Com várias datas espalhadas ao longo de julho, o festival arranca esta terça-feira, 9 de julho, tendo como cabeça de cartaz os Air, dupla francesa de música eletrónica em tour de celebração pelos 25 anos do álbum “Moon Safari”, editado há 25 anos. Seguem-se artistas e bandas como Chaka Khan (a assinalar 50 anos de carreira), Morcheeba, Dino D’Santiago, Maro, Diana Krall, Marina Sena, Luedji Luna, Fat Freddy’s Drop e Jamie Cullum. Um cartaz, portanto, eclético — uma das marcas do Cooljazz desde a sua génese.
O clima é de festa, mas quando o SAPO24 chega ao recinto em Cascais — dividido entre o Parque Marechal Carmona, o Hipódromo Manuel Possolo e a Casa das Histórias Paula Rego — é sobretudo azáfama o que se sente junto da equipa de produção, a trabalhar sob um inclemente sol de julho.
Apesar de ter o tempo contado até à data inaugural desta edição comemorativa do Cooljazz — que este ano passa a ter seguradora AGEAS como naming sponsor — Karla Campos, que o organiza há 20 anos, reserva parte para conversar sobre as origens do festival, as causas do seu sucesso e para onde pretende levá-lo.
Tudo começou quando trabalhava no (na altura) Pavilhão Atlântico e começou a pensar que havia uma lacuna em Portugal para um festival que reunisse as sensibilidades do jazz, da soul e de outros géneros análogos. “Apercebi-me claramente que apesar da quantidade de festivais que já tínhamos, fazia falta aqui este festival com este formato e com este estilo de música”, afirma.
“Sempre viajei muito, em Portugal e fora, para assistir a música ao vivo — porque sou fã e sou bastante eclética no meu gosto. Dos vários festivais a que fui e que me inspiraram bastante foram o Festival de Jazz de Montreux [na Suíça] e o Festival de San Sebastián em Espanha, o Jazzaldia”, revela. A principal inspiração propiciada por estes festivais — ao qual se junta o North Sea, em Roterdão [Países Baixos] — está no facto, de apesar de terem “jazz” no nome, “ tinham esta postura de oferecer uma fusão de sonoridades há 20 anos, antes sequer do Cooljazz existir”.
Cascais é uma localidade fecunda em tradição musical — não só porque deu a nascer os festivais de jazz organizados por Luís Villas-Boas, mas também porque foi o destino de muitas romarias nos anos 70 e 80 para assistir a concertos de rock, punk e metal no Dramático. Seria o pouso certo para um novo festival, tendo Karla Campos direcionado a sua empresa de produção de eventos, a Live Experiences, para criá-lo.
De um festival em quatro concelhos ao certame que chama “casa” a Cascais
A primeira edição do Cooljazz, todavia, estava longe do que o festival é hoje — e não apenas no que toca à distância temporal. “Quando começou, em 2004, o festival passou por quatro concelhos. Foi esse o desafio que nos foi colocado. A ideia era ser somente em Cascais, mas por ter o apoio da Junta de Turismo da Costa do Estoril, essa entidade tinha como responsabilidade fazer a dinâmica do turismo e da programação cultural para o turista em quatro municípios: Cascais, Oeiras, Sintra e Mafra. Portanto, imagina o que foi organizar oito concertos, dois por concelho, durante o mês de julho”, conta Karla Campos.
Apesar de hoje poderem ser encaradas como origens mais modestas, a edição de arranque do Cooljazz contou desde logo com um cartaz de respeito: a artista brasileira Adriana Calcanhoto e o fadista Camané no Jardim do Cerco, em Mafra; a cantora portuguesa de jazz Jacinta e o ícone brasileiro que é Ed Motta no Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra; o saxofonista Ravi Coltrane (filho dos lendários John e Alice Coltrane) e o não menos influente Roy Ayers na Casa da Pesca de Oeiras; a soprano de ópera Barbara Hendricks com o Lindgren Jazz Quartet e o vulto do blues Buddy Guy na Cidadela de Cascais.
O festival desdobrou-se assim durante alguns anos, mas à medida que foi crescendo, “a programação foi melhorando e foi ficando com nomes cada vez mais fortes. Então, tanto as câmaras como a própria Junta de Turismo começaram a questionar-se porque é que este artista ia àquele lugar e não ao outro. Isto obviamente tinha a ver com o tamanho do espaço que cada câmara nos cedia. Portanto, se uma me dava um espaço maior, eu levava um artista com uma capacidade de venda maior. Claro que chegámos a um ponto em que houve câmaras que disseram ‘não, eu quero concentrar o festival só aqui e não quero que isto seja espalhado pelos outros’”, conta Karla Campos. Foi assim que o Cooljazz começou a concentrar-se num só local, tendo saltitado entre Oeiras e Cascais desde então.
“A diferença de há uns anos para cá, é que o festival mantém-se fixo num dos lugares — neste caso agora estamos de volta a Cascais — aumentou a sua programação, assim como a quantidade e a qualidade de palcos e de artistas”, afirma. Além de ter projetos nacionais a fazer algumas das aberturas dos cabeças de cartaz — como Lana Gasparøtti, Manuel Oliveira Trio, Expresso Transatlântico e Inês Marques Lucas —, o Cooljazz mantém o palco das Cascais Jazz Sessions, no anfiteatro do Parque Marechal Carmona.
É aqui que vários projetos portugueses de jazz vencedores de um concurso de novos talentos promovido pela organização dão início às festividades de cada dia. E é também neste local onde as noites vão passar a terminar, com a estreia das Late Nights, atuações de DJs convidados após os concertos no Hipódromo Manuel Possolo. “Senti que fazia sentido haver mais este momento, porque os concertos acabam entre as 23:30 e as 23:45 e havia uma malta que ficava por aqui mais um bocado”, revela a promotora.
As conquistas e as histórias do Cooljazz
“Foi um prazer enorme conseguir provar que este conceito é vencedor. Claro que, nos primeiros anos, era um desafio para os artistas internacionais que não conheciam este festival”, admite Karla Campos. No entanto, desde então, à medida que foi granjeando reconhecimento, passaram pelos seus palcos nomes grandes de diversas vertentes do jazz como Al Jarreau, Herbie Hancock e Chick Corea, Maceo Parker, Pat Metheny e Lianne Le Havas, para citar apenas alguns.
No entanto, como já fora referido, a inspiração em festivais como o de Montreux significou que o Cooljazz não seria apenas um festival centrado no jazz, abrindo a sua programação não só a outros géneros da black music, como o r&b, o funk e a soul, como também à música popular brasileira, à pop, ao rock e à eletrónica. “Já tive nomes que obviamente não são de jazz, mas a intenção do festival é mesmo e sempre foi a fusão das sonoridades. O festival, quando começou, tinha como claim ‘alta mistura’. Portanto, foi pensado de raiz para ser desta forma, para ser eclético na sua apresentação, quer no estilo musical, quer inclusive ao público a que nos estamos a dirigir”, afirma.
É por isso que pode contar entre o seu histórico atuações de Sting, Lionel Ritchie, Maria Bethânia, Maria Gadu, Joss Stone, Kraftwerk, Caetano Veloso e Gilberto Gil, Tom Jones, Paul Anka, Jessie Ware, The Pretenders, Mark Knopfler, Elvis Costello, Regina Spektor, The Roots e até de um jovem Kanye West, que se estreou em Portugal no Cooljazz.
A propósito dessa vinda do titã do hip-hop a Cascais — com “Late Registration” debaixo do braço e antes da fama internacional e das polémicas — Karla Campos aponta como desde cedo viu como as interseções deste género musical com o jazz apontavam para a diversificação e rejuvenescimento do público. “Eu já previa, ou já antevia, ou já sentia, por formação profissional e por ser melómana, que o jazz efetivamente ia chegar a um nível de atingir muita gente.” Prova disso, afirma, é que quando trouxe projetos mais recentes como Snarky Puppy, BadBadNotGood e Jordan Rakei, foram nomes “aos quais assistimos aqui no hipódromo com uma plateia recheada” e “super-jovem”. E não deixa de recordar como um nome como John Legend, antes de tornar-se na estrela que hoje é, começou a carreira ligado a West e à sua editora.
Instada a comentar quais foram as maiores conquistas no que toca a trazer nomes para o Cooljazz, a promotora afirma imediatamente Van Morrison, artista norte-irlandês que atuou no festival em 2018 e 2023. “Foram muitos anos para conseguir convencê-lo a vir, é um artista com uma série de exigências quanto ao tipo de festival, a questão de ser ele o cabeça de cartaz e não se misturar num festival multiline-up [ou seja, com vários palcos a tocar em simultâneo] e tocar muito cedo, já que ele toca às oito e meia da noite”, partilha.
Mas Karla Campos mostra-se igualmente orgulhosa por ter conseguido trazer David Byrne de volta a Portugal, quando o ex-Talking Heads encontrava-se a promover “American Utopia”. “A noite foi inacreditável aqui no hipódromo, com um concerto à moda de David Byrne, mas que trouxe muitas músicas também de Talking Heads, todas elas refeitas e num formato que foi incrível”, recorda. O nome que lhe falta trazer, confessa, é Sade, mas dá-se desde logo por vencida: “ela não toca há anos!”
Quanto às histórias do festival, somam-se muitas ao longo de 20 anos — desde Norah Jones a tentar entrar no recinto pelo acesso aos carros descalça após uma aula de surf até à fixação que Kanye West desenvolveu por tremoços quando Karla Campos mostrou-lhe esse aperitivo. A promotora, porém, destaca o espanto que sentiu em 2022 quando viu o crooner “super old-school” Paul Anka — que, recorda, é coetâneo a Frank Sinatra e foi quem escreveu a letra de “My Way” — a chegar com uma mala preta, sendo que ele “abriu-a aqui na produção e começou a pagar os colaboradores em dinheiro vivo!”
Outra, envolvendo também uma lenda viva, Tom Jones, aconteceu na sua vinda em 2019. “No contrato vi que havia lá uma cláusula que previa uma penalidade se alguém arremessasse lingerie para o palco. Durante o concerto, uma senhora sentada nas primeiras filas da plateia foi a correr durante uma das músicas e mandou um par de cuecas, os seguranças não a conseguiram apanhar,. Depois, passadas duas ou três músicas, foi lá outra vez! Eu estava a assistir também e fiquei preocupada, porque não estava a cumprir o contrato. ‘Mas como é que vou controlar alguém que vai disparado assim?’, pensei. Porque ninguém a agarrou! Mas pronto, não aconteceu nada, acabou tudo bem, e hoje em dia tenho até essas duas cuecas emolduradas num quadro de acrílico no meu escritório!”, conta entre risos.
Coerência e conforto — os ingredientes do sucesso
Não é, contudo, apenas com os artistas que o festival mantém uma boa relação. Desafiada a fazer um balanço dos 20 anos de Cooljazz, a promotora afirma que o seu sucesso reside em parte pelo facto de manter-se fiel à sua essência e ao seu conceito diferenciador junto do público. Apesar das mudanças de local e de ter passado de uma para quatro atuações por dia, a lógica dos concertos distribuídos ao longo de vários dias e sem sobreposições nunca se alterou; para o consumidor, ir a um dia do Cooljazz é uma experiência mais próxima de um concerto em nome próprio de um artista do que propriamente a de um festival de verão.
“O espectador compra, no fundo, um bilhete diário, sendo que obviamente o valor desse bilhete [que varia de dia para dia] tem a ver com o headliner e com toda a programação desses quatro concertos”, ressalva, lembrando que este é um festival com sete dias distintos. “Mais nenhum festival em Portugal tem sete dias e com esta versatilidade na programação, já que toca em targets de 25 anos, de 35, de 45, de 55 e vai até aos 70 anos. Portanto, estamos aqui a falar de um festival que abarca desde os 25 até aos 70 anos”, aponta.
Não se notando desdém ou altivez na voz de Karla Campos, esta afirma que o público do Cooljazz é distinto por não ser tão generalista, por saber ao que vai. “É um connosseur. Vem e quer assistir àquele determinado concerto. E sabe que, quando vem, assiste ao concerto inteiro.” Pelo contrário, na maioria dos outros festivais, existe o que afirma ser um formato multilineup, com “vários palcos em simultâneo e tudo a acontecer ao mesmo tempo”. “Vês um quarto de hora de um, meia hora de outro, vais a correr para o outro. Aqui não, aqui há uma intimidade, há uma proximidade, vê-se o concerto completo — acaba o concerto das Jazz Sessions, depois passamos para aqui, para o palco principal, vemos dois concertos e depois voltamos ao anfiteatro”, denota.
Além disso, a promotora afirma que os próprios artistas que convida para o Cooljazz têm cada vez menos interesse em fazer parte de mega-produções, já que “eles são os headliners, eles querem a noite para eles”. Dá como exemplos os Air ou os Kings of Convenience, que “já têm um certo nível de exigência para estar em determinados festivais, porque privilegiam que a hora e meia em que eles estão a tocar seja assistida e que não estejam a partilhar público que está ali meia hora e depois sai para outro concerto. E o público que escolhe vir, também quer ver o concerto inteiro”. “Aqui privilegia-se a ligação do artista, o que ele tem para oferecer, e o público quer ver aquilo do primeiro ao último momento”, afirma.
Torna-se então mais fácil trazer artistas como estes porque tocar no festival é a garantia de que têm um dia seu. E junta-se a isso o facto da organização dispôr os dias do festival ao longo de julho com alguma flexibilidade consoante a sua disponibilidade. “O que os artistas sentiram sempre ao vir ao longo destes anos ao festival é que, em primeiro lugar, eu não coloco a exigência de tocarem a um fim de semana. Podem tocar durante a semana e isso é uma mais-valia para si, porque a maior parte dos outros festivais concentram-se num fim de semana. Claro que, quando se trata de um artista muito grande que tenha, imagino, uma abrangência que chame pessoas não só de todo o país como de Espanha até, claramente tentamos que seja a um sábado. Mas também se não for, a adesão continua na mesma, porque são realmente momentos icónicos, de artistas icónicos”, defende.
Outro aspeto ainda que ajudou o Cooljazz a diferenciar-se ao longo destes 20 anos é o facto de ser um festival que privilegia o conforto. “Este é um festival com plateia sentada, com cadeira reservada. Também tem a plateia em pé, mas a maior parte dos bilhetes são bilhetes sentados. A pessoa vem e não tem de vir a correr com o risco de não ficar a ver lá à frente. Não, as pessoas escolhem se ficam na plateia da frente ou se ficam em pé. E, portanto, há aqui uma escolha tão democrática para vários segmentos que vêm assistir ao mesmo concerto, de acordo com o dinheiro que cada um tem, que isso tem sido a mais-valia deste festival”, argumenta Karla Campos. Dando o exemplo de 26 de julho, que tem Diana Krall como principal atração, a promotora diz que “o bilhete mais à frente, em frente ao palco, está à volta dos 70 euros, mas depois em pé — sendo que, claro, para assistir a Diana Krall, quem puder vai fazê-lo sentado — acaba em 30 euros. Com 30 euros paga-se por um bilhete para assistir a quatro concertos: a Diana Krall, Manuel Oliveira Trio, as Jazz Sessions quando o festival começa e as Late Nights quando fecha. Pagas 30 euros e vês quatro concertos. É economicamente atrativo”, defende.
Na sequência dessa ideia, a promotora destaca também o cariz modal do festival, que aumenta ou diminui o número de lugares sentados ou de espaço para a plateia em pé conforme o tipo de concerto consoante o dia e o público. “Há aqui uma preocupação minha com o conforto. Costumo dizer que é ‘tailor-made’, porque cada noite é diferente da anterior”. Se “numa Diana Krall, vais ter cadeiras até lá atrás, porque é um tipo de música que é para assistir sentado” e atrai um público mais velho, com maior poder aquisitivo e que privilegia mais o conforto, com Air trata-se de “um concerto de música tranquila e calma, mas para um público um bocado mais jovem e talvez com menos possibilidades financeiras, sendo que temos menos cadeiras e muito mais gente em pé”. “Cada dia é adaptado ao público/artista, é preciso ter sempre isto em conta, por isso tem sido desta maneira. Parece fácil, mas não é”, sublinha.
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