D. José Ornelas assegurou, na abertura da Assembleia Plenária da CEP, em Fátima, que o episcopado continua apostado “no caminho que a Igreja tem vindo a percorrer para que os ambientes eclesiais sejam cada vez mais seguros para as crianças, jovens e adultos vulneráveis, e para que os crimes cometidos no passado possam ser reparados, na medida do possível, e não voltem a acontecer”.

Depois de recordar o processo que levou à criação da Comissão Independente liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, que apresentou o seu relatório em 13 de fevereiro, o bispo de Leiria-Fátima sublinhou que, “em atenção às vítimas”, não se resignaram “a procedimentos do passado, nem a atitudes de conivência e silenciamento, procurando encarar estes dramas, com realismo e esperança”.

“Nunca é demais renovar o pedido de perdão e o sentimento de profunda gratidão para com todos os que deram ‘voz ao silêncio’ e tiveram a coragem de denunciar aquilo que nunca lhes deveria ter acontecido. Semelhante reconhecimento dirige-se também aos membros da Comissão Independente, pelo contributo decisivo que deram para o conhecimento e denúncia destas situações”, afirmou.

Associações de apoio especializado à vítima de violência sexual:

Quebrar o Silêncio (apoio para homens e rapazes vítimas de abusos sexuais)
910 846 589
apoio@quebrarosilencio.pt

Associação de Mulheres Contra a Violência - AMCV
213 802 165
ca@amcv.org.pt

Emancipação, Igualdade e Recuperação - EIR UMAR
914 736 078
eir.centro@gmail.com

D. José Ornelas fez questão de lembrar que “reconhecer, pedir perdão e agradecer só têm sentido na medida em que são acompanhados de decisões e ações concretas para transformar a realidade”.

É neste contexto que se inserem medidas já “tomadas pelas diferentes dioceses, medidas cautelares provisórias de afastamento de funções de pessoas mencionadas” no estudo da Comissão Independente, as quais “não significam qualquer atribuição de culpa e têm de ser seguidas de ulterior processo de investigação a fim de apurar a realidade e eventual responsabilidade dos factos concretos”.

“Para acolher e acompanhar de perto as vítimas de abusos ocorridos em ambientes da Igreja, encontra-se em fase de organização, em ordem à sua aprovação e entrada em vigor, um Grupo de Acompanhamento, segundo as orientações dadas pela Assembleia Extraordinária de 3 de março. Este Grupo deverá ter a autonomia necessária para acolher e acompanhar as vítimas e para assegurar o necessário apoio e a possível recuperação dos danos por estas sofridos, dispondo de uma linha de atendimento e de condições para o contacto e acompanhamento pessoal”, acrescentou o presidente da CEP, confirmando que este novo órgão “estará também articulado com a Equipa de Coordenação Nacional e as Comissões Diocesanas, de modo a garantir a sua real operacionalidade, que implica necessariamente cada Diocese e a Igreja em Portugal no seu conjunto”.

Nos trabalhos da Assembleia Plenária, que se prolongam até quinta-feira, “será analisada e votada a constituição e o projeto deste Grupo, que deverá estar a funcionar nas próximas semanas”, garantiu.

D. José Ornelas chamou ainda a atenção para a Jornada Nacional de Oração pelas vítimas de abusos sexuais, de poder e de consciência na Igreja, no âmbito da qual será celebrada missa na próxima quinta-feira, às 11:00, na Basílica da Santíssima Trindade.

Aumento da tensão social em tempo de crise

D. José Ornelas alertou também, para o “aumento da tensão social” em Portugal, devido à crise económica.

“Também no nosso país, sentimos os efeitos desta crise que se adensa sobre a vida de uma grande parte de famílias e se reflete na dificuldade de acesso aos meios elementares de vida, como a alimentação, a habitação e a saúde, para além de aumentar a tensão social”, disse o bispo de Leiria-Fátima..

Segundo D. José Ornelas, “são de louvar todos os esforços que vão ao encontro dos mais frágeis, tanto por parte do Governo, como de entidades públicas e privadas, entre os quais muitas paróquias e outras instituições da Igreja”.

Para o prelado, no entanto, “além da legítima afirmação de diversidade de soluções para os problemas, a sociedade precisa igualmente que se busquem caminhos com um horizonte temporal que vá para além do imediato e que possam capacitar as pessoas com menos recursos individuais, sociais e financeiros”.

“A ajuda de emergência é fundamental e a Igreja sabe bem disso, mas é preciso ousadia, coragem e rasgo para equacionar soluções de médio e longo prazo, que mitiguem a vulnerabilidade e a exposição a fatores conjunturais que penalizam sempre os mais pobres”, disse o presidente da CEP na sua intervenção.

D. José Ornelas referiu-se ainda a “questões cruciais que são objeto de grande preocupação, tanto a nível nacional como internacional”, com destaque para a guerra “causada pela invasão da Ucrânia” e que “constitui uma das maiores preocupações do momento”.

“A enorme perda de vidas humanas, onde se incluem milhares de civis, muitos dos quais crianças, a destruição intencional de meios de habitação e de vida que sustentam populações inteiras e causam o êxodo forçado de milhões de inocentes, formam um cenário bárbaro que julgávamos ultrapassado no nosso continente e que apela à nossa solidariedade e à nossa oração e ação solidária pela paz, com justiça e dignidade para todos”, afirmou o bispo.

Para o líder da CEP, “as consequências deste e de outros conflitos espalhados pelo mundo têm um efeito devastador a nível mundial, agravando a situação já ameaçadora da deriva climática e figuram como uma das principais razões da atual crise económica, que atinge particularmente as populações mais desfavorecidas e faz aumentar dramaticamente as vagas de migrantes em busca de segurança elementar de sobrevivência física e económica que garantam o futuro das próprias famílias”.

A continuidade do presidente da CEP

A continuidade ou não de D. José Ornelas à frente da CEP é um dos temas que vai dominar o início dos trabalhos desta Assembleia Plenária do episcopado, que se prolonga até quinta-feira, em Fátima.

D. José Ornelas chega agora ao fim do primeiro mandato de três anos, podendo ser reconduzido por igual período. Nas últimas semanas têm surgido algumas notícias que dão conta da sua alegada indisponibilidade para continuar no cargo.

O desgaste provocado por três anos de mandato marcados pela pandemia de covid-19 e pela questão dos abusos sexuais na Igreja, estará na base de uma eventual não recandidatura de D. José Ornelas. Também o facto de terem surgido notícias sobre alegado encobrimento de casos de abuso, enquanto superior dos Dehonianos, estará a contribuir para a possível não continuação de D. José Ornelas como presidente da CEP.

Caso não seja eleito para novo mandato, ficará, no entanto, como tendo sido sob a sua presidência que a CEP se decidiu pela criação da Comissão Independente que, ao longo de um ano, recolheu os testemunhos de alegadas vítimas de abuso no seio da Igreja, no que foi encarado como passo decisivo para o encarar de frente do problema.

Os nomes dos arcebispos de Braga (D. José Cordeiro) e de Évora (D. Francisco Senra Coelho), bem como o do bispo de Coimbra (D. Virgílio Antunes) têm sido apontados como possíveis candidatos se D. José Ornelas confirmar indisponibilidade para continuar.

Além da eleição do presidente da CEP, serão eleitos também os restantes membros do Conselho Permanente e os presidentes das diferentes Comissões Episcopais.

Novidade é a possibilidade de, pela primeira vez, poder ser eleito para a função de secretário da CEP um leigo, após a revisão dos estatutos aprovados pela Santa Sé no dia 30 de março último.