No dia 21 de abril, a SIC Notícias noticiou que a CUF estava a cobrar aos seus utentes o preço dos equipamentos de proteção individual (EPI) utilizados pelos profissionais de saúde. Ou seja, as máscaras, as luvas, as batas ou qualquer outro equipamento necessário, além das consultas.

A DECO recebeu na altura reclamações sobre o assunto — atualmente, tem três dezenas — e chegou à conclusão de que a “informação não era clara e os preços também não”, diz ao SAPO24 o coordenador do Departamento Jurídico e Económico da DECO, Paulo Fonseca.

“Fizemos uma análise aos próprios custos destes EPI e nem existe sequer uma tendência, ou seja, os custos variam consoantes os atos clínicos e consoante a instituições, portanto, não há uma transparência ao nível dos preços que são cobrados”, explica. “Nós temos reclamações de consumidores em que o custo do ato clínico foi inferior ao custo do próprio EPI. E são valores que de facto não são residuais”, adiantou Paulo Fonseca.

De acordo com a informação avançada pelo jornal Público em abril, no grupo Luz Saúde (Fidelidade), o material de proteção usado no atendimento urgente não é cobrado, no entanto, custa oito euros na CUF (José Mello Saúde) e dez nas unidades Lusíadas Saúde (UnitedHealth Group). No que diz respeito às cirurgias, os valores referentes aos equipamentos de proteção individual variam entre os 115 e os 175 euros nos hospitais Luz; custam 98 euros nos Lusíadas e 90 euros nos Hospitais Cuf.

No entanto, segundo a DECO, os custos que estão a ser cobrados nesta nova taxa adicional não incluem apenas os equipamentos de proteção individual, mas também a “higienização do próprio local”, sobretudo em “consultórios de medicina dentária”. Para além destas queixas, os consumidores também demonstraram desagrado por serem apenas notificados dos custos extra na altura do pagamento da fatura.

A justificação apresentada face a estes valores é a de que a sua cobrança está relacionada com as normas da Direção-Geral da Saúde acerca das medidas de precaução que os profissionais de saúde devem adotar neste contexto de pandemia.

Assim, devido à Covid-19, os profissionais de saúde passaram a ser obrigados a utilizar equipamentos de proteção individual em situações que antes não o exigiam (como é o caso da utilização de máscara em consultas ou episódios de urgência); e a reforçar os equipamentos e materiais específicos para conter o contágio viral em procedimentos considerados mais invasivos (como colonoscopias ou endoscopias), partos ou cirurgias.

Face à justificação apresentada pelas entidades de saúde, a DECO ressalva que estas orientações são dirigidas aos “próprios profissionais, a regras que os profissionais têm que assegurar”.

Paulo Fonseca explica que embora seja “normal” que nesta situação de pandemia exista uma “maior exigência no que diz respeito às regras de saúde e de segurança, não nos podemos esquecer de que muitas destas regras servem não só a segurança dos consumidores, mas também a dos próprios profissionais”. E esta última “tem que ser assegurada pelas respetivas entidades patronais”, portanto, não podem estar a cobrar ao consumidor que se desloca [aos hospitais] o equipamento” que é “usado pelo próprio profissional”.

O mesmo se aplica à higienização dos locais, que, segundo o coordenador jurídico da DECO, é algo que "independentemente de estarmos ou não perante uma situação causada por um vírus" tem que ser garantido.

Os seguros cobrem ou não estes custos extra?

A Multicare e a Médis já informaram em abril que estas despesas associadas aos equipamentos de proteção individual dos profissionais de saúde serão cobertas, mas, segundo o email enviado pela Associação Portuguesa de Seguradores ao SAPO24, não é uma situação generalizada.

“Não houve qualquer tomada de posição conjunta do setor, e cada seguradora tomou as decisões que considerou adequadas em face das coberturas que tem contratadas e das negociações que decorreram entre as seguradoras e os prestadores hospitalares”. Assim, a associação recomenda que se contacte “diretamente as empresas de seguros”, para confirmar o que se encontra incluído na apólice.

No que diz respeito aos utentes beneficiários do Serviço Nacional de Saúde, a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) explicou por email ao SAPO24, que os estabelecimentos convencionados no SNS “só poderão cobrar aos utentes, quando aplicável, o valor devido a título de taxa moderadora”, uma vez que não é “legalmente possível cobrar aos mesmos [utentes] qualquer outro valor”.

Relativamente aos subsistemas públicos, a ERS afirma que “deverão ser respeitadas as regras estabelecidas nas convenções celebradas e em vigor”, tendo já solicitado “esclarecimentos à ADSE”, que ainda não apresentou qualquer solução aos seus beneficiários.

“Não nos questionamos que os estabelecimentos privados façam esta exigência, o que nos preocupa é que os beneficiários que estão a ser alvo desta esta exigência, estão a fazer os pagamentos por inteiro e não têm qualquer resposta da ADSE”, disse Fernando Medeiros, da Associação Nacional de Beneficiários da ADSE, nesta terça-feira, à SIC Notícias.

“Não nos faz muito sentido a ideia de se pagar 3,99€ pela consulta de especialidade e depois pagar 20 euros pelos equipamentos de proteção individual”, acrescentou.

Contactado pela SIC Notícias, o Ministério de Modernização do Estado e da Administração Pública, que tutela a ADSE, avançou que o pagamento dos EPI não está contemplado no regime convencionado atual e que tem de ser objeto de renegociação das convenções estabelecidas com as entidades de cuidados de saúde privadas. No entanto, ainda não foi avançada uma data para esta renegociação.

Não se trata de legalidade. “Tudo se resume a um problema de falta de informação, de falta de transparência e talvez de falta de legitimidade”

Devido a todas as questões referentes aos custos dos EPI, a DECO enviou, em abril, uma carta à Entidade Reguladora da Saúde a pedir esclarecimentos.

A Entidade Reguladora da Saúde respondeu à polémica no dia 7 de maio, através da emissão de um parecer que esclarece que se pode “incluir os equipamentos de proteção individual” nos preços estabelecidos pelas unidades prestadoras de cuidados de saúde “do setor privado, social e cooperativo” — desde que se considere a sua utilização “necessária para a segurança e qualidade da prestação, concreta e efetiva, de tais cuidados”.

O documento adianta também que os custos relativos aos cuidados de saúde devem estar dispostos numa tabela de preços e que o doente deve ser informado previamente acerca todas as questões referentes “à prestação de cuidados de saúde em causa” — incluindo os aspetos financeiros. Assim, devem ser fornecidos ao doente “os valores associados a prestações e/ou consumos adicionais estimados em contexto de epidemia SARS-CoV-2”, para que lhe seja garantida “uma total liberdade de escolha (…) no momento da contratação [do serviço].

No fundo, segundo Paulo Fonseca, a cobrança destes custos, aos olhos da Entidade Reguladora da Saúde, é legal — desde que o consumidor seja "previamente informado relativamente aos custos dos cuidados de saúde" antes do pagamento.

No entanto, “o que o consumidor questiona” é a “legitimidade destes valores”, nomeadamente, como é que são definidos e se já não deviam estar incorporados nos serviços prestados pelas entidades de saúde.

“Quando nós estamos numa fase em que se assistiu a uma redução do IVA nos EPI e a uma limitação das margens de lucro, se não estou em erro, em 15 %, como é que depois estamos a falar com estes valores? como é que os hospitais chegam a estes valores? como é que chegamos a valores de cobrança de taxas de higienização?", questiona o coordenador do Departamento Jurídico e Económico da DECO.

Para além dos custos, também há práticas que são questionadas, como, por exemplo: submeter o consumidor a um teste de despiste de covid-19 para ter acesso a uma consulta ou obrigá-lo, quando se dirige ao hospital com a sua própria máscara, a retirá-la e a utilizar outra fornecida e cobrada pelo próprio hospital.

“Se o consumidor se apresenta lá, cumprindo já os requisitos de acesso, não lhe pode ser cobrado mais por outros equipamentos”, explica Paulo Fonseca, que diz ser necessário denunciar estas situações a ASAE e reforçar a fiscalização sobre a cobrança dos valores dos equipamentos de proteção individual — algo que, de acordo com o email enviado ao SAPO 24, pela Entidade Reguladora da Saúde, já está a ser feito, “em função das reclamações recebidas”.

Tendo em conta que “tudo isto se resume a um problema de falta de informação, de falta de transparência e talvez falta de legitimidade”, e que à Entidade Reguladora da Saúde cabe a função de “regular o mercado e fiscalizar práticas desleais”, a DECO considera que esta situação exige uma “ resposta legislativa” e que esta cabe ao “parlamento” — para o qual já foi enviada uma carta a apresentar a situação, a fim de se obter uma iniciativa parlamentar.

“Nós podemos estar a entrar num campo em que qualquer dia se vai permitir que em todos os estabelecimentos comerciais seja cobrado ao consumidor, o EPI do profissional que está atrás do balcão”, conclui Paulo Fonseca.