“Uno, Dos, Tres… Marte”. É o nome da receita e demora apenas cinco minutos a fazer. Ingredientes: “A batata, que é a base, com bacalhau, azeitonas, salsa, cebola, alho e algas desidratadas e ovo liofilizado. Tudo resultará em pequenas bolas de puré de batata com bacalhau e que levam um toque com chouriço em pó desidratado”, descreve chef Kiko ao SAPO24.
O prato atrás descrito, em que não são reveladas as porções de cada um dos ingredientes, não figura em nenhum dos menus dos restaurantes em Lisboa (O Talho, A Cevicheria, O Asiático, O Surf & Turf e O Poke) que levam a assinatura gastronómica deste rosto da nova cozinha portuguesa. Ao invés, após ter sido avaliada por um júri composto por personalidades relevantes da gastronomia e da exploração espacial, será com ela que o chef Kiko se apresentará, em Saragoça, Espanha, no dia 25, para a final de um concurso denominado “La Patata Marciana” [“A Batata Marciana”, em português].
Na final deste concurso espacial, a proposta portuguesa, um exercício de criatividade que junta arte culinária com conhecimento científico, terá como companhia outros três finalistas, outros tantos mestres da cozinha e da ciência oriundos de Espanha, Peru e Colômbia.
Organizado pelo Centro de Astrobiologia de Madrid, afiliado da NASA, a Fundação Albireo Cultura Científica, o Centro Internacional da Batata e a Universidade de Engenharia e Tecnologia do Peru, o concurso tem como finalidade criar um conjunto de receitas, tendo por base um alimento, a batata. Estas deverão ser utilizadas e consumidas em Marte, “em 2030, aquando da presença dos primeiros colonos no Planeta Vermelho”, explicou Nuno Chabert, fundador do site Bit2Geek, site português de notícias ligadas ao espaço e à exploração espacial e quem convidou e convenceu cozinheiro português a aceitar este desafio.
“Demos os critérios científicos, que são 50% da receita, explicámos técnicas de conservação e demos sugestões de alimentos que pudessem ser conservados a longo prazo e nos quais entra uma lista de ingredientes equilibrados para astronautas e que, em termos de nutrientes, podem ser cozinhados em ambiente de microgravidade”, explicou Chabert, que juntamente com um conjunto de cientistas portugueses espalhados pelo mundo foram consultores do prato confecionado pelo chef Kiko.
“O problema de Marte é a radiação. Temos de escolher alimentos que resistem à radiação. O que aguentaria bem são, em princípio, as batatas, como no filme 'Perdido em Marte'", continuou aquele que desafiou o cozinheiro a participar num “Master Chef espacial”, ao qual concorreram mais de 30 chefs, profissionais e amadores.
Um mini-Marte com ingredientes que obrigam a pôr as mãos na massa no Espaço
“Imagino que não seja fácil cozinhar num Rover planetário ou numa estação espacial”, adiantou Kiko. Por isso, sem recurso “a facas e garfos”, elaborou “algo para nos fazer sentir humanos”. Esse acrescento passa por “misturar ingredientes sem nos servirmos do forno ou do micro-ondas e que nos levasse, apesar de estarmos noutro planeta, a pôr as mãos na massa”, descreveu. Uma aposta que assentou em “sabores portugueses”.
No final, as tais bolas à base de batata que levam bacalhau e são pulverizadas com pó de chouriço, podem, no Espaço, servir como “refeição” ou como “snack”. Um dois-em-um que demora “5 minutos” a confecionar, contabiliza. Uma rapidez estratosférica quando comparada com os “8 meses a 40 mil km/h que demoramos até Marte”, antecipa Nuno Chabert.
“O Kiko conseguiu nesta receita, feita à mão, imitar a imagem de marca de Marte, que são os vulcões, como o Monte Olimpo, com 21 km de altura, as maiores montanhas do sistema solar”, refere o consultor científico.
“Utilizou o chouriço desidratado para imitar a cor do Planeta Vermelho, fez os vulcões com azeitonas e os polos com ovo liofilizado. Se era uma receita para Marte, é Marte em ponto pequeno, uma escultura gastronómica, um prato de alta cozinha que se pode fazer a mão”, caracteriza.
Na hora de celebração da passagem à fase final do concurso espacial, Nuno Chabert recorda ainda quem com ele colaborou na parte científica: “Raquel Crespo, do Instituto Superior Técnico, Marta Cortesão, Agência Espacial alemã, microbiologista e especialista em bolores, Joana Neto Lima, do Centro de Astrobiologia de Madrid, Rebeca Fiadeiro, da área da genética e que trabalha no Instituto da Saúde e Criança, no Reino Unido, e Ana Carolina Cordeiro, Mestre em bioquímica ”.
E no hiato de tempo que medeia a seleção dos finalistas e a apresentação final diante um júri, que valorizará as características gastronómicas tanto quanto a adaptação à vida de uma futura base marciana, revela que estão “a escrever a defesa final da receita científica”. A par, estão “numa fase obsessiva e paranóica para limpar qualquer hipótese de dizerem que a receita não pega ou é vulnerável a fungos, a bactérias ou radiações”, frisa Nuno Chabert.
Já Kiko, cozinheiro sem estrelas Michelin, se sair vencedor do prémio de dois mil euros, espera escrever no céu o feito e “contar aos filhos” que a refeição que os astronautas vão consumir em Marte partiu de uma receita sua. E se ganhar “aí penso em colocá-la num dos restaurantes”, prometeu.
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