Francisca Van Dunem, ministra da Justiça, começou por referir na entrevista que "cerca de 10%" dos presos podem ser libertados. "Estamos neste momento com uma população de cerca de 12.600 reclusos, o número nunca é fixo porque varia por dia", frisou, pelo que cerca de 1.200 podem ser libertados.

"Do ponto de vista do sistema, nós não temos sobrelotação. Temos, neste momento, 97% do global do sistema prisional. O que acontece é que, efetivamente, alguns estabelecimentos estão sobrelotados", referiu.

Por isso, dado o contexto da pandemia, são exigidas "medidas sanitárias que passam pelo afastamento físico dos reclusos, sobretudo para separar aqueles que são mais frágeis daqueles que têm uma saúde mais robusta", apontou Van Dunem.

Contudo, a medida a considerar incide "sobre o universo total" dos estabelecimentos prisionais e não apenas nos que estão sobrelotados. "Nós temos, obviamente, uma grande preocupação com a saúde dos reclusos, porque são pessoas que estão à nossa guarda, mas também nos preocupamos com a saúde dos guardas prisionais, do pessoal de saúde e de todos os que trabalham no universo prisional", disse, afirmando que uma medida desta natureza tem de considerar "a proteção das vítimas, os sentimentos de segurança da população" e a própria "ordem jurídica que advém da prática dos crimes".

A ministra referiu ainda que houve a preocupação de encontrar medidas que acompanhem aquilo que é proposto pelas Nações Unidas, nomeadamente no que diz respeito a "retirar as pessoas mais frágeis" e as que "praticaram crimes de alta densidade".

Contudo, é também importante garantir que as pessoas que são libertadas, quando regressarem, não estão infetadas, de forma a não infetar outros. "As pessoas saem voluntariamente, porque há contextos em que não há situação de recuo. Podem não ter uma família. Infelizmente, há pessoas para quem a casa é o estabelecimento prisional", avançou.

"Saem com pulseira eletrónica, sempre que for possível. Até ao momento não conseguimos quantificar. Há muitas pessoas destas que não se justifica, porque já tiveram outras saídas em que não foram monitorizadas. É obrigatório estar em casa", disse, frisando que têm esta obrigação, sem necessidade de controlo, como "qualquer outro cidadão português que está confinado ao domicílio".

Entre os presos libertados não se vão encontrar os que foram acusados por abusos sexuais, homicídios, violência doméstica, maus tratos, associações criminosas, crimes praticados contra forças políticas ou de segurança. "Não seria aceitável comunitariamente que saíssem agora", referiu a ministra.

Estas medidas não se aplicam, contudo, aos presos preventivos, cujos processos vão continuar a decorrer. "Os tribunais estão abertos e vão continuar a funcionar", explicou. "Em princípio, qualquer magistrado que tem nas suas mãos um processo com presos sabe que esse é um processo urgente, pelo que tudo fará para que as diligências estejam prontas antes de terminar o prazo da prisão preventiva do arguido".

Sobre a reação dos presos quanto à medida, Francisca Van Dunem refere que não espera revoltas. "Nós pensamos que a população prisional compreende que estamos a retirar uma parte dos reclusos para proteger os demais. Tínhamos de ter aqui uma solução. Estávamos a ver o que aconteceu nos outros países, o que aconteceu nos lares", disse, referindo ser essencial "impedir que alguém leve a infeção para o interior dos estabelecimentos".

Ainda no campo das medidas preventiva, não vai ser possível garantir celas individuais, mas vai ser aberto mais espaço. "Para termos um recluso por cela teríamos de libertar mais de metade da população prisional", realçou.

No que diz respeito às interações com o exterior, os reclusos vão continuar sem receber visitas, mas podem já receber roupas e comida que lhes sejam direcionadas, ao contrário do que inicialmente aconteceu, uma vez que nesse período não se garantia que a contaminação não pudesse ser veiculada dessa forma.

Para a ministra, o mais importante neste momento é garantir o menor número possível a nível de contágios e de mortes, de forma a recuperar a vida dos portugueses.

Perdão de penas, indultos e liberdade condicional vão reduzir presos

O Governo decidiu hoje propor um perdão para penas até dois anos de prisão, um regime especial de indulto, a antecipação da liberdade condicional e saídas administrativas, medidas de proteção contra a pandemia por convid-19 nas cadeias.

Em comunicado, o Ministério da Justiça considera que as quatro medidas propostas são “fundamentais para proteger” a saúde dos reclusos e de todos os que exercem funções no sistema prisional, nomeadamente, guardas prisionais, pessoal de saúde e técnicos de reinserção social.

Segundo a proposta de lei referente às prisões, que será submetida à Assembleia da República, os reclusos com penas até dois anos de cadeia poderão vê-las perdoadas, assim como aqueles cujo período que lhes falta cumprir for igual ou inferior a dois anos.

Contudo, ressalva o ministério, o perdão “não abrange os crimes mais graves, nomeadamente, homicídio, violência doméstica, maus tratos, crimes contra a liberdade sexual e autodeterminação sexual, roubo qualificado, associação criminosa, corrupção, branqueamento de capitais, incêndio e tráfico de estupefacientes (excetuado o tráfico de menor gravidade).

Fora do perdão da pena estão também os crimes cometidos por titular de cargo político ou de alto cargo público, no exercício de funções ou por causa delas, as forças policiais e de segurança, ou funcionários e guardas dos serviços prisionais, no exercício das suas funções, envolvendo violação de direitos, liberdades e garantias pessoais dos cidadãos.

Contudo, esta remissão da pena é concedida sob a condição de o beneficiário não praticar infração dolosa durante o ano a seguir à entrada em vigor da presente lei.

Caso o beneficiário cometa alguma infração com dolo à pena aplicada à infração acrescerá a perdoada.

Quanto aos indultos, totais ou parciais, que são da competência exclusiva do Presidente da República, o Governo propõe um regime especial da pena de prisão aplicada aos reclusos que tenham 65 ou mais anos e sejam portadores “de doença, física ou psíquica, ou de um grau de autonomia incompatível com a normal permanência em meio prisional, no contexto desta pandemia” por covid-19.

Outra das medidas propostas para a área prisional é um regime extraordinário de licença de saída administrativa de reclusos condenados.

Assim, o Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais pode conceder ao preso uma licença de saída pelo período de 45 dias, renovável, em prisão domiciliária sob vigilância dos serviços de reinserção social e dos órgãos de polícia criminal e respondendo aos contactos periódicos, ainda que por via telefónica.

Porém, a proposta de lei exige que cumulativamente se verifiquem vários requisitos, entre os quais a inexistência de qualquer situação de evasão, ausência ilegítima ou revogação da liberdade condicional nos 12 meses antecedentes.

É necessário também que haja a fundada expectativa de que o recluso não cometa crimes durante o período de saída e que tenha já gozado de pelo menos uma licença de saída jurisdicional, para os que cumprem penas em regime aberto ou o gozo prévio de duas saídas jurisdicionais para quem cumpre pena em regime comum.

A quarta medida do Governo recomendada para o meio prisional diz respeito à possibilidade de uma antecipação da liberdade condicional, a determinar pelo Tribunal de Execução das Penas, por um período máximo de seis meses.

Também aqui, o recluso sairá da cadeia, mas ficará em prisão domiciliária sob vigilância dos serviços de reinserção social e dos órgãos de polícia criminal.

Portugal encontra-se em estado de emergência desde 19 de março, devido à pandemia da covid-19, tendo a Assembleia da República aprovado hoje o seu prolongamento até 17 de abril.

O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já infetou mais de 940 mil pessoas em todo o mundo, das quais morreram mais de 47 mil.

Em Portugal, segundo o balanço feito hoje pela Direção-Geral da Saúde, registaram-se 209 mortes, mais 22 do que na quarta-feira (+11,8%), e 9.034 casos de infeções confirmadas, o que representa um aumento de 783 em relação à véspera (+9,5%).

(Notícia atualizada às 23h19)