Foi com uma ruidosa salva de palmas que os admiradores de Navalny assinalaram a chegada do carro funerário com os seus restos mortais, ao início de uma tarde gélida no bairro do sudeste da capital russa onde o opositor do Kremlin viveu uma vida de insubmissão ao Presidente Putin e à oligarquia russa.
Perante o olhar vigilante de centenas de polícias, incluindo elementos do corpo de intervenção, que guardavam o perímetro, a compacta multidão, composta sobretudo por jovens idosos, gritou em frente à igreja do Ícone da Mãe de Deus “Os heróis não morrem”.
“Navalny não tinha medo, nós também não temos”, clamou uma jovem, sendo secundada com entusiasmo durante alguns minutos pela multidão, com muitas pessoas segurando ramos de flores.
Entre as flores, muitos cravos, que na Rússia são símbolo de sangue derramado.
A multidão gritou também “Não à guerra!” em protesto contra o ataque russo à Ucrânia, que começou há mais de dois anos.
Por essa altura, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, recordava em tom de ameaça que as concentrações não autorizadas constituiriam violações à lei. A temida ordem para a polícia avançar sobre a multidão não chegou e a concentração decorreu pacificamente.
As palavras de Peskov não terão chegado à igreja Ícone da Mãe de Deus ou foram ignoradas pelos que, sem desmobilizar, clamavam pelo “herói” que morreu no passado dia 16 de fevereiro, numa prisão siberiana, e que já tinha resistido a uma tentativa de envenenamento que atribuiu ao Kremlin, mas mesmo assim resolveu regressar à Rússia natal, onde encontrou a prisão e uma morte que muitos consideravam certa.
Crítico declarado do regime do Presidente Vladimir Putin e carismático defensor da luta contra a corrupção, Navalny morreu aos 47 anos em circunstâncias ainda pouco claras.
Os serviços prisionais disseram que sofreu um colapso súbito após uma caminhada e a certidão de óbito menciona causa natural.
Os seus associados, a viúva Yulia Navalnaia e muitos líderes ocidentais acusaram o Presidente russo, Vladimir Putin, de ser responsável pela morte de Navalny.
A presidência russa negou tais acusações.
Alguns dos que conseguiram hoje entrar na igreja registaram a presença da mãe do defunto, Ludmila Navalnaia, bem como de embaixadores de países da União Europeia e dos Estados Unidos.
Presente, também, Boris Nadejdin, conhecida figura da oposição e que viu recusada a candidatura às próximas eleições presidenciais, marcadas para dentro de duas semanas.
Quem não pode estar presente foi a viúva e os filhos de Navalny, residentes no estrangeiro.
A cerimónia chegou a estar ameaçada, por os serviços funerários se recusaram a levar o seu corpo para a igreja, conforme iam relatando nas redes sociais alguns dos colaboradores próximos do opositor político do regime russo.
“Primeiro, não nos foi permitido contratar uma funerária para nos despedirmos de Alexei. E agora, quando o funeral deveria acontecer na igreja, os funcionários funerários informam que nenhum carro funerário levará o corpo”, indicava a sua equipa pouco antes da hora marcada para o funeral.
Mas o funeral acabou por ter lugar, e da maneira que Navalny pretenderia.
Depois da missa de corpo presente, a multidão juntou-se em redor da igreja e acompanhou o cortejo fúnebre até ao cemitério Borissovskoie, onde se assistiu ao momento mais emotivo de toda a cerimónia: a descida do corpo à terra ao som de “My Way” (“À Minha Maneira”), de Frank Sinatra.
“Porque o que é um homem, o que é que ele possui?/ Se não for ele próprio, então não tem nada/ Para dizer tudo o que realmente sente/ E não as palavras de quem se ajoelha/ O historial mostra, eu levei os golpes/ Mas fi-lo à minha maneira”, canta Sinatra na célebre hino à insubmissão.
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