A Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) falhou esta semana o prazo legal de 90 dias úteis para a publicação dos resultados provisórios do concurso de atribuição de bolsas de doutoramento. Fonte oficial admite o atraso, mas afirma que a data dos resultados definitivos se mantém a 30 novembro. 3.797 candidatos estão à espera para saber se ficam com uma das 1.350 bolsas disponíveis este ano.

No início de agosto, aquando do lançamento do crowdfunding de António Rolo Duarte e da polémica sobre as suas declarações, a agência tutelada pelo ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior desmentia eventuais atrasos e afirmava que os resultados provisórios deveriam ser conhecidos o mais rápido possível.

Um mês depois, a FCT admite que não conseguiu divulgar os resultados provisórios devido a atrasos nas reuniões dos avaliadores que classificam as propostas de investigação.

"A FCT está a informar os candidatos que vão contactando com a instituição de que prevê que até ao dia 30 de setembro possa fazer a divulgação dos resultados provisórios", conta ao SAPO24 fonte oficial da instituição.

Acima de tudo, a agência quer tentar garantir que "os resultados finais, que são os que contam para a atribuição da bolsa, e que a FCT tinha previsto desde o início para o dia 30 de novembro, continuem na meta fixada".

"É inadmissível que isto aconteça — acho que essa é a palavra que tem de ser usada, porque não foi só este ano, estes atrasos são recorrentes", afirma Bárbara Carvalho, presidente da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC).

A representante dos bolseiros diz que "é sempre possível confiar" neste novo compromisso da FCT, mas alerta que "a confiança é sempre com alguma relutância, algum receio, porque a confiança muitas vezes sai ao lado".

"Todos os anos é pedida confiança para um concurso, para outro concurso... E essa confiança é sempre furada, porque os resultados acabam por se atrasar, tudo se atrasa. Sobretudo, atrasam-se as vidas das pessoas."

Legalmente, a fundação tem 90 dias úteis, após o fim do prazo de candidaturas, para divulgar os resultados provisórios do concurso. Com este resultado, os investigadores cujos projetos sejam aprovados para financiamento podem começar a preparar-se para a contratualização, que acontecerá apenas após os resultados finais.

O prazo para a publicação dos resultados definitivos — já após o tempo que os candidatos têm para contestar o concurso — estende-se este ano até novembro (10 dias úteis para reclamar + 60 dias úteis para a FCT se pronunciar). No ano passado, os resultados definitivos foram publicados a 30 de outubro e em 2018 a 20 de novembro.

Bolseiros dizem que não faz sentido os resultados saírem depois do início do ano letivo

Inicialmente previsto para o início de agosto, o prazo para a publicação da lista provisória de projetos financiados foi empurrado para setembro, depois de os candidatos pedirem o alargamento do tempo para a submissão de candidaturas, devido à pandemia da covid-19, o que aconteceu, em março, tendo o prazo para a apresentação dos documentos sido prorrogado para 28 de abril (inicialmente, estava previsto terminar logo no dia 31 de março).

Em agosto, fonte oficial da FCT garantia, então, ao SAPO24 que "todo o processo [estava] a decorrer dentro da normalidade, e de modo similar ao que se passa todos os anos".

"Apesar da prorrogação de um mês de candidaturas, a FCT apresentará os resultados aos candidatos dentro dos prazos que têm pautado este concurso nos anos anteriores", sublinhava ainda a mesma fonte, num altura em que a instituição não tinha, aparentemente, ainda dado conta de que algumas reuniões viriam a ser adiadas.

No início de agosto, Bárbara Carvalho confirmava também que não havia informação sobre eventuais atrasos no processo deste ano — e esperava que os resultados, "apesar da prorrogação, [pudessem] sair com a maior brevidade possível, para que todos possam começar o ano letivo em condições, com remuneração".

O processo depende de 36 painéis de avaliadores, que têm de reunir para apresentar os resultados. Em agosto, pouco mais de metade dos encontros já estavam feitos, mas não terá sido possível concluir os restantes dentro do prazo.

A fundação admite dificuldades no agendamento das reuniões dos painéis de avaliação. Com os encontros a acontecer por videoconferência, este ano, e dado o contexto da pandemia, houve uma maior flexibilidade para se fazerem ajustes de agenda, tendo em vista que "a FCT nunca compromete a avaliação científica por uma questão de cumprimento de prazos administrativos. Todos os avaliadores se esforçaram por ajustar as suas agendas no processo avaliativo.”

Porém, o adiamento destas reuniões não chega para justificar o atraso, porque "isso deve estar tudo precavido", lembra a presidente da ABIC. "A grande questão é que estes atrasos são sistémicos. No caso das bolsas de doutoramento, podem significar semanas ou meses".

Já a fonte da FCT garante que "este atraso dentro da planificação não está a comprometer a previsão de os resultados finais saírem no dia 30 de novembro.". Quanto aos provisórios, "há um prazo, mas o prazo é sempre uma coisa indicativa", diz, remetendo para o Código do Procedimento Administrativo. "Uma instituição pública nunca pode comprometer os resultados por uma questão de prazos", afirma.

"O processo está a decorrer, não há nada que justifique que se diga que a FCT falhou o prazo. Esta fase não indica à pessoa que ela tem uma bolsa, indica que há um dado provisório que ela está indicada para a atribuição de bolsa — mas que depende do resultado final, ou, pelo menos, de um parecer final da instituição, em que diga de facto que aquela pessoa foi contemplada pela atribuição da bolsa", esclarece.

Mas Bárbara Carvalho alerta que "não é bem assim". Ao telefone, a dirigente explica que "quando saem os resultados provisórios, os bolseiros ficam, não só à partida com uma ideia daqueles que serão os resultados definitivos, como, os bolseiros a quem seja atribuída uma bolsa podem começar a enviar os documentos todos necessários para a contratualização — e isso são processos também morosos".

"Muitas vezes há enganos, envia-se para trás. Até à assinatura do contrato em si, também há depois um período que demora algum tempo. Estes resultados [provisórios] permitem que os bolseiros comecem a tratar desse processo todo."

"Se quisermos pôr a tónica nos resultados definitivos, esses resultados teriam de estar publicados antes de o ano letivo começar, porque se as bolsas podem e devem começar em setembro, para aqueles que vão agora começar os seus doutoramentos, não faz sentido que os resultados saiam depois de setembro", afirma ao SAPO24.

O regime de bolseiro obriga à exclusividade dos rendimentos, pelo muitos dos candidatos "estão a rescindir agora os seus contratos, vão rescindir os contratos, não se estão a candidatar... Estão a aguardar".

São 3.797 pessoas com as vidas suspensas, diz ainda Bárbara Carvalho: "de facto, é isso que está a acontecer e a FCT, ao não precaver esses atrasos nos painéis e etc, está a secundarizar os candidatos, não está a pôr a tónica na vida destas pessoas — que já de si é tão precária, porque têm uma bolsa e vão ter uma bolsa, sem direitos nenhuns, e nem a isso conseguem aceder no tempo que estava delimitado e previsto inicialmente".

As queixas quanto aos atrasos da FCT, nos seus diversos concursos, não são novas e têm sido denunciadas por associações e bolseiros. Todavia, até esta quinta-feira não houve indicação oficial de que o processo pudesse estar a correr mal no Concurso para Atribuição de Bolsas de Investigação para Doutoramento de 2020. A instituição, contudo, explica que está agora a dar estas novas indicações aos candidatos a bolsa que a contactem.

(Artigo atualizado às 12:26 de 6 de setembro com novos esclarecimentos da Fundação para a Ciência e a Tecnologia sobre a contratualização e o controlo das reuniões)