“Passado pouco tempo, deixei de ver as setas”, contou Marc à Lusa enquanto descalçava os ténis para descansar num café em Alpriate, concelho de Vila Franca de Xira, onde se encontra o primeiro albergue de peregrinos após a saída de Lisboa, a 22 quilómetros.
Em dez anos, há 11 vezes mais peregrinos a sair de Lisboa: os 219 de 2007, passaram a 2.474 em 2017, segundo dados da Oficina do Peregrino de Santiago de Compostela, em Espanha.
A falta das setas amarelas, a indicação de que se segue o trajeto correto e que se tornou um símbolo do caminho de Santiago, levou a Associação de Peregrinos Via Lusitana a entregar, junto com as credenciais do peregrino que emite, e que são levantadas na Sé de Lisboa, folhetos informativos do percurso dentro da cidade.
O peregrino belga acabou por voltar a encontrar as setas amarelas já junto à foz do rio Trancão, no concelho de Loures, por onde o caminho segue, numa paisagem rural que subsiste entre a cintura industrial de Lisboa.
“Da Sé à saída da cidade, o caminho está mal marcado. Já fizemos um levantamento de todas as esquinas em que fazia falta uma seta”, afirmou à Lusa José Luís Sanches, da Associação Via Lusitana, que trabalhou com a Região de Turismo de Lisboa e Vale do Tejo nesse projeto de marcação, que ainda não se concretizou.
A Câmara da capital respondeu à Lusa que “a sinalética do percurso do Caminho de Santiago dentro da cidade de Lisboa está em estudo pelos serviços” da autarquia.
A sinalização é atualmente a principal preocupação da associação relativamente ao cuidado com os peregrinos que saem de Lisboa, depois de há três anos ter conseguido abrir o albergue de Alpriate, perto de Vialonga, acessível a peregrinos munidos de credencial entre março e outubro.
“Havia um vazio, as pessoas depois de Lisboa só tinham onde dormir, em Alverca, em pensões privadas e que ficam um quilómetro fora do caminho”, explicou José Luís Sanches.
É difícil determinar o que provoca o crescimento de peregrinos no caminho português a partir de Lisboa, mas as melhores condições de hospedagem serão um dos fatores, com mais albergues e outras soluções económicas.
Estão já desatualizados os mapas do caminho português nos quais, entre Lisboa e o Porto, as opções de pernoita assinaladas eram essencialmente quartéis de bombeiros, como no guia de 2006 editado pela Asociación Galega Amigos do Camiño de Santiago.
Em Alpriate, o albergue oferece 12 camas e a disponibilidade de voluntários que, como Natércia, foram ajudados no caminho e querem retribuir.
“Teve muito a ver com os voluntários com que me cruzei. Teve a ver essencialmente com o acolhimento muito especial que recebi em Saint Jean Pied de Port, a primeira vez, há muitos anos”, conta.
A associação, que tem falta de voluntários para o albergue, programa uma formação para hospitaleiros, no início do próximo ano.
Entre os primeiros mil peregrinos recebidos em Alpriate, um número redondo alcançado em setembro passado, só oito foram portugueses. Italianos, espanhóis, norte-americanos, franceses e alemães ocupam os cinco primeiros lugares da lista, afixada com destaque no café local.
Luísa Sousa foi das primeiras pessoas a pernoitar em Alpriate e sentiu “o carinho da comunidade” que vive em torno do pequeno largo de casas térreas onde fica o albergue de peregrinos, mas também da população ao longo de todo o caminho.
“No caminho a partir de Lisboa é muito raro encontrarem-se portugueses. As pessoas aproveitavam para poder perguntar coisas sobre a peregrinação, em português”, contou à Lusa, lembrando oferendas de laranjas e de “broas acabadas de fazer”.
Autora do livro “Um caminho para todos – diário de uma peregrina no caminho de Santiago”, Luísa conta que os peregrinos que saem da capital normalmente já fizeram outras peregrinações a Santiago, são estrangeiros atraídos pela promessa do bom tempo, boa comida e espírito hospitaleiro dos portugueses.
Marc Devloo acrescenta o fator económico: “Portugal ainda é barato”, conta este “viciado do caminho”.
Desempregado, Marc está a fazer o terceiro caminho em 14 meses, num total de quatro peregrinações. Já conhecia Lisboa e aproveitou a véspera da partida para fazer uma única visita, ao cemitério dos Prazeres, concretamente à campa do fadista Alfredo Marceneiro.
“Sair de Alfama ao nascer do dia foi um dos melhores momentos da minha vida no caminho de Santiago”, contou à Lusa, com os olhos brilhantes, antes de prosseguir caminho.
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