“Esta viagem é o símbolo da globalização. Houve a noção e a consciência, quer pelo português Fernão de Magalhães quer pelo espanhol Sebastián Elcano, de como era o mundo, a circunferência do mundo, a redondeza do mundo, como diziam”, assinalou.
Para José Manuel Garcia, que integra o Gabinete de Estudos Olisiponenses da Câmara Municipal de Lisboa, e pertence à Academia Portuguesa de História e à Academia de Marinha, “conseguiu-se provar, e perceber, a dimensão do mundo”,
“É a primeira viagem em que se atravessam todos os oceanos e se conhecem todos os continentes, exceto a Austrália, que ainda não era conhecida [dos europeus], só mais tarde”, assinalou o especialista em História dos Descobrimentos, com uma vasta produção onde se destaca, neste âmbito, “A Viagem de Fernão de Magalhães e os Portugueses” (2007).
Nesta viagem de quatro anos, que se iniciou em Sevilha em 10 de agosto de 1519 e com partida definitiva em Sanlúcar de Barrameda, na foz do Guadalquivir em 20 de setembro – “de início com cinco embarcações e 237 homens incluindo 33 portugueses” –, todos os continentes e oceanos são “ligados pela primeira vez”, destacou.
A aventura de Fernão de Magalhães (1480-1521) tinha começado muito antes. Desde 1505 que começou a viajar em direção a oriente e chegou a Banda, sul da Indonésia e perto de Timor, “uma região onde os portugueses são pioneiros”, sustentou.
Na sua segunda viagem, ao serviço do imperador Carlos V (Carlos I de Espanha) – interrompida pela sua morte em combate na ilha de Mactán, na região de Cebu, Filipinas, em 24 de abril de 1521, durante uma batalha com povos locais comandados por Lapulapu –, optou pela rota ocidental, atravessando o sul do continente americano e o desde então designado Estreito de Magalhães.
Abriam-se as portas do Oceano Pacífico (o então “Mar del Sur”), que assim ficará conhecido após ser atravessado pelo navegador português.
“Na prática descobriu com os portugueses essa parte longínqua do mundo, desde Malaca até às Molucas, e depois descobriu as Filipinas, por cima das Molucas… É preciso ter uma noção de geografia porque estas regiões situam-se nos antípodas”, assinalou.
“Conseguiu dar essa volta, e a partir daí as pessoas tiveram a noção de como era o globo na realidade. Anteriormente existia apenas em cálculos teóricos e não na prática. Graças a Fernão de Magalhães, e pela prática, soube-se como era o mundo”, acrescentou.
O impacto foi enorme e o navegador tornou-se famoso em toda a Europa do Renascimento, prosseguiu o investigador.
“Tornou-se num símbolo desse conhecimento do mundo como ele é. E podemos dizer, como costumo dizer, que ele atacava os Descobrimentos, porque a partir dali o mundo praticamente ficou descoberto”, defendeu.
Fernão de Magalhães efetuou assim uma “volta ao mundo”, mas em duas fases, uma por oriente, pelo Atlântico e Índico a partir de 1505, e outra por ocidente, pelo Atlântico e Pacífico, entre 1519 até à sua morte.
“Passados 100 anos após os Descobrimentos terem começado com o Infante D. Henrique, Fernão de Magalhães praticamente acabou a epopeia dos Descobrimentos com a chegada às Filipinas. O mundo ficou conhecido no essencial. E com o fim dos Descobrimentos começa verdadeiramente a globalização, e graças a Fernão de Magalhães”, adiantou.
O historiador assegura, no entanto, que Fernão de Magalhães não pretendia “dar a volta ao mundo de seguida”, quando Portugal e Espanha tinham já decidido a divisão das suas áreas de influência com o Tratado de Tordesilhas de 1494.
“O Fernão de Magalhães é muito famoso, é um símbolo de ter dado a volta ao mundo porque deu-a, primeiro quando foi às Molucas [com os portugueses], e depois quando foi às Filipinas com os espanhóis. Assim, queria dar a volta ao mundo, mas indiretamente, não queria dar a volta ao mundo de seguida”, sustentou.
José Manuel Garcia assinala que Juan Sebastián Elcano (1476-1526), o novo comandante da nau “Victoria”, única embarcação que alcançou as Molucas em 1521, apenas deu a volta ao mundo “por desespero”, por não ter conseguido regressar pela mesma rota do Oceano Pacífico.
“Também foi contra as ordens de Carlos V, que não queria que se desse a volta ao Mundo, não queria que regressassem pelo Oceano Índico, que era domínio dos portugueses”, sustentou.
Nesta perspetiva, o académico sublinha que a história de Fernão de Magalhães tem aspetos “difíceis de explicar”, e não deve ser analisada de forma simples.
“É preciso explicar que a volta ao mundo acabou por ser dada de duas formas, pelo Fernão de Magalhães, de forma indireta, e de forma direta e de seguida pelo Sebastián Elcano, mas apesar de a glória lhe ser devida, foi por desespero e ilegalmente. Porque depois os espanhóis nunca mais fizeram essa viagem à volta do mundo, fizeram-na apenas porque não conseguiram voltar para trás”, disse.
O ano de 1521 será “fatal, incluindo para os principais protagonistas”, sublinha.
“Desaparecem o Fernão de Magalhães, o seu amigo Francisco Serrão, que estava à sua espera nas Molucas, ainda Jorge de Brito que ia em perseguição de Fernão de Magalhães, e outras figuras menos conhecidas. E D. Manuel I, que morre no final desse ano. Morrem todos, uma situação dramática”, afirmou.
Na generalidade, todas estas mortes são violentas, esclareceu o académico.
“Francisco Serrão é envenenado, Fernão de Magalhães morre em combate, Jorge de Brito também morre em combate, são cenas muito violentas, histórias dramáticas”, explicou.
D. Manuel I, “O Venturoso”, também não assistirá ao desfecho desta viagem ao morrer em dezembro de 1521 “de uma febre espécie de modorra", segundo relatou o historiador e humanista Damião de Góis. Contra o seu desejo, Sebastián Elcano “consegue fugir”. Regressará a Espanha em 06 de setembro de 1522 e inclui-se entre os 17 sobreviventes desta atribulada expedição que se arrojou pelos Mares do Sul.
Portugal e Espanha repartem um extenso programa alusivo às celebrações dos 500 anos da viagem iniciada por Fernão de Magalhães e concluída por Sebastián Elcano.
O programa incluiu uma viagem de circum-navegação pelos navios-escola “Sagres” (português) e “Juan Sebastián Elcano" (espanhol), que cinco séculos depois vão cumprir a rota iniciada por Magalhães e concluída pelo espanhol entre 1519 e 1522.
*Por Pedro Caldeira Rodrigues/Lusa
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