É difícil fazer rapidamente as contas para o país inteiro e será preciso esperar pelo relatório do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). Há muitas estações para acompanhar, mas por agora Lisboa terá de servir.
Há, contudo, boas razões para usarmos a capital: 30% da população vive na sua área metropolitana, que fica aproximadamente no centro do litoral do país, e também podemos ter em conta que a maioria das cidades portuguesas é quase costeira. Vejamos então o que nos dizem os dados.
A média das máximas foi, com 29 dias contados, de 25,37 graus; a média das mínimas foi de 15,92 graus. Estes valores batem quase em cheio nas normais climatológicas: 25.7 e 16,7 – um mero meio grau abaixo dos valores 1981-2010, um pouco acima dos valores 1971-2010. A precipitação foi um pouco superior à média, mas nada de espantoso: caíram menos de 27 mm (ou menos de 27 litros por metro quadrado) no Instituto Superior Técnico. Queixamo-nos muito por muito pouco, ou será que não?
Maio também foi frio, garantiu-se. Nevou na Serra em algumas ocasiões, houve frio a valer nas cidades do interior, com várias tardes na ordem dos 12 ou 15 graus, e nas cidades mais frias houve grande desconforto térmico. Saiu há duas semanas o boletim de maio e eis que o mês foi ligeiramente mais quente que as normais de 1981-2010, com a precipitação a ficar pela metade do esperado. Teremos então surpresas em junho ou é a nossa memória a pregar-nos partidas?
A atmosfera é caótica, uma matriz de muitas entradas. Conforme diz a canção, «tão depressa o Sol brilha/Como a seguir está a chover», e não apenas na Primavera da vida. Conforme sucede na juventude, rapidamente esquecemos um desgosto se a seguir nos apaixonarmos novamente. E a ciência também nos diz, por exemplo, que num período de férias, se os últimos dois ou três dias forem muito felizes, a recordação será sempre muito feliz. Infelizmente, existe vice-versa a esta situação, mas fica aqui também um grande truque para pais, filhos, amantes e amigos no que respeita àquilo de que nos lembramos. No fundo, é a vida a acontecer.
Aprendemos na escola que a Península Ibérica se comporta como um mini-continente. O interior tem caraterísticas continentais, o litoral oeste tem caraterísticas oceânicas e as costas mediterrânicas e sul têm caraterísticas mediterrânicas. Muitas vezes, especialmente no verão, a temperatura mais baixa da Europa é registada em Espanha, e por vezes mesmo em Portugal. Frequentemente, os planaltos transmontanos e de Castela são das regiões mais desconfortáveis da Europa.
Afinal este mês de junho, que juramos «anormal», teve tudo para ser um mês típico.
Há diversos registos de intempéries invernais em pleno verão. Claro que muitas vezes se confundiu neve com granizo, e muitos relatos de jornais antigos, apesar de bem-intencionados, são completamente apócrifos. Já se noticiou um nevão em Guimarães no dia 24 de Agosto de 1850 e setenta graus positivos em Coimbra. Hoje em dia, com as comunicações e o olho clínico dos observadores meteorológicos, é mais difícil haver enganos. E este junho, que juramos «anormal», teve tudo para ser um mês típico.
A ciência da meteorologia é hoje muito mais certeira que há trinta anos. Há mais registos, maior rigor nos registos e maior possibilidade de aceder aos registos passados, que são muito mais rigorosos que as nossas memórias e por vezes nem sabemos bem o que fizemos no verão passado. As alterações climáticas são ciência constituída e não adianta pensar que estes dias menos tórridos que aquilo que temos na memória será um prolapso temporal e que a catástrofe global deixou de impender sobre nós.
Daqui a dois meses teremos quase todos as férias grandes vividas. Mais umas, que estas serão as de 2024. Estaremos felizes e saciados, contentes com a vida e com vontade de nos desunharmos para mais uma rentrée.
O verão será muito quente. Não há volta a dar e o Mediterrâneo está a ferver. Haverá canículas, tempestades e grandes escaldões. E, infelizmente, muitos incêndios.
Os boletins globais continuarão a dar-nos conta do «(preencher com um mês qualquer) mais quente de sempre». Isto um dia tem de dar a volta, senão acabam-se as Férias Grandes duma vez.
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