“Que não se pense que esta política europeia de descarbonização é uma varinha de condão para solucionar os problemas, porque não o é, de maneira nenhuma”, avisa Adriano Bordalo e Sá, hidrobiólogo do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, no Porto, em entrevista à Lusa.
Os problemas são muitos: desde as chuvas intermitentes, que podem causar cheias, a períodos de forte calor, que levam a “mais consumo de água, numa altura em que a água escasseia, por exemplo”, provocando “fortíssimos reflexos na saúde pública das crianças e dos mais idosos”.
“As coisas estão todas integradas, temos de ligar as coisas: alterações climáticas, a água, as doenças”.
Algumas delas são já visíveis, realça, destacando que “começam a surgir micro-organismos nas nossas praias, que são chamados bactérias emergentes, que estão a ser sinalizadas no mundo mais rico como sendo potentes agentes patogénicos”, ou seja, que provocam doença.
O investigador detetou, no ano passado, algumas dessas bactérias em praias com bandeira azul na costa Norte “em quantidades muito elevadas”.
Trata-se de “micro-organismos que não são doseados, não são quantificados nem investigados pelas entidades públicas”, porque estas os desconhecem.
“Para além das diarreias, das infeções nos ouvidos, nos olhos, na garganta, podem conduzir à septicemia e, aí, à morte, nomeadamente nas pessoas que estão imunodeprimidas. Isto tem a ver, fundamentalmente, com as alterações climáticas”, garante.
Também a presença nas águas da costa norte portuguesa de uma espécie de linguado senegalês comprova que “o clima está avariado”, assevera Bordalo e Sá.
“Isto não é um eufemismo, não é só porque está na moda dizer, é com factos: são os golpes de calor, as secas, as inundações, as espécies patogénicas que começam a pulular agora, estas novas espécies que aparecem no mar, e por aí afora”.
O cientista ressalva que levantar estas questões “não é considerar que o apocalipse vem aí, nada disso. Agora, estas questões têm de ser mesmo levantadas”.
“Temos é que ter uma visão holística destas coisas e não continuar apenas com medidas avulsas”.
É por isso que considera que a descarbonização não pode ser a única solução, já que não se desliga uma sociedade inteira do uso de combustíveis fósseis de um dia para o outro e “um carro elétrico não é necessariamente amigo do ambiente durante a sua construção e tem muita eletrónica”.
“Essa eletrónica, neste momento, está comprometida porque não há ‘chips’. Um dos componentes destes ‘chips’ são as terras raras, que são, neste momento, a origem de parte das guerras na África Central” e estão também a despertar interesses no Afeganistão, refere o biólogo.
“Ainda vamos, durante muitos anos, conviver com os combustíveis fósseis, porque a Europa rica pode, eventualmente, mudar para os veículos elétricos ou a hidrogénio, mas o resto do mundo não o vai fazer, porque não há condições para o fazer”.
Ana Monteiro, geógrafa e coordenadora do Plano Metropolitano de Adaptação às Alterações Climáticas da Área Metropolitana do Porto, assevera que “não nos vamos adaptar aos riscos climáticos com a descarbonização. É preciso muito mais do que isso”.
“A descarbonização é muito útil para a qualidade do ar que respiramos, sem dúvida”, mas “se me disserem que garante a adaptação aos riscos climáticos, não subscrevo de todo”, prossegue.
A investigadora defende que é “preciso criar condições de adaptação aos riscos climáticos, à medida”.
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