No final da época 2017/18, o Desportivo das Aves erguia a sua primeira Taça de Portugal. O feito único na história do clube aconteceu no dia 20 de maio. Dois anos, um mês e nove dias depois os lanterna-vermelha perdiam na receção ao Moreirense (1-0), um resultado que, acompanhado pelo triunfo surpreendente do Marítimo (2-0) sobre o campeão nacional Benfica, determinou a descida do emblema do concelho de Santo Tirso à passagem da 29.ª jornada, numa altura em que somava apenas 14 pontos.

Como é que isto aconteceu?

1 - Problemas dentro de campo

O Desportivo das Aves partiu para uma inédita terceira participação consecutiva na I Liga sob orientação de Augusto Inácio, que tinha salvado os nortenhos de uma campanha condenada ao fracasso em 2018/19 e operou uma ‘revolução’ no defeso, traduzida em 17 reforços e alguns jogadores sub-23 para compensar a perda de nove habituais titulares.

Com uma equipa em plena reconstrução, os avenses começaram por ser afastados da fase de grupos da Taça da Liga, com uma derrota caseira frente ao Gil Vicente (3-2), antecipando uma entrada em falso no campeonato, fruto de sete derrotas nas primeiras oito jornadas, que precipitaram a saída de Augusto Inácio, em 21 de outubro de 2019.

Ao afastamento precoce da Taça de Portugal aos pés do Farense (5-2), campeão da II Liga, a SAD liderada pelo chinês Wei Zhao entregou o comando interino a Leandro Pires, que guiou a equipa de sub-23 à conquista da Liga e da Taça Revelação na época passada, aguardando três jogos para consolidar a aposta em Nuno Manta Santos, à 12.ª ronda.

O treinador natural de Santa Maria da Feira foi anunciado em 13 de novembro, dois dias após ter abandonado o Marítimo, a única formação que tinha perdido na Vila das Aves, onde conseguiu amealhar dois triunfos até ao final da primeira volta (1-0 ao Sporting de Braga e 3-0 ao Portimonense), libertando-se por momentos da zona de despromoção.

Os avenses procuraram retificar peças na reabertura de mercado, mas sobrepuseram-se as carências técnicas, táticas e emocionais dos atletas, perante o desentendimento crescente entre os adeptos e a administração controlada pela empresa Galaxy Believers, que controla 90% do futebol profissional e que cortou relações com a claque ‘Força Avense’.

No relvado, o balão de oxigénio conferido pela vitória na Madeira (2-1) eclipsou-se com os desaires nas receções ao Boavista (1-0) e ao Rio Ave (4-0), dando o mote para uma segunda volta penosa, em que o Aves conquistou cinco pontos em 36 possíveis.

2 - Os salários que a pandemia levou

Com salários em atraso desde o início do ano, a SAD avense falhou duas vezes o controlo salarial junto da Liga de clubes, em dois de abril e nove de junho.

A SAD justificou as dívidas a jogadores e treinadores com a paralisação da atividade económica na China, motivada pela pandemia de covid-19, o que não impediu as rescisões unilaterais do guarda-redes francês Quentin Beunardeau e do avançado brasileiro Welinton Júnior, numa reincidência que pode custar cinco a oito pontos de penalização.

O processo foi remetido para o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol e pode tornar o Desportivo das Aves o primeiro emblema primodivisionário a perder pontos por salários em atraso.

3 - Debandada de jogadores

No dia 17 de julho o defesa internacional angolano Jonathan Buatu, que estava cedido pelo Rio Ave desde janeiro, foi o sétimo atleta a justificar a desvinculação do emblema do concelho de Santo Tirso com sucessivos incumprimentos salariais, verificados desde dezembro de 2019.

Antes, o médio Estrela, o guarda-redes francês Quentin Beunardeau, o avançado brasileiro Welinton Júnior, o internacional congolês Aaron Tshibola, o médio luso-chinês Pedro Delgado e o extremo franco-camaronês Kevin Yamga seguiram o mesmo caminho.

A SAD diz que as rescisões em nada se devem às questões salariais, mas a tese é contrariada por todos os jogadores desvinculados.

4 - Ausência nas duas últimas jornadas do campeonato

Há dois dias, o despromovido Desportivo das Aves anunciou que ia faltar ao jogo no estádio do Portimonense, da 34.ª e última jornada da I Liga de futebol, previsto para 26 de julho, de forma a “salvaguardar a transparência na luta pela permanência”.

“Face dos problemas que vêm afetando o CD Aves SAD, com rescisões quase diárias, outras iminentes e jogadores do plantel com vários meses de salários em atraso, que poderão conduzir a novos conflitos laborais, num contexto que vem obrigando a nossa equipa técnica a recorrer a jogadores sub-23 para formar o ‘onze’ a cada jornada que passa, a administração concluiu que não estão reunidas as condições para salvaguardar a verdade desportiva e a transparência na luta pela permanência na I Liga na deslocação a Portimão”, justificam os avenses, em comunicado enviado à Lusa.

A acionista da empresa que gere o futebol profissional do Desportivo das Aves, Estrela Costa, reforçou hoje à Lusa que o clube não iria deslocar-se a Portimão, independentemente da decisão que a Liga de clubes adotasse relativamente à atribuição de pontos nesse jogo.

Hoje, a mesma accionista anunciou que o clube não iria também jogar com o SL Benfica na próxima jornada depois de o clube ter visto cancelada a sua apólice de seguro, o que impede que o emblema avense dispute jogos ou sequer treine.

5 - Um clube que pode acabar a época com zero pontos

De acordo com o artigo 16.º do Regulamento de Competições da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), a “falta de comparência não justificada de um clube a jogo oficial de uma competição por pontos determina, nos termos previstos no Regulamento Disciplinar, a atribuição ao clube adversário dos três pontos correspondentes à vitória”.

A ausência “em algum dos três últimos jogos de uma competição a disputar por pontos” determina, segundo o artigo 76.º do Regulamento Disciplinar da LPFP, a “sanção de derrota no jogo ao clube que não compareceu e subtração de todos os pontos até então obtidos”, à qual se pode agregar uma coima de 250 a 500 unidades de conta (UC).