Apresentado no ano passado aos agentes culturais do país, o novo modelo diminuiu de quatro para três os tipos de apoios, e apresentou como outra grande novidade o alargamento às regiões autónomas da Madeira e dos Açores, mantendo os concursos como regra na atribuição do financiamento, cujos resultados – já definitivos nas áreas da dança, circo contemporâneo e artes de rua - geraram, nas últimas semanas, forte contestação pela exclusão de diversas companhias artísticas um longo historial.
Quando foi anunciado, numa entrevista à agência Lusa, o secretário de Estado indicou que o objetivo do novo modelo era criar "maior organicidade e flexibilidade no sistema de apoios, e também simplificação, partindo de uma arquitetura mais cooperante com as necessidades do setor".
O que são os apoios às artes?
Os apoios públicos às artes em Portugal têm sofrido várias alterações ao longo dos anos, com 2018 a assistir à aplicação de um novo modelo, desenvolvido pelo atual Governo, num processo liderado pelo secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado.
O financiamento é atribuído pela Direção-Geral das Artes (DGArtes) com o objetivo de apoiar “a criação, produção e difusão das artes (…) de atividades e de projetos que contribuam para consolidar e projetar nacional e internacionalmente a criatividade e inovação artísticas e desenvolver a sensibilidade e o pensamento crítico das populações, promovendo, assim, a sua qualificação, bem como a coesão social e territorial”.
O novo modelo de apoio às artes acabou com os designados apoios pontuais e simplificou as tipologias de quatro para três: a de apoio sustentado (de regime bienal e quadrienal), a de projetos (de horizonte anual) e em parceria, a estabelecer com entidades privadas ou públicas, incluindo a administração local.
Como se dividem os apoios?
O programa de apoio sustentado visa, segundo a tutela, consolidar entidades com atividade continuada, assente em planos plurianuais e contempla as modalidades bienal e quadrienal.
No caso das entidades artísticas pretenderem beneficiar de apoio bienal, necessitam de ter, pelo menos quatro anos de atividade profissional continuada, enquanto as que pretendam beneficiar de apoio quadrienal, devem ter, pelo menos, seis anos de atividade profissional continuada, e ter beneficiado de apoio do Estado, através da DGArtes, durante um período mínimo de quatro anos.
Quanto ao programa de apoio a projetos, visa estimular a inovação e diversidade artísticas e destina-se a projetos que possam ser concretizados até ao limite de um ano, e a complementar o financiamento de atividades previamente aprovadas, no âmbito de programas de financiamento internacionais, ou cuja viabilização dependa de uma percentagem de apoio reduzida.
Na tipologia de programa em parceria, são visados projetos que decorrem de acordos previamente estabelecidos entre a área da cultura, através da DGArtes, e outras pessoas coletivas públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, assentes em objetivos estratégicos comuns.
No caso dos programas em parceria realizados com a administração local, o novo modelo determina a prioridade ao desenvolvimento de atividades nos territórios com oferta cultural reduzida ou inexistente.
Que áreas abrangem os apoios sustentados?
Os apoios sustentados, que agora vieram gerar controvérsia, abrangem as dimensões do Circo Contemporâneo e Artes de Rua, da Dança, das Artes Visuais, da Música, dos Cruzamentos Disciplinares e do Teatro.
Os concursos do Programa Sustentado da DGArtes, para os anos de 2018-2021, partiram com um montante global de 64,5 milhões de euros, em outubro, subiram aos 72,5 milhões, no início desta semana, perante a contestação no setor, e o secretário de Estado da Cultura, já tinha admitido, na terça-feira, em conferência de imprensa, a possibilidade de essa verba vir a ser reforçada, este ano, numa articulação entre o Ministério da Cultura e o gabinete do primeiro-ministro.
Para o ano de 2018, o Programa de Apoio Sustentado tinha previsto inicialmente um montante de 15 milhões de euros, que agora ascende a 19,2 milhões, depois de somados os dois reforços dos últimos dias anunciados pelo Governo (dois milhões primeiro e agora mais 2,2 milhões).
Quem se pode candidatar?
De acordo com a DGArtes, os apoios visam as atividades profissionais nas áreas das artes visuais, das artes performativas e de cruzamento disciplinar, incluindo a arquitetura, as artes plásticas, o design, a fotografia, os novos media, o circo contemporâneo e artes de rua, a dança, a música e o teatro.
Quanto aos domínios de atividade, integram a criação, a programação, a circulação nacional, a internacionalização, o desenvolvimento de públicos, a edição, a investigação e a formação.
Porquê agora a contestação?
A proposta foi apresentada aos agentes culturais em julho do ano passado, em reuniões da tutela, com a presença de Miguel Honrado e da diretora-geral das Artes, Paula Varanda, em Lisboa, Faro, Coimbra, Évora e Porto.
Em julho, embora os sindicatos do setor tenham apresentado falhas ao novo modelo, não houve contestação por parte das estruturas artísticas, mas surge agora na sequência do anúncio dos resultados provisórios do programa de apoios sustentados, uma das três tipologias existentes, e que se encontra atualmente, na maioria das disciplinas, em fase de audiência de interessados.
Quando teve conhecimento da proposta, o Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos (CENA-STE) alertava para a possibilidade de os apoios de parceria previstos no novo modelo de apoio público poderem "abrir a porta à privatização do setor".
Nas contas do Ministério da Cultura, com base ainda nos resultados provisórios, há 26 entidades que eram apoiadas no anterior ciclo e que terão perdido o apoio.
Os resultados provisórios conhecidos mostram que companhias com décadas de existência como o Teatro Experimental do Porto e a Seiva Trupe, assim como o Teatro Experimental de Cascais ficaram sem financiamento, à semelhança das únicas estruturas profissionais de Évora (Centro Dramático de Évora) e de Coimbra (Escola da Noite e O Teatrão), além de projetos como Cão Solteiro, Bienal de Cerveira e Chapitô.
Estes resultados provisórios deram origem a contestação no setor e levaram o PCP e o Bloco de Esquerda a pedir a audição, com caráter de urgência, do ministro da Cultura, em comissão parlamentar, e a diretora-geral das Artes, Paula Varanda, aprovada por unanimidade na terça-feira, na Comissão de Cultura, Economia, Juventude e Desporto, e marcada para a próxima terça-feira.
Quais as principais críticas ao novo modelo de apoios?
As principais críticas da comunidade artística e das autoridades políticas dos locais com candidatos que viram as suas propostas ficar sem qualquer apoio nos resultados até aqui divulgados prendem-se com o que consideram ser o subfinanciamento do setor e com a discriminação territorial face a Lisboa.
De formas separadas, as câmaras do Porto, Coimbra, Covilhã, Évora e Montemor-o-Novo mostraram indignação pelos resultados que levaram à não-atribuição de financiamento a entidades locais e regionais e apelaram a uma revisão do apoio às artes.
Mais de 50 companhias de teatro e 140 artistas de todo o país pediram uma reunião de urgência ao primeiro-ministro, António Costa, considerando "fundamental” que seja inscrita a decisão de, ainda este ano, “haver um reforço [de verbas] que evite a destruição de estruturas candidatas e não apoiadas ou mesmo excluídas sob critérios que urge rever”.
“Acreditam os que assinam que o que está em causa não é apenas a sobrevivência das estruturas de criação artística profissional, mas sim a aposta num país mais desenvolvido, com cidadãos que possuam um maior espírito crítico e sentido democrático”, lê-se na missiva.
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