A arguição de nulidade por Ricardo Sá Fernandes, advogado de defesa de Bruno Sousa, foi expressa após o presidente do coletivo de juízes ter comunicado às partes, antes do início das alegações finais, que tinha indeferido o pedido da defesa para ouvir a consultora técnica, alegando, entre outros pontos, que era “impossível realizar uma nova perícia médico-legal ao cadáver”.
O juiz justificou, na sua fundamentação, que a audição da perita seria “apenas esclarecimentos” e seria “dilatória” relativamente ao andamento do processo em fase de julgamento.
Ricardo Sá Fernandes não se conformou com a decisão do juiz Rui Coelho e disse querer arguir a nulidade da mesma, por considerar que se tratava de uma diligência “essencial para a descoberta da verdade dos factos”, face às dúvidas suscitadas pelo relatório médico-legal realizado ao corpo de Ihor Homeniuk no Instituto Nacional de Medica Legal (INMLCF), as quais, disse, “violaram normas” relativas à forma como se deve fazer uma autópsia.
Quer a procuradora Leonor Machado, quer o assistente da família de Ihor Homeniuk no processo, contrapuseram, a favor do juiz Rui Coelho, que não ocorreu qualquer nulidade com aquele despacho do tribunal.
Durante as alegações finais, o advogado da família de Ihor Homeniuk, o cidadão ucraniano que morreu nas instalações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no aeroporto de Lisboa, pediu a condenação dos três inspetores desta força de segurança pelo crime de homicídio qualificado que consta da acusação.
José Gaspar Schwalbach discordou da eventual conversão do crime de homicídio qualificado de que os inspetores estão acusados num crime de ofensa à integridade física qualificada, agravada pelo resultado (morte), mudança da alteração da qualificação jurídica do crime que antes o MP aceitou, após os juízes, na semana passada, terem avançado com essa ponderação.
Hoje, o MP pediu a condenação dos inspetores acusados a penas de prisão entre os oito e os 16 anos, salientando que Ihor Homeniuk morreu por asfixia lenta, na sequência das agressões a pontapé e com bastão por parte dos acusados, e por ter sido deixado algemado com as mãos atrás das costas e de barriga para baixo, mas aceitando deixar o crime de homicídio qualificado, cuja pena máxima é de 25 anos.
Tendo em conta o grau de culpa de cada um dos inspetores do SEF acusados, a procuradora Leonor Machado pediu, nas alegações finais do julgamento, para os arguidos Duarte Laja e Luís Silva uma condenação dentro de uma moldura penal entre 12 e 16 anos de prisão, mas de preferência não inferior a 13 anos.
Quanto ao arguido Bruno Sousa, a procuradora entendeu que o seu grau de culpa foi menor, por ter sido influenciado pelos restantes arguidos, pedindo uma condenação a uma pena de prisão não inferior a oito anos.
Menos benevolente do que o MP na apreciação do ocorrido, José Gaspar Schwalbach lembrou os pormenores mais chocantes relatados pelas testemunhas, nomeadamente que o trio de inspetores fechou a porta da sala onde estava o passageiro ucraniano e durante mais de 15 minutos o agrediram, deixando-o com as algemas atrás das costas e de barriga para baixo, “sem liberdade para respirar”, o que levou à morte da vítima “por sufocação” lenta.
O advogado realçou ainda a “forma humilhante” como Ihor Homeniuk foi “agredido e deixado sozinho” algemado, tendo um dos inspetores declarado à saída da sala onde o ucraniano foi agredido que naquele dia “já não precisava de ir ao ginásio”.
A utilização de bastão nas agressões a Ihor Homeniuk, o relato de testemunhas sobre os gritos “agonizantes” do cidadão ucraniano que eram audíveis fora da sala e a especial “censurabilidade” pela forma como os inspetores atuaram diante de um passageiro algemado e imobilizado, levaram o advogado da família de Ihor Homeniuk a defender que os arguidos devem ser condenados pelo crime de que estão acusados, o de homicídio qualificado.
Dois dos arguidos (Duarte Laja e Luís Silva) respondem também pelo crime por posse de arma ilegal (bastão).
Nas alegações finais, a procuradora deu como provado que Ihor Homeniuk foi algemado e agredido nas instalações do SEF no aeroporto de Lisboa, em março de 2020, vindo a morrer por asfixia lenta devido às agressões a pontapé e com bastão, que lhe causaram a fratura de várias costelas causando-lhe asfixia lenta.
A procuradora salientou a “falta de misericórdia” e a “omissão de solidariedade” evidenciada no tratamento do cidadão ucraniano, num contexto em que o objetivo era manter Ihor Homeniuk algemado e imobilizado para que, “custasse o que custasse”, o passageiro embarcasse num avião, em 12 de marco de 2020, de regresso à Turquia, ponto de paragem da sua viagem desde a Ucrânia.
“Ficou demonstrado pela autópsia que as agressões foram feitas com pontapés e agressão com bastão”, enfatizou Leonor Machado, notando que um desses pontapés, com “muita energia”, na zona do tronco provocou a fratura das costelas da vítima.
As alegações finais prosseguem hoje à tarde com a intervenção de cada um dos advogados de defesa.
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