A investigação qualitativa, com uma amostra de 20 pessoas que modificaram o corpo e 20 profissionais de modificações corporais, indica que os motivos para mudar o corpo são muitos, desde logo por gosto ou estilo pessoal: “Gosto da ideia de acrescentar algo ao meu corpo”.
Ter marcas com significado pessoal é outra das razões elencadas na investigação da autoria de Marta Rodrigues, com a orientação de Zélia Teixeira, da Universidade Fernando Pessoa.
“Mostrar que não sou apenas aquilo que os outros querem que eu seja, que a sociedade quer”, a influência de um determinado contexto, a associação à música, tatuagem como arte, ou a identificação com um estilo de vida, são outros dos motivos.
Em declarações à agência Lusa, Arnaldo Galvão, tatuador na cidade do Porto e conhecido pelo nome artístico de Kisto, concorda que as motivações “são tantas como as pessoas que existem”.
“Pode ser qualquer motivo. A maior parte das vezes marcam fases da vida (…), podem ser cenas espontâneas. Pode ser moda, que não faz grande sentido, mas acontece”, mas também podem haver motivações políticas, estéticas ou musicais, exemplificou.
A tatuagem é uma das modificações corporais com mais “popularidade”, o que faz com que as pessoas adiram de forma mais espontânea e menos pensada ou mais irrefletida”, considera aquele tatuador que assume ter já recusado alguns trabalhos.
“Recuso principalmente em casos de miúdos a querer tatuar o pescoço. (…) Depois há as questões ideológicas, já recusei algumas suásticas”.
O perfil de pessoas que opta por fazer algum tipo de modificação corporal é igualmente “muito variado” e a idade oscila entre os 25 “até aos 80 e tal anos”, refere Kisto.
Leandro Alves, 29 anos de idade e com dezenas de tatuagens espalhadas pelo corpo, contou à Lusa que deveria ter 16 anos quando decidiu fazer a sua primeira tatuagem. Foi depois de ler um livro do ‘Senhor dos Anéis’, onde viu a frase “Nem todos os que vagueiam estão perdidos”.
“Aquilo na altura, em que andava meio perdido e a vaguear, fez todo o sentido e decidi fazer”, disse. Sobre se há arrependimento, Leandro Alves diz que não, mesmo naquelas tatuagens relacionadas com a ex-namorada, porque é uma marca que simboliza um período da vida específico.
A dor ser apenas um obstáculo que se tem de ultrapassar para obter a modificação corporal é outra conclusão que surpreendeu os investigadores da Universidade Fernando Pessoa.
No mundo das alterações corporais, a dor é compreendida como um “meio para atingir um fim que muito se deseja”, explicou à Lusa a autora da tese.
“O impulso de marcar o corpo e o significado que lhe é atribuído não está associado à procura de qualquer tipo de prazer através da dor. A dor surge num ato consentido e suportado por motivações várias que lhe conferem significado, é uma dimensão consciente, voluntária e efémera”, explicou Marta Rodrigues.
Estar uma hora, duas ou três a ser tatuado, a certa altura faz com que a dor entre quase num registo de “desvalorização” e “desqualificação”, refere, por seu turno, Zélia Teixeira, coordenadora do 1.º Ciclo de Psicologia Universidade Fernando Pessoa e orientadora da tese de doutoramento “O Corpo como Objeto de Marca(s): Modificações corporais e a procura de significado num território não demarcado”.
Os 20 usuários de modificações corporais que foram entrevistados para a investigação académica referiram que o sacrifício está “muito pouco presente” no momento da alteração corporal.
Mesmo no caso das perfurações e das suspensões (em que se é pendurado por ganchos em cordas), modificações corporais extremas, não definitivas, mas que deixam marcas e cicatrizes, a experiência é vivida num “registo quase de ritual de ultrapassagem para outro nível mais exigente”, acrescenta aquela especialista.
O tatuador Kisto diz que haverá muito pouca gente a deixar de fazer modificações corporais por causa da dor.
“Digo isso mesmo em relação a mim, cada vez me custa mais, cada vez me dói mais e vou continuar a fazer”, conta, referindo que, no seu caso, as tatuagens que faz estão mais ligadas a pessoas e ao trabalho de colegas.
Leandro Alves, que tem mais de um terço da pele tatuada, assume que quando está a doer faz “aquela cara feia” ou diz um “palavrão”, porque é “desconfortável”, contudo tenta distrair-se a ler um livro ou estar no telemóvel e consegue aguentar três horas ou mais seguidas a ser intervencionado.
[Por Cecília Malheiro (texto) e André Sá (vídeo), da agência Lusa]
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