.
Uma coisa que diz no livro, e que não se sabia na altura, é que o Marcelo Caetano era muito mais próximo dessa visão do Spínola. Na altura a opinião pública não tinha ideia disso.
O Marcelo cometeu um erro fatal. Quando livro sai, entra em pânico porque acha que a seguir vem um golpe de Estado. E o então ministro Veiga Simão tenta convencê-lo a aceitar o livro como uma peça importante, porque as ideias são as mesmas. Mas o Marcelo, que tinha um feitio mais complicado, diz imediatamente que não quer ser tutor do Spínola e separa-se (das teses) do livro. O erro dele é que poderia ter usado o livro como arma de arremesso contra os ultras, contra o Américo Tomás e todos os que se opunham a grandes mudanças.
O Marcelo tinha falta de coragem política, isso é evidente.
O Marcelo, quando é nomeado Presidente do Concelho, em 1968, começa a fazer uma série de erros: primeiro lança a “Primavera Marcelista” e depois volta atrás; apoia a Ala Liberal e depois não aceita as propostas deles… Tem muitas hesitações, e esta foi a última. Quando, no dia 22 de Fevereiro de 1974, o livro chega às livrarias - e vende 230.000 exemplares em dois meses, um êxito editorial inédito - quem é que comprou? Compraram os militares, aliás, como o próprio Vasco Lourenço assume, era a Bíblia de todos os militares. O Salgueiro Maia leu, todos leram. Então, aqueles que estavam hesitantes em apoiar o MFA (que na altura ainda era informalmente chamado Movimento dos Capitães), ao ver que o Spínola dizia aquilo, que a guerra estava perdida - o Spínola, que era o último cabo de guerra da Europa, o general mais prestigiado em Portugal - a partir daí aderiram.
Isso faz todo o sentido. Eu estive na tropa, conheço bem a mentalidade; a hierarquia é importantíssima. Tenho a certeza que eles nunca pensariam em legitimar o Movimento sem ter generais à frente. Provavelmente achavam que um movimento só de capitães não teria impacto junto da opinião pública.
O Otelo assume isso. No dia 25 de Abril, quando o Spínola é contactado pelo Feytor Pinto, da parte do Marcelo Caetano, para receber o Poder, o Spínola fala com o Otelo e pede autorização. O Otelo e os outros que estavam lá no Posto de Comando, dizem que sim e nomeiam-no. E a justificação que o Otelo dá é que a Europa, e os Estados Unidos, não iriam achar muito correto que fossem os jovens oficiais a fazer um golpe e tomar o Poder. O Spínola nessa altura tinha um prestígio tão gigantesco que era preciso trazê-lo para o 25 de Abril. E até o nomeiam, poucas horas depois, para Presidente da Junta de Salvação Nacional. Os capitães sabiam que precisam de generais com prestígio para a Junta. O Spínola vem a arrepender-se - ele confessa isso numa entrevista posterior, que deveria ter feito um golpe de Estado quando sai o livro, nessa altura que devia ter agido.
No pós-25 de Abril ele é arrastado para um processo muito complicado: quem define isso bem é o Vasco Pulido Valente, ao dizer que ele foi toureado pelos militares e pelo PCP. Foi o que aconteceu.
O Spínola, tivesse ou não tivesse razão (e o Mário Soares dá-lhe razão pouco tempo depois) achava que havia o perigo do Partido Comunista criar uma dinâmica imparável, e ser impossível responder-lhes. Como já disse, ele era da “velha guarda”, não conseguia aceitar ordens dos capitães, não conseguia deixar de ser ele a mandar. E, principalmente, sempre achou que tinha direito a um protagonismo histórico em Portugal.
O Costa Gomes foi muito mais esperto. Teve um papel importantíssimo em todos os acontecimentos que se seguiram ao 25 de Abril, mas soube ser sempre discreto. Atuava de uma maneira mais pensada.
Mais precavida.
Isso mesmo. E acabou por ter uma importância maior na consolidação da democracia. Aliás o Spínola, cada golpe que ele dava, aumentava a força dos comunistas.
Pois, o Vasco Pulido Valente tem toda a razão! Aquela manifestação no Campo Pequeno…
Exatamente. Houve quase um levantamento popular no país inteiro. Fizeram-se barragens nas estradas para inspecionar os carros que vinham para Lisboa. Tudo organizado pelo PCP, que aproveitou a suposta homenagem a Spínola para mostrar que ele era o preferido da direita anti-25 de Abril.
O Spínola tinha uma ideia imperial da sua pessoa. Aliás gostei muito do pormenor que conta que o monócolo dele era de vidro. Não tinha lente! Só estilo.
O meu livro pretende explicar exatamente o papel do livro, não o dele, no contexto da época. Porque essa foi a grande contribuição dele para o 25 de Abril. O livro sai às nove da manhã na livraria do Apolo 70 e às duas da tarde tinham-se vendido 2.000 exemplares.
Temos que nos lembrar que foi uma época em que ninguém podia duvidar, levantar uma vírgula sequer, à sacrossanta política salazarista do Ultramar.
As pessoas forravam o livro com uma capa de papel pardo para não serem vistas a andar com ele!
O livro tem uma história muito divertida que é a forma como o Spínola consegue contornar a Censura. Utiliza a autorização dos seus superiores. Levou o livro ao Costa Gomes, que era o seu superior hierárquico e o Costa Gomes falou com o Ministro do Exército, o Silva Cunha, que aceitou a publicação sem ler. Assim, o livro sai sem a Censura ter atuado.
Mas o Costa Gomes sabia o que o livro propunha.Era o único que sabia. Os outros, ninguém se quis comprometer. O Marcelo e o Silva Cunha passaram para o Costa Gomes a autorização. O livro é impresso às escondidas e depois de sair é que o Marcelo o lê e não manda a Censura retirá-lo de circulação. Quer dizer, o Marcelo hesita em reagir contra o Spínola e o Costa Gomes.
Não é estranho a PIDE não ter decidido por conta própria apreender o livro?
Repara, se nós olharmos para este período, vamos notar uma coisa: no dia 25 de Abril, quem é que vai para a rua reprimir o golpe dos oficiais? Ninguém. A PIDE não vai, a GNR não vai, a maior parte dos militares não se mexe. Ou seja, o regime cai sozinho, sem qualquer ação. Porque quando o Marcelo não toma nenhuma atitude a 22 de Fevereiro, quando o livro sai, as autoridades ficam sem saber o que fazer.
Os livros não tinham censura prévia. O sistema funcionava assim: eram os editores que precisavam de se arriscar a publicar um livro que poderia ser depois apreendido. A apreensão custava-lhes muito caro, perdiam todo o investimento. Assim, auto-censuravam-se.
No 25 de Abril, as autoridades não reagem, porque ninguém tem ordem para reagir. Nos dois meses anteriores o livro vende 130.000 exemplares, a sociedade civil tem a percepção que o general mais importante não concorda com a política ultramarina do Governo, o Governo está frágil, mal consegue fazer uma pequena remodelação. O Spínola e o Costa Gomes são demitidos, dá-se aquela manifestação da “Brigada do Reumático” a prestar uma vassalagem bacoca ao Marcelo, e há o golpe do 16 de Março.
Ou seja, quando os capitães vêm para a rua, num ato de grande coragem, encontram um país parado, em que as forças da ordem não tem autoridade para reprimir o Golpe. E depois, uma coisa fantástica, às 10 da manhã, quando os militares estão na rua e os dirigentes escondidos, o povo vai para a rua. E então, aquilo que seria um golpe militar, transforma-se numa revolução.
No final da tarde, com centenas de milhares de portugueses na rua, a situação é irreversível.
Os militares nunca tinham imaginado tal coisa. Aliás, o Otelo, o Salgueiro Maia, muitos são a favor de regressar aos quartéis. O Salgueiro Maia até voltou, mas o Otelo entrou num rumo oposto. É aí que fazem o Conselho da Revolução.
O golpe de 16 de Março (de 1974) era dos spinolistas, não era?
Era.
Depois do 25 de Abril, os militares começaram imediatamente a seguir várias tendências. Foram obrigados a fazer issso, digamos assim. Porque não bastava deitar o poder abaixo, era preciso pôr alguma coisa no lugar e eles não tinham nada. A Junta de Salvação Nacional não tinha poderes executivos.
O problema era que o General Spínola era contra a maior parte das ideias do MFA. Na noite do 25 de Abril ele obriga a mudar partes do programa do MFA, porque ele é contra a descolonização que os militares queriam - e que fizeram, na Guiné, dois dias depois. O PAIGC já estava em negociações com eles e a Guiné foi a primeira a ser entregue, em 48 horas. Ou seja, os capitães de Abril não se reveem no Spínola, são obrigados a fazê-lo durante alguns dias. E o Spínola é Presidente da República durante 128 dias. Ou seja, no final de Setembro a era Spínola acabou. Os capitães tomaram papéis políticos para os quais não estavam programados nem sonhavam vir a tomar.
Nem programados, nem preparados. Eles estavam apenas desgastados com as sucessivas comissões de serviço e achavam que eram muito mal pagos e não tinham convicção para o esforço de guerra, mas não eram politizados nem anti-salazaristas. Era a mesma falta de convicção que havia na sociedade civil de que não valia a pena manter as colónias.
O livro do Spínola vem reforçar essa convicção. Foi essa a sua importância. Mas pode dizer-se que no dia 26 de Abril o livro já está ultrapassado, porque o programa que vai ser publicado já não tem nada a ver com as propostas dele para as colónias. A sua importância foi criar o ambiente que mostrava a fragilidade do Governo e que o Regime estava no fim.
Nós, hoje em dia, podemos pensar e dizer certas coisas; mas no dia 24 de Abril, se fizessem uma sondagem aos portugueses, 99% diriam que o Regime não ia cair tão cedo.
Eu não tinha nenhuma atividade política, nem as pessoas à minha volta, mas falávamos muito sobre qual seria a maneira do regime acabar. Havia discussões intermináveis, sem que nenhum cenário parecesse viável. E achava-se que não iam ser os militares a provocar a mudança porque, pensávamos , os militares gostavam da guerra. Afinal, era essa a profissão que tinham escolhido, fazer guerra. Havia uma espécie de desespero na sociedade civil, assim: “Ninguém vai conseguir deitar isto abaixo", porque a oposição estava muito desarticulada e era constantemente perseguida - censurada, os líderes presos - e sempre que se conseguia articular, nos períodos pré-pseudo-eleições, o PCP condicionava-os e isso eles não queriam. Receavam que o PCP aproveitasse o programa de democratização para controlar quem ganhasse, no caso impossível da oposição ganhar eleitoralmente.
Precisamente, o livro abala não só os militares mas também a sociedade civil. Aos militares, dá a possibilidade de se unirem em torno do Spínola. E aos civis, mostra que afinal os militares, representados por um general com um alto estatuto no Regime, também queriam mudar a situação.
Então, a partir daí, o movimento cresce muito, mas sem escolher as especificidades do regime que se lhe seguiria. Sem o livro, os capitães não teriam ido tão longe, nem tão cedo.
Há uma coisa que me chamou a atenção no livro. Fala de um “herói esquecido” chamado José Golias, de quem eu nunca tinha ouvido falar.
Exato. É quem se pode chamar de “pai da Revolução”. Ele é o primeiro que diz que “isto só vai à pancada”. Era um dos oficiais próximos do Spínola. Ainda está vivo, mas é muito discreto.
Há uma história que é pouco falada, que foi a influência do Frank Carlucci no processo pós-revolucionário. No 25 de Abril, o embaixador norte-americano era uma pessoa pouco atenta, porque Portugal era um posto diplomático sem importância, atribuído por favor político. Então o Kissinger, que era o Secretário de Estado na altura, mandou para cá o Carlucci para ver o que se podia fazer. O Kissinger, segundo se conta, considerava duas hipóteses: ou mandar a esquadra para Lisboa, ou deixar isto cair na mão dos comunistas “para assustar os outros países da Europa”. E o Carlucci, em poucos meses, percebeu que a solução não era usar a força ou abandonar o país à sua sorte, mas apostar no Soares, como a boa alternativa que poderia levar a uma democracia à europeia. Até ficaram amigos. Os socialistas não gostam de falar nisto, evidentemente, e ele depois voltou para os Estados Unidos e não ficou para a História. Há um romance da Lídia Jorge, “Os Memoráveis”, sobre o que aconteceu aos revolucionários da época com o passar dos anos, em que ele é uma personagem. Sobre ele talvez valesse a pena escrever. Ou sobre esse José Golias.
Ele não quer falar. O Salgueiro Maia também falava muito pouco. Há uns quantos que preferem o anonimato
Esta abordagem, além de original, é extremamente importante porque mostra o 25 de Abril de uma maneira mais completa do que se aprende na escola.
No último capítulo, que é uma conversa com o Ramalho Eanes, ele próprio assume que o livro do Spínola foi “enclausurado”. Ou seja, este livro, por mais discordâncias que houvesse, deveria ser estudado e debatido. Eu até escrevo isso num capítulo, os militares de Abril hoje ignoram o livro completamente.
Está à venda?
Não, já não está à venda. Teve uma reedição no início do século, mas desapareceu por completo. Só se encontra nos alfarrabistas.
É interessante, que o Spínola era considerado um fascistóide, digamos assim. Não um salazarista, mas um militar que tinha estado em Estalinegrado com os nazis, que tinham um aprumo de oficial alemão, de pingalim e monócolo. Nunca foi uma figura simpática. Mas, dos sete membros da Junta de Salvação Nacional, nenhum deles grangeou grandes simpatias. Dá a impressão que foram escolhidos à pressa por serem generais e representarem os três ramos das Forças Armadas. O Galvão de Melo era de direita, o Rosa Coutinho de esquerda e os outros foram navegando por vários quadrantes.
Mas lembro-me perfeitamente que na noite do 25 de Abril estava a trabalhar, fui a correr para casa, e na televisão só passavam desenhos animados. Quando apareceu finalmente a Junta, foi uma sensação de alívio e incredulidade extraordinárias.
Eu tinha 15 anos, mas também me lembro perfeitamente que o meu pai comprou o livro e ficou surpreendido com aquela ousadia, e depois não me esqueci dos acontecimentos de 25, que provocaram um alegria geral da família.
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