O teste serológico, assim como é conhecido, é um dos exames que possibilitam diagnosticar uma infeção viral.

Os testes de diagnóstico da covid-19 que estão a ser usados atualmente em Portugal apenas detetam a presença do coronavírus SARS-CoV-2 nas secreções nasais de um doente.

Em compensação, os testes serológicos permitem verificar, em pessoas com ou sem sintomas de uma infeção, a presença de anticorpos gerados pelas defesas do organismo contra um vírus.

Países europeus como a Alemanha e o Luxemburgo estão a apostar nos testes serológicos à covid-19, com a Alemanha a estudar a possibilidade de atribuir certificados de imunidade às pessoas para evitar que as medidas restritivas de contenção da propagação da pandemia estrangulem a economia do país: o princípio é que quem estiver imune à infeção (porque já teve contacto com o vírus mesmo sem o saber) poderá voltar à sua vida normal, uma vez que não irá ser contagiado (novamente) ou contagiar outras pessoas com o novo coronavírus.

Não conhecendo o caso alemão descrito, o imunologista Luís Graça, do Instituto de Medicina Molecular (IMM) João Lobo Antunes, da Universidade de Lisboa, considera que os testes serológicos poderão ser úteis em Portugal numa altura em que aumentam as infeções por transmissão comunitária.

Ao poderem confirmar a presença de anticorpos contra o SARS-CoV-2, estes testes levam a que as pessoas possam "recomeçar as atividades produtivas com a confiança de que não vão ser contaminadas ou contaminar outras pessoas", sustentou.

"À medida que a pandemia avança, os testes [serológicos] permitem identificar as pessoas que contactaram com o vírus e que, em princípio, estão protegidas", reforçou, em declarações à Lusa.

O IMM, que produziu 'kits' de testes para despistagem do vírus em lares de idosos, está agora a trabalhar, novamente em parceria com outros centros científicos, num teste serológico para a covid-19.

O teste, ainda em fase embrionária, poderá estar validado laboratorialmente dentro de três a quatro semanas, estimou Luís Graça, adiantando que o exame, que consiste na recolha de uma amostra de sangue, será experimentado em "amostras clínicas" de profissionais de saúde do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, que estão a recuperar da infeção e "já produziram anticorpos contra o vírus".

Ao contrário dos testes de diagnóstico que estão a ser usados, que "permitem detetar a infeção pouco tempo depois de a pessoa ser infetada", os testes serológicos, para atuarem, exigem que o vírus tenha estado ou esteja "em circulação" no organismo durante mais tempo, o tempo que permita "medir os níveis de anticorpos" e aferir "a resposta imunitária ao vírus", sublinhou o investigador.

Por outro lado, o exame, para ser eficaz, tem de ser validado para proteínas do coronavírus que desencadeiem a formação de anticorpos específicos no sistema imunitário que vão reconhecer essas proteínas e eliminá-las, e assim impedir a infeção.

O Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica (IBET), que se associou ao IMM no ensaio de um teste serológico, tem uma "plataforma de produção de proteínas" que lhe permite produzir proteínas do SARS-CoV-2 para "muitos testes" ou para ensaios clínicos de uma eventual vacina.

Na prática, explicou à Lusa a presidente do IBET, Paula Alves, os investigadores podem produzir proteínas do vírus sem trabalhar diretamente com o SARS-CoV-2, mas com "os genes que codificam estas proteínas" e que estão "dentro de plasmídeos", estruturas celulares constituídas por ADN e que podem ser replicadas independentemente dos cromossomas.

"Estas proteínas podem ser utilizadas em testes imunológicos onde, com o soro [sanguíneo] das pessoas, podemos perceber quem tem anticorpos contra o vírus e quem não tem", realçou a investigadora, acrescentando que "vai ser importante fazer este tipo de diagnóstico para perceber quem já foi infetado e recuperou, quem não foi infetado e está exposto".

Para a imunologista Helena Soares, do Centro de Estudos de Doenças Crónicas (CEDOC) da Universidade Nova de Lisboa, também envolvido no desenvolvimento do teste serológico para a covid-19, está a "chegar o momento" em que é necessário estudar os "níveis serológicos" da infeção, para "antecipar problemas, controlar variáveis e adequar medidas", como direcionar os médicos e enfermeiros que ganharam imunidade ao coronavírus para "tarefas de maior risco".

Segundo a investigadora, os testes serológicos são uma ferramenta importante para se perceber que percentagem da população "está protegida" e planear "medidas para o próximo surto".

"Trata-se de uma infeção nova, à qual não tínhamos estado expostos. O vírus não vai desaparecer, vai reaparecer. A forma como vai reaparecer é que não se sabe", afirmou à Lusa.

A especialista em imunobiologia humana lembra que uma vacina para a covid-19, que vai induzir a produção no organismo de anticorpos contra o SARS-CoV-2, "é mais tranquilizadora, confere um grau de proteção maior" contra a infeção, mas só deverá estar disponível dentro de ano e meio, de acordo com as previsões mais otimistas, após ter passado o crivo dos testes de eficácia e segurança.

Por isso, para Helena Soares, os testes serológicos afiguram-se como adequados para se "prever a evolução do surto e antecipar o fim do surto", devendo, até ao aparecimento de uma vacina, ser repetidos pelas pessoas, por precaução, com uma periodicidade de seis meses a um ano, para confirmar se os níveis de anticorpos se mantêm estáveis.

Numa frase, a diretora do Instituto Gulbenkian de Ciência, Mónica Bettencourt-Dias, resume o valor dos testes serológicos à covid-19: "É importante para a economia".

O médico e investigador José Delgado Alves, que trabalha em doenças autoimunes, destaca outras mais-valias: estes testes são mais baratos do que os testes que detetam em tempo real vírus a partir da sua informação genética e permitem analisar mais amostras em simultâneo.

Para o investigador do CEDOC, testar a presença do SARS-CoV-2 continua a ser "uma prioridade", sobretudo no diagnóstico dos doentes graves, que apresentam sintomas como falta de ar.

Mas, no momento "em que a infeção está a crescer", ressalva José Delgado Alves, diretor de um dos serviços de medicina interna no Hospital Fernando Fonseca, na Amadora, "vai começar a fazer sentido" saber quem é que está imune à covid-19 para se saber, nomeadamente, quem é que precisa de ser vacinado ou que profissionais de saúde devem estar "na linha da frente" na prestação de cuidados aos doentes.

Portugal, em estado de emergência até pelo menos quinta-feira, regista 140 mortes e 6.408 infeções por covid-19, de acordo com o balanço feito hoje pela Direção-Geral da Saúde.

Das pessoas infetadas, 571 estão internadas, 164 das quais em unidades de cuidados intensivos, havendo 43 doentes que recuperaram desde que a doença foi diagnosticada no país, em 02 de março.

A covid-19, uma infeção respiratória aguda que pode provocar pneumonias, mas que, na maioria dos casos, se manifesta de forma ligeira, foi declarada uma pandemia pela Organização Mundial de Saúde.

O coronavírus (tipo de vírus) responsável pela doença foi descoberto em dezembro, na China, e transmite-se facilmente entre as pessoas, sendo os idosos e os doentes crónicos os mais vulneráveis devido à fragilidade do sistema imunitário. Em Portugal, estes doentes e os idosos com mais de 70 anos são aconselhados a resguardarem-se em casa.

No mundo, a covid-19 já infetou mais de 803 mil pessoas, das quais morreram mais de 40 mil. Pelo menos 165 mil infetados recuperaram.

Ao contrário da gripe sazonal, que é uma infeção causada também por um vírus, a covid-19 é uma doença cuja recuperação é mais lenta.

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