Esta posição de demarcação face ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e também face ao Governo, consta de uma declaração de voto à qual a agência Lusa teve acesso e que hoje foi entregue pela deputada do PS e constitucionalista, Isabel Moreira, logo após a Assembleia da República ter aprovado a vigência do estado de emergência em Portugal entre 09 e 23 deste mês.
"Entendo que estamos perante um desvio de poder constitucional. O senhor Presidente da República lança mão de um instituto constitucional que tem uma função delimitada para lhe atribuir uma outra, precisamente a que caberia ao parlamento, essa de restringir ou autorizar a restrição de direitos, liberdades e garantias", escreve a deputada do PS.
Isabel Moreira avisa depois que poderá passar a votar contra eventuais renovações do estado de emergência, dizendo que a atual situação "é apenas tolerável pela imaterialidade do presente estado de emergência na condição de ser aprovado, rapidamente, no parlamento, um quadro jurídico que habilite o Governo a atuar em tempos pandémicos".
Caso contrário, adverte, cair-se-á "no absurdo de renovar com banalidade, de quinze em quinze dias, um instituto decretado e executado por democratas, mas que amanhã será o precedente apetecido sabe-se lá por quem".
Na sua declaração de voto, Isabel Moreira refere que tem sustentado que a Assembleia da República "não podia ser afastada, como foi, em matéria de restrição de direitos, liberdades e garantias".
"Se compreendo a dificuldade do momento presente a urgência de um conforto jurídico para correta atuação do Governo, por isso mesmo, creio que teria andado bem o executivo - e andará bem se o fizer rapidamente - se tivesse apresentado uma proposta de lei à Assembleia da República que servisse de autorização legislativa à sua atuação em tempos pandémicos", aponta.
De acordo com Isabel Moreira, esta via de atuação não seria inovadora, citando como exemplos o que se fez em França, Reino Unido ou Itália, "países onde o parlamento não perdeu a centralidade na matéria, o que aqui seria, também, de enorme importância, por respeito pelo artigo 165/b da Constituição e porque o Governo responde perante a Assembleia da República".
"Lendo o decreto do senhor Presidente da República, rapidamente nos apercebemos da desadequação da figura da declaração de estado de emergência aos tempos que vivemos. Não há qualquer razão para se lançar mão de um estado de exceção constitucional que existe para suspender alguns direitos, liberdades e garantias. Tanto assim é, que não há direitos suspensos", advoga.
Na perspetiva da constitucionalista, o presente decreto presidencial "limita-se a autorizar o Governo e as autoridades competentes a limitar, restringir ou condicionar parcialmente o exercício de vários direitos (liberdade pessoal, liberdade de circulação, liberdade económica, direitos dos trabalhadores, direito ao desenvolvimento da personalidade)".
"Diz-se que tem caráter preventivo, o que não tem qualquer cabimento constitucional", observa Isabel Moreira, aqui numa clara linha de demarcação face ao primeiro-ministro, António Costa.
Para Isabel Moreira, "nada justifica que não seja o parlamento o protagonista da medida em que podem e devem alguns direitos, liberdades e garantias ser restringidos".
"A responsabilidade pela ação política é, depois, claro, do Governo, e só do Governo, que responde perante o parlamento, ao contrário do Presidente da República", acrescenta.
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