A enfrentar uma sucessão de anos em seca severa e extrema, a chuva que tem caído na região nas últimas semanas ajudou a repor parte do sistema de armazenamento de água do sotavento (leste) algarvio, onde os efeitos da seca são mais acentuados.

Em novembro, o nível da barragem de Odeleite atingiu 30,95% do volume útil, um aumento de quase 10% face aos 21,80% registados em novembro de 2019, enquanto a do Beliche atingiu 27,39%, igualmente superior ao período homólogo, em que atingiu 19,03%.

Em declarações à Lusa, o diretor regional de Agricultura e Pescas (DRAP) do Algarve considerou que, mesmo não resolvendo a escassez de água no Algarve, a precipitação deste outono deve permitir “suprir a necessidade dos vários consumidores”, quer do urbano quer da agricultura, “durante mais uma campanha” agrícola.

Para Pedro Valadas Monteiro, esta “recarga dos aquíferos” foi um “alívio”, já que havia o “risco da necessidade de fazer cortes” no abastecimento de água que, ao darem “prioridade ao abastecimento urbano” começariam “necessariamente pela agricultura”.

As estações meteorológicas da DRAP/Algarve têm registado ao longo dos últimos anos uma redução nos volumes médios de precipitação e uma tendência para que a chuva se concentre em “períodos mais curtos de tempo”, com “precipitações mais intensas” e as consequentes enxurradas, reflexo das “alterações climáticas”, aponta.

Segundo aquele responsável, o Algarve é a região do país onde a agricultura “consome menos água”, com “57% do total, quando a média nacional é de 75%”, o que resulta dos investimentos e sistemas de controlo implementados.

Uma boa parte da água utilizada pela agricultura vem do subsolo e os dados recolhidos na monitorização dos aquíferos pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) revelam que “alguns estão numa situação muto complicada” com o risco dos que se encontram junto ao mar sofrerem de “intrusão salina”, aponta.

Pedro Valadas Monteiro defende que deve haver uma reflexão sobre o “aumento das áreas cobertas por infraestruturas coletivas de regadio”, uma vez que seriam mais “fáceis de gerir” ou de emitir “avisos de rega” e, em casos mais extremos, “impor cortes”, permitindo uma “melhor gestão da água”, reservando os aquíferos “para situações de emergência”.

Num setor que em 2019 representou cerca de 2,5% do Valor Acrescentado Bruto (VAB) da economia do Algarve, os agricultores mostram-se apreensivos com a possibilidade de racionamento já que, como sublinha à Lusa o empresário agrícola Tomás Mello Gouveia, “fechando a água não há hipótese de sobrevivência”.

Com cerca de 50 hectares de abacates plantados à beira do sapal de Castro Marim — cuja primeira produção é esperada no próximo ano -, o produtor apela aos governantes para que “tenham uma visão estratégica” e olhem para uma situação que se vai agravar, investindo em infraestruturas para evitar a escassez de água.

O empresário mostra-se otimista com a possibilidade e “ir buscar água ao [rio] Guadiana”, numa proposta de captação junto à zona do Poceirão, para “reforçar as barragens da região”, mas considera essencial que se “reduzam os desperdícios de 35%” na rede de distribuição de água.

Com a exploração localizada perto uma estação de tratamento de água residuais, o empresário agrícola lamenta não poder usar esse recurso devido a falhas no seu funcionamento, como a “invasão da água salgada”, que “reduz em muito” o seu possível aproveitamento.

Uns quilómetros mais para sul, os 42 hectares de diospireiros de José Ângelo são também muito dependentes da “água da barragem”, cuja falta implicaria o “fecho” da atividade, revela o produtor à Lusa.

Também rodeado pela água do sapal, que sendo salobra não é apropriada para rega, afirma andar de “coração nas mãos” por não saber se um dia “os homens que mandam na água” fecham a torneira.

Mas a falta de água também se reflete em quem precisa dela para as pastagens e não tem possibilidade de recorrer à que fica armazenada nas barragens.

Nuno Coelho é criador de cabras algarvias junto a Alcoutim e revela à Lusa não ser fácil planear semear a pastagem porque “a chuva vem muito tarde” e as pastagens nascem mas “acabam por secar, perdendo-se todo o investimento”.

O jovem agricultor tem esperança que as chuvas que já caíram sejam um sinal do “final de um ciclo” de seca, permitindo já a existência de “algum verde” nos campos, “ao contrário dos últimos anos”.

Nuno mostra-se apreensivo caso a situação de falta de chuva se mantenha, já que criar um perímetro de rega para levar água à sua zona tem “custos enormes” que se tornam “incomportáveis para a produção animal”.

“Se não há água, não há vida e não há pastagens”, remata.