Janeiro começou com uma greve de maquinistas da CP. Em Fevereiro, o Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses (SMAQ), o Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário (SNTSF) e o Sindicato Ferroviário da Revisão Comercial Itinerante (SFRCI) convocaram greves que abrangem o período de 8 a 21 de fevereiro.
A greve dos trabalhadores da CP, se por um lado gera compreensão entre aqueles que partilham da sua luta por salários que façam face à inflação, por outro provoca também muito desgaste entre cidadãos que veem a sua vida profundamente condicionada. O que está realmente a ser reivindicado pelos trabalhadores? E o que já foi conseguido?
Salários que não acompanham a inflação
Como adiantou o SFRCI, ao SAPO24, os trabalhadores da CP têm sentido muito o efeito da inflação, que agora se agrava com o aumento das prestações das casas. “Há salários base que começam nos 760€ e que vão no máximo até aos 983€ ao fim de 30 anos”.
De facto, os dados do Boletim do Trabalho e Emprego de 2022 mostram-nos que o salário de um assistente comercial varia entre os 760€ e os 880€. O salário base de um operador de manobras é de aproximadamente 745€, e o de um maquinista de aproximadamente 957€, podendo chegar aos 816€ e aos 984€ respetivamente.
Já os técnicos comerciais, de material e de transportes I, e os inspetores chefe de tração, têm um salário que varia entre, aproximadamente, 1468€ e 1675€.
Ora, a resposta que foi dada aos trabalhadores, na proposta de atualização salarial para 2023, propunha um aumento global de 4% dos seus salários, ou um aumento médio na carreira de 3,89%. Segundo o SMAQ, isto é inaceitável "face à inflação média registada em 2022 que foi de 7,8%".
O SNTSF partilha desta opinião."As reuniões de negociação nas empresas públicas do sector ferroviário, caracterizam-se por propostas que significariam nova redução do poder de compra, que conjugada com a perda no ano passado seria na ordem dos 10%".
Deste modo, como confirmou o SMAQ ao SAPO24, o primeiro grande objetivo das greves da CP é o aumento salarial efetivo dos trabalhadores, bem como a sua valorização.
"Queremos esclarecer a população, que os funcionários ferroviários não são funcionários públicos, são trabalhadores especializados, de laboração continua, trabalham 40 horas semanais e estamos perante uma situação que por via do congelamento e aumento do salário mínimo nacional, temos trabalhadores especializados que nos próximos dois anos vão ter como salário base o salário mínimo nacional. Isto é dramático”, explicou o sindicalista Luís Bravo, da direção do SFRCI, à Lusa.
Luta por melhores condições de trabalho e segurança
Além da valorização salarial, os trabalhadores reivindicam melhores condições de trabalho e de segurança. De acordo com o SMAQ, a empresa foi incapaz de resolver estas questões até agora.
Os trabalhadores da CP reivindicam, em primeiro lugar, mais condições de segurança, tanto nas linhas como nos parques de resguardo material motor. Reivindicam também uma "melhoria das condições de trabalho nas cabines de condução e instalações sociais".
“Nós convivemos todos os dias com os utentes nos comboios e sentimos a falta de policiamento, especialmente nas áreas urbanas de Lisboa e Porto. Neste momento, a partir das 21:00 é raro ver-se um agente nos comboios e estações. Há um sentimento de insegurança por parte dos utentes e também não para de aumentar o número de agressões a trabalhadores”, explicou Luís Bravo à Lusa.
Além disso, é exigida uma "humanização das escalas de serviço". São pedidas "horas de refeição enquadradas", uma "redução dos repousos fora da sede" e um "reconhecimento e valorização das exigências profissionais e de formação dos maquinistas pelo novo quadro legislativo".
E, por último, é pedido um protocolo que acompanhe psicologicamente os "maquinistas em caso de colhida de pessoas na via e acidentes".
O ano muda, mas as reivindicações mantêm-se
No dia 16 de maio de 2022 foi feita uma greve pelos trabalhadores da CP, em defesa de aumentos salariais de 90 euros para todos os trabalhadores. Havia-lhes sido aplicada uma atualização de 0,9%, tal como foi imposto a todo o Setor Empresarial do Estado e Administração Pública.
Para os trabalhadores, o "aumento salarial de 0,9% significa, na prática, mais um ano sem aumento dos salários, com a agravante de acontecer num ano em que o custo de vida aumenta de forma galopante", dissera José Manuel Oliveira, coordenador da Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações (Fectrans) à Lusa.
No dia 23 de maio de 2022 decorreu uma greve parcial na zona urbana do Porto, e em Lisboa a 27 do mesmo mês. O SFRCI considerou que o aumento de 0,9% da tabela salarial não é "um valor aceitável" face à contínua perda de poder de compra, "algo que já acontece desde 2019".
"A administração da CP e as tutelas continuam indiferentes ao brutal aumento do custo de vida, com uma taxa de inflação de 7,2%, que poderá ser superior a 10%. Isto significa que num salário de 1.000 euros os trabalhadores perdem 72 euros mês, se for de 10%, significa que os trabalhadores vão perder 100 euros por mês", já dizia Luís Bravo em maio do ano passado à Lusa.
No dia 30 de novembro de 2022 foi realizada uma greve de 24h em conjunto com os trabalhadores da Infraestruturas de Portugal com, uma vez mais, o objetivo de mitigar a perda de poder de compra. Em dezembro, uma plataforma de vários sindicatos que representam os trabalhadores da CP convocou uma greve para os dias 23 e 26, exigindo "um prémio financeiro que compense a perda do poder de compra verificado no ano 2022". Começámos o ano de 2023 com uma greve entre 3 e 6 de janeiro, e assistimos agora à mesma luta, com as mesmas reivindicações, numa greve que está prevista até 21 de fevereiro.
Segundo Dora Fonseca, psicóloga e doutorada em Sociologia no Centro de Estudos Sociais, o objetivo da greve é sempre o mesmo: forçar a CP a ouvir as reivindicações dos trabalhadores. "A questão é que a CP não tem sido favorável, não tem cedido no palco de negociações, pelo menos não tanto como os trabalhadores gostariam".
"Até agora estas greves não têm obtido sucesso a nível salarial", adianta a especialista, acrescentando que "se nota um elevado desgaste da população. Já começam a ser muitas greves. Há uma parte da população que compreende os objetivos desta greve, porque o que o que os trabalhadores da CP reivindicam grande parte da população reivindica também. Mas, ainda assim, influencia muito o dia a dia".
"As reivindicações são absolutamente legítimas, e são reivindicações que outros grupos profissionais também têm, e que são entendidas pelo conjunto da população", conclui a especialista. "Isto é um jogo de forças, depende de até que ponto a CP está disposta a ceder, qual é a margem de manobra que tem, e até que ponto os trabalhadores estão dispostos a ir".
*Pesquisa e texto pela jornalista estagiária Raquel Almeida. Edição pela jornalista Ana Maria Pimentel.
*Com Lusa
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