Pelas 09:00, as badaladas do sino da igreja da Matriz, no centro de Ponta Delgada, voltaram esta sexta-feira a sinalizar o início de mais um dia de trabalho.

Depois de dois meses encerrados, os estabelecimentos comerciais voltaram a ter permissão para abrir, mas a chuva intermitente, aliada ao "medo" da covid-19, fizeram com que os comerciantes se queixassem da falta de clientes durante a manhã de hoje.

"Noto muitas pessoas com receio, com medo. Há outras que nem tanto, mas claro que vai levar algum tempo até as pessoas perceberem que temos de conviver com o vírus durante muito tempo", diz à agência Lusa Rui Silva, gerente da loja Conforto, de venda de roupas e artigos de desporto.

Com cinco funcionários, Rui Silva fez uma garantia à Lusa: até ao final do ano não haverá despedimentos, nem que tenha de "aproveitar o ‘lay-off’ o máximo possível". Uma promessa feita apesar de reconhecer que o movimento em Ponta Delgada não vai ser o mesmo enquanto não chegarem os turistas.

"A nossa cidade já era outra com o turismo e não tendo turismo, não tendo os nossos emigrantes, vai ser mais complicado. A nossa cidade, enquanto não podermos abrir as portas ao turismo, não vai ser igual", apontou.

Em todas as lojas, os funcionários apresentavam-se de máscara ou viseira e disponibilizavam gel desinfetante aos clientes.

Para Paulo Carreiro, da loja de roupa Vieira e Carreiro, que esteve encerrada desde 16 de março, a utilização de máscara é uma situação "desagradável".

"É muito complicado usar máscara. No meu caso, fico logo com os óculos embaciados, mas tem de ser. É desagradável, mas temos de nos habituar e ter consciência que é para o nosso bem", salienta.

O comerciante prevê que os clientes só vão aparecer de forma "muito gradual" e que as próximas semanas irão exigir "muito trabalho".

"Não é fácil, mas temos de olhar para o futuro com otimismo, não podemos dizer que vai melhorar. Vão ser tempos difíceis e vai ser preciso muito trabalho", defende Paulo Carreiro.

As poucas pessoas que circulam pelas ruas fazem-no de máscara e num registo apressado.

Muitas lojas decidiram não abrir hoje, mas, para quem esteve sempre aberto, como a ótica Mendonça, a manhã até está "bem composta" de pessoas quando comparado às ruas desertas durante o estado de emergência.

"Estivemos uma semana fechados, depois com horário reduzido. Já há dias que se anda a ver mais gente. Desde que abririam as cercas sanitárias notou-se mais pessoas cá fora", diz António Mendonça.

O oculista reconhece que as pessoas "estão com medo" e pede contenção no levantamento de medidas, porque os açorianos podem sair "prejudicados" com o aumento dos voos provenientes do exterior.

"Estamos a viver do turismo. Há muitos hostel, hotéis, alojamento local e sabe-se que há pessoas aflitas por causa disso. É uma aflição, mas a saúde também é muito importante", realça.

Os estabelecimentos mais frequentados são os de serviços e bens essenciais, onde duas, três pessoas - no máximo - aguardam a vez, cá fora, devido à limitação de pessoas no interior dos espaços.

É o caso da Frutaria São Miguel, onde os clientes com máscara procuram as frutas da época. A responsável não quis falar com a Lusa, a não ser para referir que a frutaria se manteve sempre aberta e para tentar vender os "morangos mais frescos da zona".

Com bastante trabalho está a barbearia João Rocha, com quatro clientes em simultâneo, todos distantes entre si. Estão a procurar compensar os dois meses e uma semana em que estiveram encerrados com "atividade zero", até porque "não dá para fazer cortes de cabelo em teletrabalho".

"Os clientes têm aparecido em força. Só podemos fazer por marcação para não ter pessoas à espera, mas está a correr muito bem. Toda a gente estava desejosa de cortar o cabelo", afirma João Rocha.

O barbeiro, equipado com máscara e viseira, diz que o desafio é fazer o "trabalho de sempre", mas com "várias coisas diferentes", como a utilização dos materiais de proteção individual e os cuidados adicionais com a higienização.

"São várias coisas que temos de ter em atenção, tanto para nós como para os clientes. Hoje é o primeiro dia e embora já tivéssemos estudado e treinado, estamos um pouco às aranhas. Por isso pusemos as marcações com mais tempo [de distância entre elas] para termos mais calma", explica João Rocha.

Na Londrina, loja de roupa masculina, colam-se marcas no chão para alertar as pessoas para as distâncias de segurança.

"Fechámos a 19 de março, temos 10 funcionários e tivemos de entrar em 'lay-off' e recorrer a ajudas do governo. Agora estamos a tentar aceder à linha de crédito da covid-19. Só entra dinheiro se estivermos de porta aberta, se estivermos fechados não entra nada", afirma o comerciante João Sá, que pede para interromper a conversa para vender uma camisa a um cliente - raros durante a manhã - que, entretanto, entrou na loja.

Após a venda bem-sucedida, Tiago Sá diz existirem muitas lojas encerradas porque a permissão para abrir chegou "numa sexta-feira" e porque "há muitas empresas que prolongaram o 'lay-off'".

"Gosto de ser otimista e pensar que as coisas vão correr bem daqui para a frente. Mas eu acho que não vai ser bem isso, mas temos de pensar positivo", refere.

Na tentativa de "atrair clientes", a livraria Letras Lavadas reabriu hoje, depois de fechada desde 18 de março, com "muitas promoções", apesar de terem feito sempre vendas 'online' e entregas ao domicílio: "para retomar uma atividade numa altura dessas é preciso ter um chamariz para os clientes", diz a diretora, Patrícia Carreiro.

Apesar do "receio" que sente por voltar à atividade, a diretora da loja diz que é "preciso dar tempo às pessoas", mostrando-se confiante em relação aos próximos meses.

"Estamos numa altura de recomeçar. Admito que toda a situação em si causa uma certa estranheza e temos naturalmente de ter cuidados. Mas acho que ficar em casa à espera que o vírus desapareça não é solução", aponta.

Quem também voltou à atividade foi o maior centro comercial dos Açores. Na manhã de hoje, o Parque Atlântico apresentou-se com algumas lojas ainda encerradas, mas com bastante gente quando comparado com as últimas semanas.

No espaço comercial com 90 lojas, foram disponibilizados desinfetantes pelo espaço e criadas marcas no chão para facilitar a circulação das pessoas. No parque de estacionamento do centro, uma placa resume os dias que correm: "damos as boas-vindas ao novo normal".

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