Os professores portugueses que têm como missão educar mais de um milhão de alunos. São vistos como uma classe envelhecida, desgastada e desmotivada, mas muitos continuam a trabalhar árdua e discretamente não apenas para ensinar mas também para tentar fazer a diferença, "nem que seja na vida de apenas um aluno".
"Podemos ter razões para não estar contentes, mas quando estamos perante uma turma, deixamos os problemas do lado de fora da porta", contou à Lusa Clara Ferreira, 51 anos, dos quais 30 a dar aulas.
Clara trocou uma carreira de Informática, em que "estaria a ganhar, pelo menos, três vezes mais", pelo ensino mas não se arrepende. Já teve alunos de todas as idades, desde crianças do 1.º ciclo, a adolescentes do secundário e classes de idosos. As turmas de que mais gosta são as de ensino profissional, onde conhece jovens muitas vezes estigmatizados.
Esta professora já conseguiu contrariar destinos de jovens em risco de abandono escolar e apagou rótulos de alunos vistos como "mal comportados" ou "menos capazes".
Foi o caso de João Rosado. Um aluno com dislexia e em risco de deixar de estudar que Clara percebeu ser apenas um menino "muito reservado" a precisar de um projeto que lhe mostrasse as suas capacidades.
A professora de Informática propôs-lhe que participasse num concurso nacional, a "Apps For Good", em que os alunos criam uma aplicação digital. João envolveu-se no projeto e imaginou, com uma colega, uma "app" para fomentar a leitura de livros pelas crianças, através da realidade virtual que iria animar as imagens dos livros e fazer jogos sobre os seus conteúdos.
O menino que tinha abandonado o curso de Economia, ganhou o primeiro prémio e percebeu a importância de aprender Inglês para que a aplicação chegasse mais longe, Português para conseguir comunicar melhor a sua ideia ou Matemática. Tornou-se um bom aluno e conseguiu estagiar na Mercedes-Benz. Hoje é "data engineer" na BI4All.
Foi também através deste programa que Clara conheceu melhor um aluno ucraniano transferido de outra escola. Chegou ao liceu de Santarém carregado com "dois dossiers" repletos de relatos de mau comportamento.
"Batia em toda a gente", recordou a professora, que iniciou com ele um projeto e rapidamente percebeu que ele não percebia a língua. Ajudou-o e ele aprendeu português, "tornou-se um exemplo de bom comportamento", conta a professora, que acredita que, muitas vezes, estes miúdos "preferem ser bons malandros a maus alunos".
Nídia Pereira tem hoje 28 anos e também foi aluna de Clara, a quem reconhece muitas qualidades: "Existem professores que acreditam em nós e que valorizam o nosso trabalho".
Nídia também esteve envolvida na criação de uma app e recorda o envolvimento da docente, que aproveitava as tardes livres para ajudar a equipa, mas também da professora Fátima Vasques, que deu explicações gratuitas e fora de horas a quem queria preparar-se para o exame nacional.
"Ela não era minha professora, mas disponibilizou-se para nos ajudar. Às vezes dava explicações na escola, outras na sua casa. Era onde calhasse e fez grande diferença", contou a aluna que teve 16 valores no exame e entrou na Escola Superior de Comunicação Social, em Lisboa. Hoje é sénior designer numa empresa em Frankfurt.
As histórias de docentes que abdicaram do seu tempo para ajudar alunos são muitas.
Navroop Singh nasceu na Índia e chegou a Portugal em 2019. "Tive os melhores professores do mundo. Nunca pensei que fossem assim, achava que davam as aulas e iam-se embora", disse o adolescente.
Na lista dos que nunca irá esquecer estão a professora Silvina, de Português Língua Não Materna, e a de Programação, Elsa Ferreira.
A professora Silvina convidou-o para ajudar a criar uma aplicação, onde portugueses podem voluntariar-se para ajudar estrangeiros nas mais variadas tarefas, como tradução de documentos ou acompanhar ao médico.
"Durante o verão fazíamos chamadas por `teams´ e as professoras dedicaram-se muito tempo ao nosso projeto. Estávamos juntos das seis às oito da noite, três dias por semana", recordou Navroop, explicando que a Apps For Good também lhe permitiu conhecer empresários da Microsoft e da Galp, que lhe "deram sugestões de como fazer a apresentação às empresas".
A aplicação desenvolvida por uma equipa multicultural - além de Navroop, havia um aluno do Paquistão, do Bangladesh, da Venezuela e um português - ficou em 2.º lugar.
Numa década, só o programa Apps for Good envolveu mais de 28 mil alunos do 5.º ao 12.º anos e quase dois mil professores de 694 escolas.
Para o diretor do programa, João Baracho, o sucesso deste projeto educativo gratuito parte muito do empenho e dedicação dos professores.
Mas não existe apenas envolvimento em projetos extracurriculares. Navroop Singh contou à Lusa que continua a falar com ex-professores do 10.º ano através de um grupo de whastapp.
Nesse grupo está a professora Clara Ferreira que alerta para a quantidade de jovens que se sentem sozinhos. "Recebo muitas mensagens de alunos a quererem tirar duvidas, mas às vezes, só querem realmente ter com quem conversar. A vida das famílias é muito complicada e sem tempo para estar com os filhos", lamentou.
Também foi a professora que arranjou o primeiro estágio a Navroop Singh: um trabalho de verão a fazer gráficos no jornal local. A experiência foi essencial para avançar com o seu projeto, que hoje tem milhares de seguidores, contou o rapaz de 17 anos.
Clara explica que são estes percursos de sucesso que fazem com que nunca se tenha arrependido de ter abandonado a carreira de Informática. Aos 51 anos garante manter a mesma paixão pelo ensino e continua a ver os professores como alguém com "responsabilidade de conseguir mudar uma vida para sempre".
Uma classe envelhecida?
No ano letivo de 2022/2023, havia cerca de 140 mil educadores de infância e professores do ensino obrigatório, sendo a grande maioria mulheres. No pré-escolar, por exemplo, a percentagem de homens era de apenas 1% e no 1.º ciclo era de 22%, segundo o relatório “Portugal em Números 2024”, divulgado recentemente pela Direção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência (DGEEC).
O relatório mostra que o número de professores tem-se mantido estável na última década, com exceção do 2.º ciclo, que perdeu 3.895 docentes. No entanto, os professores estão cada vez mais velhos e, por isso, mais próximos da reforma.
Apenas no 1.º ciclo, a média de idades é 49 anos. Nos restantes níveis de ensino, a maioria já passou a barreira dos 50, sendo nas turmas do 5.º e 6.º anos que se encontram os mais velhos, com uma média de idades de 52 anos. Já os professores que dão aulas a alunos a partir do 7.º ano têm, em média, 51 anos.
Todos os anos, as queixas da falta de professores nas escolas trazem ao de cima os problemas de uma carreira, que os sindicatos dizem ser pouco atrativa, mas também o excesso de trabalho e de burocracia.
Os sindicatos queixam-se também que esta é uma classe pouco valorizada, com cada vez mais profissionais doentes e à beira do ‘burnout’.
O último relatório do Estado da Educação, do Conselho Nacional de Educação (CNE), revelava que quase 90% dos professores se queixava de stresse no trabalho e, por isso, os relatores defenderam a necessidade de "repensar um conjunto de medidas que garantam condições efetivas de bem-estar dos professores".
Nos últimos anos, diminuíram os casos de professores conhecidos por andar “com a casa às costas”, com a abertura de concursos destinados a garantir um vínculo estável, mas os sindicatos entendem que faltam muitas mais medidas para conseguir tornar a profissão mais atraente.
Além de uma carreira muito longa, em relação a outros países europeus, o relatório do CNE refere que existe uma diferença remuneratória "muito significativa" entre os escalões em início e final de carreira. Um problema que o atual ministro da Educação já mostrou abertura para tentar resolver, prometendo aumentos salariais para quem está nos primeiros escalões.
Nos últimos anos começou a notar-se um ligeiro aumento do número de diplomados em cursos que conferem habilitação para a docência, mas continua a não ser suficiente para responder às vagas dos que saem anualmente para a reforma.
O que acontece hoje em todo o país?
A Federação Nacional dos Professores (Fenprof) agendou uma concentração pelas 14h30 no Rossio, seguindo-se um desfile até ao Largo de Camões.
De acordo com a Fenprof, os professores e educadores manifestam-se “dada a importância do momento que se vive no país (Orçamento do Estado para 2025) e na Educação (processos de revisão/alteração em curso ou previstos)”.
“A Fenprof pretende que o Dia Mundial do Professor também seja um dia de (re)afirmação das posições e propostas dos docentes para os processos negociais que se preveem e, ainda, para o período de apresentação, debate e votação do Orçamento do Estado para 2025 [OE2025]”, lê-se em comunicado.
Para a força sindical, a manifestação será uma oportunidade para “reafirmar as posições dos docentes em relação a todos estes processos que deverão ser efetivamente negociais e dos quais deverá resultar a valorização da profissão docente e a valorização e democratização da vida das escolas”.
Lembrando o tema “Valorizar a voz docente”, determinado pela Internacional da Educação (IE), em conjunto com a UNESCO, a Fenprof considera que é uma “mensagem bem forte dirigida a governos que, promovendo ou não processos ditos negociais, acabam por decidir de acordo com os seus interesses e intenções, ignorando as propostas apresentadas pelas suas organizações sindicais”
Também a Federação Nacional da Educação (FNE) pretende “reforçar a mensagem da importância da valorização e reconhecimento, pela sociedade, do papel fundamental que os professores desempenham”.
A FNE, alertando para a falta de investimento, afirma “que cortar no orçamento para a educação não é o caminho adequado” e que o Dia Mundial do Professor “é mais uma oportunidade” para relembrar o Governo.
“É necessário, pelo contrário, investimento do Governo para se alcançar uma educação de qualidade”, sustenta.
Com várias ações previstas, desde o hasteamento da bandeira “Obrigado Professor” em escolas nacionais até à divulgação de informação nas redes sociais, a FNE destaca o envio de uma mensagem ao ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, com as “cinco prioridades consideradas como de mais urgente resolução”.
Além disso, prevê-se uma doação voluntária de sangue nos Açores e um concerto na Madeira, bem como uma concentração em Viana do Castelo, no âmbito do Dia Mundial do Professor.
O Sindicato dos Professores da Região Açores e a União de Sindicatos de Angra do Heroísmo também promovem “diversas atividades e almoço convívio”, no Monte Brasil, na ilha Terceira.
O Dia Mundial do Professor comemora-se todos anos no dia 5 de outubro, desde 1994, após ter sido adotada a recomendação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), de 1966.
Instituído há 30 anos, o Dia Mundial do Professor homenageia todos os docentes e educadores que “contribuem para a educação da sociedade, escolhendo o ensino como forma de vida, dedicada diariamente a ensinar crianças, jovens e adultos”.
(Silvia Maia, da agência Lusa)
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