Diário de quarentena por Patrícia Reis. Dia 12


Então, o que te faz mais falta?

A pergunta foi feita por mensagem escrita, e o “então” pareceu-me quase uma ameaça e ponderei na resposta.

Para ser sincera, o que me faz falta são as pessoas, já se sabe, mas tirando da equação as pessoas que amo, até porque isso me levaria para caminhos profundamente lamechas, é a possibilidade de fazer o que me der na real gana, seja ir ao teatro ou à ópera, comprar isto ou aquilo. Liberdade de movimentos. De resto, confesso que não estou mal em casa, estou até muito bem. Conseguimos estar juntos sem nos atropelarmos, trabalhamos todos em espaços distintos e ninguém se interrompe. Fazemos as refeições à mesa e ouvimos música. Não falamos muito sobre o vírus, falamos o mínimo indispensável. A mesa é um lugar de partilha e de afecto, deve ser recheado de coisas boas.

Da janela da minha sala, vejo as árvores incríveis de um jardim. A multiplicidade de tons de verde e castanho anima-me. Na varanda oiço pássaros e estou em Lisboa. Na avenida não se vislumbra um único carro. Vejo um senhor que carrega um saco de compras e penso na roda de solidariedade que está instituída entre vizinhos. É comovente e é maravilhoso, mas lá estamos nós nos afectos.

Às vezes, tenho dificuldade em concentrar-me, já o disse e repito, mas a verdade é que sinto que trabalho mais do que era habitual. O dia parece ter mais horas. Não perco tempo em trânsito e almoços de trabalho, actividades variadas. Estou aqui. Como milhares de portugueses, à espera de que tudo passe, à espera de sobreviver a estes dias. E rezo, rezo para termos protecção, para conseguirmos ser melhores. Rezar também é lamechas, dizem-me. Paciência. Deve ser muito solitário não acreditar em nada que nos transcenda.