Entre 1 de junho e 30 de setembro entraram no país cerca de três mil timorenses. Vêm à procura de trabalho no setor agrícola, nem sempre dominam a língua, e alguns chegam a Portugal através de redes criminosas.
Nos últimos meses, "temos assistido à crescente chegada de imigrantes de nacionalidade timorense ao centro da cidade de Lisboa, pelo que acreditamos que pelo menos 300 pessoas se têm vindo a fixar no eixo do Martim Moniz, Mouraria e Intendente", relata a Associação Renovar a Mouraria ao SAPO24.
Chegam a Portugal "sob falsas expectativas de promessas de trabalho", explica a organização que ajuda à integração de migrantes no bairro e na cidade.
Segundo a Associação, estas pessoas "acabam por ter de se sujeitar a trabalhos instáveis e precários em empresas agrícolas e também no ramo piscatório, em diversas regiões do país" e, "dada a intermitência destes trabalhos, rumam à capital na esperança de encontrar mais oportunidades de trabalho e respostas sociais".
A realidade não é nova. Foi aprovado por unanimidade, na sexta-feira, 7 de outubro, um requerimento do PCP para a audição da ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, com o objetivo de debater, especificamente, o afluxo de imigrantes timorenses ao Alentejo.
"A situação de vulnerabilidade em que se encontram é extremamente preocupante, não só do ponto de vista financeiro e da falta de abrigo", é explicado. Acresce o facto de muitos "não dominarem a língua inglesa ou portuguesa, o que as torna mais suscetíveis de se sujeitar a situações de exploração e abuso. Por outro lado, apresentam um total desconhecimento de quais as entidades a que podem recorrer para proteção dos seus direitos fundamentais", refere a Renovar a Mouraria.
Considerando que um grande número de timorenses "não possui uma rede familiar e social de apoio em Portugal", estes tentam, "com a pouca disponibilidade financeira que têm, alojarem-se em pensões no centro da cidade de Lisboa, até que o dinheiro de que dispõem acabe".
"A partir daí ficam sem alternativas, sendo obrigados a encontrar nos espaços públicos, como é o caso da praça do Martim Moniz, um lugar onde ficar, ou montar tendas ou estender caixas de cartão onde possam descansar e passar a noite", aponta a Associação.
"Podemos vê-los às muitas dezenas sentados na praça e em ruas adjacentes à espera da chamada prometida do patrão para um próximo trabalho, noutra região do país. Os seus documentos estão organizados em pastas e os seus poucos pertences protegidos numa pilha de malas e mochilas que se vão revezando para vigiar, numa constante espera", é frisado.
Para tentar encontrar respostas para a situação, a Associação contactou a Câmara Municipal de Lisboa, "mais concretamente o gabinete da vereadora Laurinda Alves".
"Foi dito que tinham conhecimento da realidade dos timorenses e que estavam, em conjunto com outras entidades, nomeadamente o Alto Comissariado para as Migrações (ACM) e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a definir um plano de ação", adiantou a Renovar a Mouraria, acrescentando que até ao momento não teve "nenhum retorno" quanto ao que poderá ser feito.
Questionada sobre os apoios já facultados a estas pessoas, a Associação Renovar a Mouraria diz não ter "conhecimento formal de que tenha sido realizada qualquer ação concreta para realojamento", sabendo apenas de uma intervenção policial "na madrugada de dia 2 ou 3 de outubro", em que "cerca de 70 timorenses" foram realojados "no pavilhão da Polícia Municipal de Lisboa".
A Polícia de Segurança Pública (PSP) confirmou ao SAPO24 que "no dia 3 de outubro, ao início da noite", teve de "intervir numa situação de suposta agressão envolvendo cidadãos timorenses e um outro cidadão de outra nacionalidade que ali circulava [no Martim Moniz]".
"Desconhecem-se os motivos em concreto sobre essa agressão, uma vez que a vítima não prestou os esclarecimentos devidos nem apresentou queixa", foi ainda explicado. Além disso, "face ao elevado número de cidadãos ali a pernoitar, a PSP, numa lógica preventiva, manteve-se no local para garantir a tranquilidade e paz pública".
A PSP refere ainda que, enquanto os agentes estiveram no local, "os serviços da CM de Lisboa da área social transportaram vários cidadãos, que ali pernoitavam, para o pavilhão municipal junto da Polícia Municipal".
O SAPO24 contactou várias vezes a Câmara Municipal de Lisboa, mas a autarquia não prestou declarações sobre a situação dos timorenses na capital e remeteu respostas para o ACM, que diz ser "a entidade responsável pela coordenação de todo o processo".
Por sua vez, o Alto Comissariado para as Migrações adianta ao SAPO24 que, "à data de 11 de outubro, o ACM referenciou 109 cidadãos timorenses em Lisboa, sendo que estes cidadãos se encontram em diferentes fases do seu processo de integração, muitos dos quais continuam a beneficiar do apoio prestado pelo ACM e pelas múltiplas entidades envolvidas neste processo".
"Os casos de cidadãos em situação de sem abrigo identificados tiveram a intervenção da Câmara Municipal de Lisboa, que acolheu 66 pessoas nas suas instalações, em articulação com o ACM, o Instituto do Emprego e Formação Profissional, o Instituto da Segurança Social e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Estas entidades têm realizado igualmente trabalho social junto dos cidadãos, procurando apoiar nos processos de integração, através da identificação de expectativas e do apoio e encaminhamento para respostas de empregabilidade e regularização em território nacional", foi explicado.
Ainda segundo a Associação Renovar a Mouraria, "o presidente da República esteve presente no Martim Moniz a falar com um grupo de timorenses que estavam na Praça, na noite de dia 30 de setembro". A Presidência não confirmou esta informação até ao momento de publicação deste artigo.
Afinal, quantos timorenses chegaram a Portugal nos últimos meses?
Ao SAPO24, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), esclarece que, "no que diz respeito ao movimento de cidadãos timorenses nas fronteiras aéreas portuguesas, de 1 de junho a 30 de setembro entraram no país cerca de três mil timorenses".
"Em período homólogo do ano passado, entraram em território nacional 350; em 2020, 52; e em 2019, 471 cidadãos timorenses", é especificado.
Quanto à legalidade destes cidadãos, o SEF relembra que, "para entrada em território português, os cidadãos estrangeiros necessitam de possuir um visto válido e adequado à finalidade da estada. Contudo, há exceções. Para estadias de curta duração, estão isentos de visto os nacionais de vários países, incluindo os de Timor-Leste".
Até ao momento, "no decurso do ano 2022, manifestaram interesse junto do SEF para obtenção de autorização de residência para trabalho subordinado mais de 600 cidadãos timorenses", é referido.
Quanto à existência de práticas criminais relacionadas com o aumento de entradas de timorenses em território nacional, o SEF adianta que "participou ao Ministério Público (MP) onze situações por indícios de auxílio à imigração ilegal e por indícios de tráfico de pessoas. Cabendo ao MP o exercício da ação penal e a direção da investigação criminal, não poderá o SEF pronunciar-se sobre o conteúdo desses inquéritos".
"Refira-se, ainda, que, em sinergia com a Embaixada da República Democrática de Timor Leste, têm sido desenvolvidas várias ações de prevenção dirigidas a cidadãos timorenses recentemente chegados a Portugal por forma a sensibilizá-los sobre os riscos de exploração de que podem ser vítimas", remata o SEF.
Já o Alto Comissariado para as Migrações (ACM) explica ao SAPO24 que "está a acompanhar, através da sua Rede Nacional de Apoio à Integração de Migrantes (RNAIM), as situações que têm sido identificadas e a articular respostas territoriais coordenadas com várias entidades, onde se incluem Estado central, autarquias locais, forças de segurança, rede consular, autoridades de Saúde, entidades do terceiro setor e respetivas equipas multidisciplinares. O ACM tem, também, articulado com a Embaixada de Timor Leste em Lisboa".
Além disso, é também referido que "o Governo criou também um grupo de trabalho interministerial, envolvendo vários Ministérios e respetivos serviços, com o objetivo de enquadrar os cidadãos timorenses em situação de maior vulnerabilidade nas respostas nacionais já existentes em matéria de acolhimento e integração, para responder às suas necessidades imediatas e ao nível da integração".
"Para além das reuniões de plenário, foram criados subgrupos de trabalho em dimensões essenciais, como empregabilidade, social e fiscalização/investigação", adianta o ACM.
De Lisboa a Beja. Onde estão estes imigrantes?
Segundo o Alto Comissariado para as Migrações, a 4 de outubro estavam referenciados "760 cidadãos, sendo que o número mais significativo de cidadãos se concentra no distrito de Beja, havendo também conhecimento de um número expressivo de cidadãos timorenses nos concelhos do Fundão e de Lisboa".
"Estes cidadãos encontram-se em diferentes fases do seu processo de integração, muitos dos quais continuam a beneficiar do apoio prestado pelo ACM e pelas múltiplas entidades envolvidas neste processo, através do encaminhamento para respostas de acolhimento e integração já existentes, tendo sido possível, a título de exemplo, realojar 308 cidadãos e encaminhar 139 cidadãos para ofertas de emprego", é referido.
Devido a estes maiores números em Beja, "várias organizações criaram um grupo de trabalho para poder dar uma resposta de âmbito local, mais focada nas situações concretas que são identificadas, sendo que este grupo local mantém-se articulado com o grupo de trabalho interministerial".
"Foram igualmente constituídos por alguns municípios grupos de trabalho para acompanhamento e definição de medidas relativas a esta situação nos seus territórios", acrescenta o ACM.
Assim, "as respostas territoriais ativadas têm como missão fazer face às diferentes necessidades que são identificadas localmente, desde a prestação de informação sobre direitos, acompanhamento da transferência para alojamento digno, apoio alimentar, apoio na obtenção de documentos identificativos ou encaminhamento para ofertas de trabalho".
"Nestes territórios, o ACM disponibiliza igualmente os seus vários serviços de apoio à integração, através dos Centros Nacionais de Apoio à Integração de Migrantes (CNAIM) e dos Centros Locais de Apoio à Integração de Migrantes (CLAIM) da região, e do Serviço de Tradução Telefónica, que permite a tradução em Tétum nas ações encetadas e no apoio aos cidadãos", é também apontado.
Como é que Timor-Leste vê esta situação?
Em entrevista à Lusa em Lisboa, Mari Alkatiri, secretário-geral da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), que coordena a plataforma que sustenta o governo timorense, considerou que, "se deve travar esta onda de procura de vida fora do país, enquanto não houver um acordo de alto nível entre governos para acomodar isso".
Trata-se de uma situação "chocante", que tem sido abordada nos contactos feitos em Portugal com os governantes portugueses, admitiu Mari Alkatiri.
"Eu acho que tem que haver um acordo-quadro entre Portugal e Timor-Leste" que complemente o "acordo de mobilidade dentro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)" com a atribuição de vistos de trabalho, acentuou.
"A mobilidade, apenas, não resolve, porque quando os timorenses chegam a Portugal como é que podem ficar? Como se acomodam? Como ficam em condições legais para procurar emprego?", questionou o líder da Fretilin, que elogiou a nova legislação portuguesa que dá um prazo de seis meses aos cidadãos da CPLP para tentarem obter trabalho.
"Isso não é suficiente, mas já é um passo positivo que o Governo português tomou. O fundamental é suspender a vinda deles [dos timorenses] agora".
Depois, defende, é necessário que Timor-Leste dê "formação adequada a quem quer emigrar", com "treinos vocacionais e profissionais" que correspondam a necessidades dos países de destino.
O SAPO24 contactou a Embaixada de Timor-Leste em Lisboa e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) para obter um comentário a esta situação dos imigrantes no país, mas não obteve qualquer resposta.
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