E o que são as alergias? Na prática é uma resposta ou reação do sistema imunitário a um contacto com um estímulo exterior, que afeta todas as faixas, sendo estas patologias frequentemente crónicas que podem afetar vários órgãos.
Ano após ano, portanto, este dia 8 serve, essencialmente, de alerta. A questão coloca-se então, tem servido de algo? Pelos dados estatísticos, aparentemente, não.
“Houve efetivamente um aumento significativo das doenças alérgicas nos últimos anos. Há cerca de 50 anos assistimos a um aumento marcado de doenças como a asma e a rinite alérgica, mas este aumento estabilizou nos últimos anos nos países desenvolvidos. Atualmente assistimos a um aumento notório da alergia alimentar, inclusivé de formas potencialmente fatais, com anafilaxia”, começa por dizer ao SAPO24 João Gaspar Marques, Imunoalergologista e vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC), destacando as alergias que mais dominam no nosso país.
“Apesar de não haver dados recentes e exaustivos estima-se que mais de um terço da população portuguesa sofre de, pelo menos, uma doença alérgica, o que equivale a mais de três milhões de pessoas. A doença alérgica mais frequente é a rinite alérgica, estimando-se atingir 30% da população portuguesa. Para além desta também a asma e a conjuntivite alérgica são outras doenças bastante frequentes. Nos últimos anos assistimos também a um aumento da frequência de dermatite atópica e alergia alimentar. Adicionalmente a estas doenças existem ainda um número considerável de doentes com alergia medicamentosa, urticária e de anafilaxia”, assinalou.
"Há cerca de 50 anos assistimos a um aumento marcado de doenças como a asma e a rinite alérgica, mas este aumento estabilizou nos últimos anos nos países desenvolvidos"João Gaspar Marques
E haverá razões para o aumento destas doenças alérgicas? João Gaspar Nunes evidencia algumas, nomeadamente nos mais jovens, que cada vez mais também sofrem com estas patologias.
“As doenças alérgicas afetam uma percentagem importante da população e apesar de haver uma componente genética importante na origem destas, o estilo de vida também influencia este problema de saúde. Nas últimas décadas, o aumento de higiene, o uso de antibióticos e a consequente diminuição de doenças infeciosas durante a infância tornou as alergias mais frequentes no mundo ocidental. Estas alterações condicionam o desenvolvimento do sistema imunitário favorecendo o predomínio de um tipo de inflamação, que promove as manifestações alérgicas em detrimento da imunidade dirigida contra agentes infeciosos essencialmente bacterianos. Outros fatores potencialmente envolvidos envolvem ainda a qualidade do ar exterior e interior, bem como o consumo de tabaco”, diz.
É comum um amigo, familiar, colega de trabalho queixar-se com os pólenes da Primavera. Os espirros aparecem e a quantidade de lenços gastos por dia são às dezenas. A dura realidade, porém, é que os tais pólenes da Primavera há muito que têm a tendência de se prolongar pelo ano. A culpa, essa, tem dono.
“As alterações climáticas promovem uma série de eventos que englobam o aumento da temperatura global e promovem ainda a poluição do ar exterior, contribuindo para eventos climáticos extremos e épocas polínicas ainda mais alargadas. O aumento da temperatura global em associação com as alterações climáticas modificou a duração das épocas polínicas, os períodos de libertação dos pólenes, a quantidade de pólenes produzidos e, em alguns casos, a sua própria composição aumentando o potencial para causar alergias. Outras alterações potencialmente relavantes são as tempestades, ciclones e inundações associadas. As mudanças provocadas no ar interior por estes fenómenos podem propiciar o desenvolvimento de fungos e ácaros do pó doméstico que se associam com o aumento da frequência e gravidade da doença alérgica respiratória”, diz João Gaspar Marques, tentando depois descrever as diferenças das formas de alergias nas estações do ano.
“Embora os sintomas da doença alérgica possam ser muito similares entre as formas de alergia mais predominantes no Inverno/Outono e Primavera, as suas causas habitualmente são distintas. Enquanto na Primavera a exposição a pólenes é um dos principais fatores envolvidos, no Outono e Inverno estes níveis polínicos são geralmente reduzidos. Relativamente às formas dominantes no Inverno/Outono estas tendem a aumentar quando passamos mais tempo dentro de casa. Existem vários alergénios comuns passíveis de atingir níveis elevados dentro das nossas casas, por mais cuidados que possamos ter. Entre estes destacam-se os ácaros do pó doméstico, os pelos de animais e os fungos”, referiu.
"As alterações climáticas promovem uma série de eventos que englobam o aumento da temperatura global e promovem ainda a poluição do ar exterior, contribuindo para eventos climáticos extremos e épocas polínicas ainda mais alargadas"
Cesariana, aleitamento materno? Sim, aumenta o risco
Ao longo dos anos, portanto, são cada vez mais os casos, seja em Portugal ou por todo o mundo. São vários os estudos que apontam causas para o aumento destas patologias, pelo que há muitas formas de as prevenir e os alertas são vários.
“A prevenção das alergias pode ocorrer em vários níveis, indo desde a prevenção para que não ocorram, até à prevenção de agravamento das queixas em pessoas que já têm alergias. Há alguns fatores identificados como associados a um aumento do risco de aparecimento de alergias, nomeadamente o parto por cesariana, a ausência de aleitamento materno, o atraso na diversificação alimentar, a exposição ao fumo de tabaco e a má qualidade do ar interior. Assim sendo, estes fatores devem ser evitados por forma a diminuir o risco de vir a ter alergias”, assinalou João Gaspar Marques, que aconselha as pessoas a procurarem o máximo de informação possível sobre a sua doença.
“Em pessoas que já têm alergias conhecidas é importante identificar com precisão os alergénios (substância que provoca ou pode provocar alergia) e evitá-los, sejam eles aeroalergénios (substância transportada por via aérea que provoca ou pode provocar alergia), alimentos. ou medicamentos. No tratamento da doença alérgica é fundamental ter uma consulta com um médico Imunoalergologista por forma a ter uma avaliação clínica pormenorizada através da qual podem ser identificados os alergénios responsáveis pelo quadro clínico e estabelecer um plano terapêutico personalizado e individualizado que pode, em algumas situações, englobar imunoterapia específica (“vacinas para as alergias”)”, revelou.
"Há alguns fatores identificados como associados a um aumento do risco de aparecimento de alergias, nomeadamente o parto por cesariana, a ausência de aleitamento materno, o atraso na diversificação alimentar, a exposição ao fumo de tabaco e a má qualidade do ar interior"
Covid-19 serviu para 'algo'
Portugal, e o resto do mundo, passou praticamente três anos pela pandemia de Covid-19. Uma doença respiratória que fechou pessoas em casa e que trouxe, para o dia a dia, as famosas máscaras. Um utensílio que, dizem os especialistas, podem ajudar bastante as pessoas que sofrem com alergias.
“Contrariamente ao que pode ser intuitivo pensar, as máscaras podem ser grandes aliadas para quem sofre de alergia, pois evitam que o pólen entre em contacto direto com a mucosa nasal, o que diminui consideravelmente as alergias cujos sintomas são corrimento nasal, espirros ou comichão no nariz e na garganta. As máscaras podem ajudar a reduzir a inalação de partículas em até 80%, o que contribui para reduzir os quadros alérgicos. Em geral, todos os tipos de máscaras são válidos para proteger as vias respiratórias, pelo que poderiam cumprir este objetivo, sendo as máscaras FFP2 as mais recomendáveis”, revela o Imunoalergologista, tentando quebrar o mito de que os doentes com alergias poderiam sofrer mais em casos de Covid-19.
“Com a pandemia, os doentes com alergia respiratória (asma e rinite alérgica) preocuparam-se com o facto de poderem ser mais suscetíveis e apresentarem um risco aumentado de contrair esta infeção por COVID-19. Já com algum conhecimento sobre esta doença, embora ainda com algumas limitações, pensa-se que esta relação não exista e os doentes com alergia até poderão ter menor risco de contrair esta infeção”, concluiu.
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