O grupo, composto sobretudo por pessoas oriundas do meio académico, fundou a Associação Bento de Jesus Caraça (ABJC) com o intuito de divulgar o pensamento do investigador, autor de "A Cultura Integral do Indivíduo", conferência proferida em 1933, por entender que é "importante para a revitalização da sociedade portuguesa", disse à agência Lusa o presidente da associação, Luís Saraiva.
"Agora que se está numa sociedade em que a informação está disponível em enormes quantidades e não filtrada para as pessoas", a figura do Bento de Jesus Caraça e a defesa de uma emancipação do ser humano pelo conhecimento "é a melhor arma para se ser crítico perante a sociedade", frisou Luís Saraiva.
A associação, apresentada a 10 de dezembro, tem já marcadas para 2019 as suas primeiras atividades, nomeadamente a organização de um colóquio na primavera, em Coimbra, com o tema "'A Cultura Integral do Indivíduo' à luz dos desafios atuais da sociedade", e um segundo colóquio, no outono, sobre a atualidade do projeto da Biblioteca Cosmos, fundada por Bento de Jesus Caraça, tendo editado centena e meia de livros de divulgação científica, que visavam o acesso ao conhecimento, sem o qual "será sempre deficiente o exercício da cidadania", como o matemático e pedagogo defendeu no lançamento do projeto.
"Entendeu-se que não estava a ser feita uma divulgação de maneira mais abrangente do que [Bento de Jesus Caraça] fez e pensou e seria oportuno fazer-se uma associação que possibilitasse uma intervenção ativa, dentro da nossa medida, na sociedade portuguesa", disse à Lusa o presidente da associação recém-formada.
Segundo Luís Saraiva, além da organização de dois colóquios em 2019, a associação pretende avançar com uma discussão sobre o atual sistema educativo, à luz do conceito da cultura integral do indivíduo, apresentando, posteriormente, propostas para um ensino em que se cultive a cidadania e permita às pessoas serem "críticas e ativas em relação ao mundo que os rodeia".
Também em 2019, a associação pretende publicar uma fotobiografia do professor universitário e militante do Partido Comunista, informou o presidente da ABJC.
"É preciso aprender, experimentar e questionar. Essa atitude, essa maneira de olhar [em redor] era a maneira que Bento de Jesus Caraça tinha em relação ao mundo à sua volta", disse à Lusa o presidente do conselho geral da associação, e filho de Bento de Jesus Caraça, João Caraça.
Para João Caraça, o pensamento de seu pai "é tão importante hoje como era na altura".
"Queremos viver o tempo de hoje e, sobretudo, criar um futuro agradável de viver e onde haja alternativas. Queremos mostrar, por um esforço de raciocínio e análise das circunstâncias, que há sempre alternativas. A nossa obrigação é descobri-las, analisá-las e escolher", afirmou.
Segundo João Caraça, "a cultura integral do indivíduo é uma cultura da interrogação, e é preciso que continuemos a interrogar-nos". "Temos de continuamente interrogar a sociedade que nos rodeia".
Para o filho de Bento de Jesus Caraça, a associação tem um objetivo "de grande vulto": a ABJC "não vai transformar o mundo, mas pode ser um agente e dar um contributo", disse.
A associação tem um site, onde qualquer pessoa se pode tornar sócio.
Além da edição da "Fotobiografia", por Natália Bebiano, está também prevista, entre os projetos da associação, a publicação de "A Lisboa de Bento de Jesus Caraça", por Helena Neves, e a reedição dos ensaios de "A Cultura Integral do Indivíduo - Problema Central do Nosso tempo", do matemático e pedagogo português, catedrático do antigo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras.
Bento de Jesus Caraça nasceu a 18 de abril de 1901, em Vila Viçosa, formou-se no Instituto Superior de Comércio - na origem do atual Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) -, e chegou à posição de professor catedrático em 1929, com apenas 28 anos.
Criou o Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia, a Gazeta da Matemática, esteve no núcleo fundador da Sociedade Portuguesa de Matemática, que veio a dirigir, e publicou, em 1941, a primeira versão de uma das obras de referência, em Portugal, “Os Conceitos Fundamentais da Matemática”.
Pedagogo, apaixonado pela arte, Bento de Jesus Caraça fundou igualmente a Biblioteca Cosmos, colaborou em revistas como a Seara Nova e a Vértice, trabalhou na reanimação da Universidade Popular e esteve na luta pela liberdade durante a ditadura do Estado Novo, tendo aderido ao Partido Comunista Português e participado no Movimento de Unidade Democrática (MUD) - facto que o levou à Prisão do Aljube, em Lisboa, e ao afastamento da atividade docente.
Em "A Cultura Integral do Indivíduo", dizia: "Conseguirá a humanidade, num grande estremecimento de todo o seu imenso corpo, tomar finalmente consciência de si mesma, revelar a si própria a sua alma coletiva, feita do desenvolvimento ao máximo, pela cultura, da personalidade de todos os seus membros? Eis a grande tarefa que está posta, com toda a sua simplicidade crua, à nossa geração - despertar a alma coletiva das massas".
Bento de Jesus Caraça morreu a 25 de junho de 1948.
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