Da longa lista de membros do Movimento Democrático Português – Comissão Democrática Eleitoral (MDP-CDE) que após o 25 de Abril, localmente, deram a cara pela organização, fazem parte o social-democrata Jaime Soares, o comunista Manuel Rocha e o socialista Abílio Curto.
Em 1974, a seguir ao derrube do fascismo pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), o jovem Jaime Soares foi um dos escolhidos para a comissão administrativa da Câmara de Vila Nova de Poiares.
Dois anos depois, o futuro deputado e líder da Liga dos Bombeiros Portugueses já encabeçou a candidatura do PPD-PSD naquele município do distrito de Coimbra.
Venceu as autárquicas de 1976, com quase 42% dos votos, e manteve-se ao leme da Câmara ao longo de 10 mandatos consecutivos, até 2013, batendo o recorde de longevidade nos municípios portugueses.
Em entrevista à agência Lusa, Jaime Soares recordou a emoção, em 1974, “de ser eleito, por unanimidade e aclamação, por uma multidão de braço no ar”, no jardim público de Poiares.
Foram designados 13 munícipes para o executivo provisório, presidido pelo médico Ilídio Moura. Porém, só três puderam tomar posse.
Com orgulho por ter participado no momento histórico, o ex-autarca, de 81 anos, mostrou à Lusa uma foto da altura em que são visíveis faixas de apoio à democracia, com frases como “Denúncia aos vira-casacas” e “Abaixo o fascismo”.
Nascido em Condeixa-a-Nova, Manuel Pires da Rocha, de 89 anos, começou por ter emprego na câmara local, mas no 25 de Abril trabalhava no Banco de Portugal, em Coimbra.
Pai do homónimo Manuel Rocha, violinista da Brigada Victor Jara, tinha então 40 anos e viveu intensamente os primeiros dias da liberdade.
O bancário estava na CDE, que em Coimbra congregava antifascistas como Louzã Henriques, António Arnaut, Orlando de Carvalho e Joaquim Namorado.
Após o 25 de Abril, trabalhou com o MDP-CDE, mantendo uma ligação estreita com dirigentes do PCP como Alberto Vilaça, que dinamizou a grande manifestação do 1.º de Maio de 1974 na cidade.
“Eu estava construído já como um homem muito próximo do comunismo”, contou à Lusa.
Assumindo-se como “um bocado entusiasta” da marcha dos acontecimentos, Rocha insistia com o advogado Vilaça para acelerarem o desmantelamento do aparelho repressivo e queria avançar com a tomada de câmaras e Casas do Povo.
Só que, mesmo em Coimbra, persistiam dificuldades em derrotar as forças fascistas de vez.
Na cidade do Mondego, populares cercavam desde 26 de abril a sede da PIDE, onde o próprio Vilaça tinha estado preso várias vezes.
No dia 30, uma força especial enviada pelo MFA, comandada por Rafael Durão, retirou os membros barricados e armados da polícia política e levou-os para Peniche.
Na véspera, 29 de abril, o jurista já não sabia o que dizer ao camarada, de peito às balas ao serviço da revolução.
“Ó homem, vá a Condeixa e mude as coisas”, respondeu Alberto Vilaça, histórico dirigente do PCP em Coimbra.
Manuel Rocha meteu-se no carro e rumou sozinho à vila natal, a 15 quilómetros da capital do distrito.
Portas se fecharam e outras se entreabriram, com o ativista solitário a fazer valer os conhecimentos que tinha no concelho.
Queria derrubar a câmara municipal afeta ao Estado Novo, mas precisava de aliados.
Horas a fio, de aldeia em aldeia, foi congeminando novos planos em função das circunstâncias mais ou menos adversas que iam surgindo.
“Vamos tentar fazer uma sublevação em Condeixa”, desafiava, ao que até alguns democratas respondiam com “paninhos quentes”.
Já o sol se escondera atrás da cidade romana de Conímbriga, quando uma multidão entrou nos Paços do Concelho, movida pela fé na criatividade revolucionária de Manuel Rocha.
Com a narrativa de que um tributo aos militares do MFA iria acontecer na câmara, o futuro militante do PCP conseguiu obter as chaves do edifício e promover a mudança do executivo, do qual não faria parte.
Mais tarde, integrou a Assembleia de Freguesia de Santa Cruz, em Coimbra, eleito pela APU.
Há 50 anos, na Guarda, outro bancário afeto à Oposição Democrática, Abílio Curto, entrou na comissão administrativa da Câmara como simpatizante do MDP-CDE.
Admirador de Mário Soares, ainda em 1974 aderiu ao PS, pelo qual liderou a autarquia entre 1976 e 1995.
“A democracia portuguesa está agora em perigo”, alertou, em declarações à Lusa.
Nas recentes eleições do PS, Abílio Curto, também antigo deputado, apoiou a candidatura do atual secretário-geral, Pedro Nuno Santos.
Orgulho e desilusão
“Não temos hoje soberania e sem ela não somos livres”, disse Manuel Pires da Rocha à agência Lusa, que deu o exemplo da gestão dos mares: “Quem pesca mais da nossa sardinha não somos nós”, os portugueses.
Para este membro do PCP de Coimbra, que quatro dias após o 25 de Abril, em Condeixa-a-Nova, liderou o levantamento popular que instalou um novo executivo municipal, a Revolução dos Cravos “foi um encantamento” proporcionado pelo golpe militar do Movimento das Forças Armadas (MFA).
“Tudo aquilo que é revolucionário perde-se no tempo se não for alterada a máquina do Estado”, opinou.
Num momento em que, a nível mundial, “o homem não está a tratar a Terra convenientemente para nela sobreviver”, o antigo eleito da APU na Assembleia de Freguesia de Santa Cruz, em Coimbra, de 89 anos, lamentou, com “alguma frustração”, que Portugal esteja “numa situação próxima da que saiu” em 1974.
“Isto avança por ciclos, faz parte da dinâmica histórica”, defendeu Manuel Rocha, “sem perder a esperança” num processo de emancipação da Humanidade que permita “a criação de uma riqueza que não ofenda" o planeta.
O militante do PS Abílio Curto, de 83 anos, que durante cerca de 20 presidiu à Câmara da Guarda, considerou que “a democracia portuguesa está em perigo”, com o crescimento do número de deputados de “um partido nitidamente antidemocrático”.
Numa alusão indireta ao Chega, de André Ventura, que definiu como “partido de um homem só”, Curto disse à Lusa que a Constituição da República, sujeita a várias revisões desde 1976, “é clara ao não permitir a criação de partidos fascistas”.
Na Guarda, “cerca de 90% dos eleitores chegaram a votar no PS”, mas os socialistas, nos últimos anos, “acabaram por perder a hegemonia” de outrora no concelho.
Ambos atingidos por “casos e casinhos”, os dois maiores partidos, PS e PSD, “acharam-se donos da democracia”, criticou o militante da Guarda.
E em geral, na sua ótica, as forças políticas “não foram capazes de transmitir aos jovens o que foi a ditadura e o 25 de Abril”.
"Porém, não temos nenhum regime melhor do que a democracia”, preconizou Abílio Curto, que chegou a acumular as responsabilidades de autarca com as de deputado.
Jaime Soares, 81 anos, esteve na Câmara de Vila Nova de Poiares de 1975 a 2013. Foi eleito para 10 mandatos consecutivos pelo PPD-PSD, a partir de 1976, e intercalou igualmente o trabalho autárquico com funções parlamentares na Assembleia da República.
Em jeito de balanço, o também antigo jogador de futebol, “bombeiro desde a juventude”, salientou à agência Lusa que o 25 de Abril possibilitou “uma realização fantástica” a vários níveis no município por si liderado perto de 40 anos.
O PS conquistou a Câmara pela primeira vez em 2013, com a eleição de João Miguel Henriques, que se mantém na presidência.
Só que Coimbra “foi sempre madrasta dos concelhos vizinhos”, incluindo Poiares, considerou, exigindo, em alternativa à estrada da Beira (EN17), uma nova ligação de Poiares à capital do distrito, à A13 e ao IP3.
“Sinto grande orgulho naquilo que os poiarenses fizeram depois do 25 de Abril”, declarou Jaime Soares.
Rejeitou ainda uma eventual "lei do compadrio na governação autárquica", ao recordar o longo tempo em que os conterrâneos o investiram como “gestor a prazo” do concelho.
Comentários