Em Espanha, há 78 mil localidades com menos de 100 habitantes, num país onde 30% do território concentra 90% da população, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística citados pelo jornal ‘El Diario’.

“A zona com a situação mais dramática, abaixo de oito habitantes, é a franja com Portugal e a Serrania Celtibérica – do oeste de Castellón ao leste de Burgos, passando por Teruel, Cuenca, Guadalajara e Soria -, esta última apelidada ‘Lapónia do Sul’”, acrescentou o jornal.

Desde as eleições deste domingo, no entanto, uma destas províncias ganhou assento no parlamento: Teruel. O “movimento de cidadãos” Teruel Existe, fundado em 1999, concorreu pela primeira vez às eleições gerais e arrecadou 19.696 votos, o suficiente para garantir ao líder Tomás José Guitarte Gimeno um dos 350 lugares do congresso espanhol.

O movimento foi a primeira força política na província, ficando à frente do vencedor nacional, os socialistas do PSOE, por cerca de mil votos. O terceiro deputado regional foi para o Partido Popular, que arrancou pouco mais de 17 mil votos.

Teruel existe. Com uma densidade populacional abaixo das dez pessoas por quilómetro quadrado — em Portugal, os concelhos de Ourique, Avis, Idanha-a-Nova, Mértola e Alcoutim tinham todos valores médios de indivíduos por quilómetro quadrado abaixo dos 8 — a província queixa-se há vinte anos de andar esquecida nos corredores de Madrid.

"A minha primeira iniciativa parlamentar será um pacto pelo equilíbrio territorial", disse Tomás Gimeno ao jornal El País.

O deputado eleito diz que não de esquerda nem de direita e apoiará qualquer solução que permita desbloquear a situação política espanhola. No entanto, avisa, "não viemos ser meros espetadores".

Em entrevista à agência Lusa dias antes das eleições deste domingo, Sergio del Molino, autor do livro “La España Vacía” (“A Espanha Vazia”, em tradução direta, sem edição em Portugal), que em 2016 foi considerado livro do ano para várias publicações daquele país e desencadeou um debate alargado sobre o tema que ainda perdura, confirmou haver uma preocupação política com estes territórios, mas sem estar “bem concretizada ainda”.

“Há muitos apelos, mas poucas medidas efetivas. O PSOE, que impulsionou uma espécie de plano, até anunciou um ministério específico para o repto demográfico. Há uma preocupação real, mas creio que não se concretizou nos planos o que se vai fazer agora que não se tenha feito antes”, afirmou à Lusa, desde Madrid, del Molino.

Segundo o escritor e colunista do 'El País', “a questão colocou-se sempre em termos de investimentos públicos, de infraestruturas e não parece que se esteja a preparar outro tipo de questões mais profundas, como a reativação da economia em muitas destas zonas”.

“Há uma preocupação generalizada entre todos os partidos, incluindo o Vox, além do oportunismo. Outra questão é que não se concretizou nada, nem creio que se possa concretizar. Creio que, por muito que Pedro Sánchez anuncie que vai criar um ministério, por muito que se anunciem planos específicos, não consigo ver onde estão os limites e as capacidades da ação política para reverter um problema que é muito superior ao que está disposto a admitir qualquer Governo”, declarou o escritor.

Sérgio del Molino não acredita que a “Espanha Vazia” tenha, em si, uma consciência política, apesar dos coletivos e associações que a dizem representar e que já chegaram a organizar manifestações em Madrid.

Para o escritor, a “Espanha Vazia” é mais “objeto do que sujeito” numa mudança de sensibilidade que está a acontecer em Espanha.

“Há um enfoque posto nessa realidade, nesse desequilíbrio demográfico e nessa consciência do esvaziamento [demográfico], mas creio que, apesar de algumas plataformas cidadãs que adquiriram um protagonismo muito destacado nos últimos três anos, estão longes de ter um discurso político que tenha uma certa coerência e um peso, que tenha um projeto político”, referiu o escritor.

Segundo o autor, o que está a acontecer é a utilização “de forma muito difusa e muito confusa” dos problemas e reivindicações históricas da chamada “Espanha Vazia” como “argumento eleitoral”, incluindo “dentro dos programas políticos de uma forma transversal porque é um assunto que chega a todas as camadas da população espanhola”.

No seu ensaio, del Molino escreveu: “Há duas Espanhas, mas não são as [do poeta Antonio] Machado. Há uma Espanha urbana e europeia, indistinguível em todos os seus rasgos de qualquer sociedade urbana europeia, e uma Espanha interior e despovoada, a que chamei Espanha vazia. A comunicação entre ambas foi e é difícil. Por vezes, parecem países estrangeiros um ao outro. A Espanha urbana se entende sem a vazia. Os fantasmas da segunda estão nas casas da primeira”.

As eleições foram convocadas em setembro pelo rei de Espanha, depois de constatar que Pedro Sánchez não conseguiu reunir os apoios suficientes para ser investido primeiro-ministro pela maioria absoluta dos deputados ou, numa segunda volta, apenas pela maioria simples.

*Com Lusa