Tornar obrigatório instalar a app de rastreio? Eis a questão - vamos ver o que está em causa.
António Costa anunciou na quarta-feira novas medidas para travar o aumento do número de casos de Covid-19. O estado de calamidade para todo o país deve manter-se pelo menos até final do mês e a aplicação StayAway Covid volta a ter destaque: foi vivamente recomendada a todos os cidadãos e pode vir a ser obrigatória nalgumas situações.
Contra a proposta de lei estão instituições como a Comissão Nacional de Proteção de Dados, a associação de Defesa dos Direitos Digitais, o Conselho Nacional de Saúde, a União Geral de Trabalhadores, o Conselho de Escolas, a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal e a Associação de Oficiais das Forças Armadas.
Já a favor estão os constitucionalistas Jorge Miranda e Jorge Bacelar Gouveia.
Sobre a obrigatoriedade da utilização da aplicação Stayaway Covid, o Presidente da República, que usa a app, lembrou que não terá problemas em enviar a lei ao Tribunal Constitucional se forem suscitadas dúvidas e vai deixar que o projeto de lei seja votado em Assembleia da República.
Quanto a partidos políticos, Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda, Os Verdes, PAN e Chega mostraram-se contra a proposta de lei que ainda vai ser votada. CDS tem “reservas de fundo”; PS não tem posição fechada.
Já a candidata à Presidência da República Ana Gomes considera o uso obrigatório da aplicação "inconstitucional".
A aplicação de telemóvel (para Android e iOS, ainda que com limitações em relação à versão) avisa o utilizador se tiver estado 15 minutos e a menos de dois metros de uma pessoa infetada com Covid-19 - num período de 14 dias. Mas é também necessário que a pessoa que contraiu Covid-19 informe que está doente, através da app, de forma anónima.
Tudo isto acontece através do Bluetooth dos telemóveis, que não guarda dados sobre as coordenadas geográficas do utilizador - ao contrário do GPS, clarifica o site da aplicação. E é também necessário o acesso à internet pelo menos uma vez por dia, seja por WiFi ou dados móveis.
A 20 de setembro, contabilizavam-se 1 milhão de downloads da aplicação - dezanove dias após o seu lançamento.
No site podemos ainda ler que a eficácia da aplicação é proporcional à sua utilização, ou seja, "[q]uanto mais pessoas utilizarem a aplicação, maior é a probabilidade de as pessoas portadoras da doença, mas ainda sem sintomas, serem rapidamente diagnosticadas". Neste sentido, o Governo vai tentar tornar, através de um projeto-lei, que o parlamento torne a aplicação StayAway Covid obrigatória em contexto laborar e escolar, para que um indivíduo comunique que está infetado (algo opcional até aqui), o que gera um código e alerta os contactos próximos.
No texto entregue pelo Governo na Assembleia da República, determina-se também que esta obrigatoriedade “abrange em especial os trabalhadores em funções públicas, funcionários e agentes da Administração Pública, incluindo o setor empresarial do Estado, regional e local, profissionais das Forças Armadas e de forças de segurança”.
Multas para quem não cumpre
"Sou obrigado a inserir na aplicação o código que indica que fui diagnosticado com Covid-19?" A esta pergunta o site da Stayaway Covid ainda responde "Não" e acrescenta que a inserção do código que confirma que o utilizador está infetado "é voluntária", sublinhando que a utilização da app é feita de forma anónima. Era o que acontecia até aqui.
Agora, o executivo ainda precisa de luz verde do parlamento, mas tem urgência em discutir este diploma. Assim, o Governo propôs que a lei seja debatida na Assembleia da República na sexta-feira, 23 de outubro, disse à Lusa fonte governamental.
No texto entregue pelo Governo na Assembleia da República, prevê-se que quem não descarregue e use a aplicação seja multado entre os 100 e os 500 euros - isto em (contexto laboral ou equiparado, escolar e académico) e no caso de pessoas singulares. Em relação a pessoas coletivas, as multas partem dos mil euros e podem chegar até aos cinco mil.
Segundo o texto da proposta, a fiscalização do cumprimento da lei "compete à Guarda Nacional Republicana, à Polícia de Segurança Pública, à Polícia Marítima e às polícias municipais”.
As multas decorrem da aplicação do decreto-lei 28-B/2020, de 26 de junho, que estabelece “o regime contraordenacional, no âmbito da situação de calamidade, contingência e alerta”.
A lei define que "é obrigatória (...) a utilização da aplicação Stayaway Covid pelos possuidores de equipamento que a permita”. Aqui está um ponto da discussão: utiliza a aplicação quem tem um "equipamento que a permita”.
Ou seja, caso alguém não tenha um smartphone que permita descarregar a aplicação, as multas não poderão ser aplicadas.
O que diz a Europa?
Em abril deste ano, a Comissão Europeia divulgou oito recomendações sobre o uso de tecnologia de rastreio, como a Stayaway Covid. Em comunicado, Thierry Breton, comissário europeu responsável pela pasta do Mercado Interno, disse: “Embora se deva inovar e tirar proveito da tecnologia para lutar contra a pandemia, não vamos comprometer os nossos valores e os nossos requisitos de segurança”.
Entre as oito recomendações para os Estados Membros em relação a aplicações de rastreio de dados está o dever de "serem instaladas voluntariamente e desmanteladas assim que deixarem de ser necessárias”.
As restantes incluem "estar em total conformidade com as regras de proteção de dados e privacidade da EU”; "serem implementadas em estreita coordenação com a UE e aprovadas pelas autoridades de saúde pública”; o dever de "ter como objetivo explorar as soluções tecnológicas mais recentes para aumentar a privacidade” e serem “baseadas na tecnologia Bluetooth, que não permite acompanhar a localização das pessoas”; bem como "serem baseadas em dados anónimos: podem alertar as pessoas que estiveram na proximidade de uma pessoa infetada por um certo período para fazer o teste ou isolar-se, sem revelar a identidade das pessoas infetadas”.
Por fim, “devem ser interoperáveis em toda a UE, para que os cidadãos estejam protegidos mesmo quando atravessam as fronteiras”; “devem ser ancoradas em orientações epidemiológicas aceites e refletir as melhores práticas em segurança cibernética e acessibilidade”; e “devem ser seguras e eficazes”.
Numa outra declaração, Breton explicou que as aplicações de rastreio de dados "podem ser úteis para limitar a propagação do novo coronavírus, mas o seu desenvolvimento e interoperabilidade devem respeitar plenamente os nossos valores e as nossas regras de privacidade”
Agora, ao Público, Jorge Bacelar Gouveia, professor catedrático de direito e advogado, clarifica que "[o] que temos da União Europeia [UE] são orientações" e que a UE não tem o poder de interferir diretamente com as decisões do país”. Para o advogado, obrigar ao uso da aplicação "não é inconstitucional”: “Estamos numa situação de emergência e pode ser necessário restringir alguns direitos em liberdade em prol da segurança.”
O que dizem as instituições e os especialistas?
Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD)
Para a CNPD, "a obrigatoriedade de uso desta aplicação desencadeia igualmente fortes reservas no plano ético, por acentuar em particular a discriminação de cidadãos, pois a maioria das pessoas não consegue ter acesso a este tipo de aplicação”, já que "apenas funciona em modelos muito avançados de alguns telefones inteligentes” - telemóveis Android e iOS.
Sobre isto, a Comissão Europeia escreve que as aplicações "[e]mbora permitam um rastreamento mais fácil, rápido e eficiente do que os sistemas tradicionais baseados em entrevistas com pacientes infetados, o rastreamento manual continuará a abranger os cidadãos que podem ser mais vulneráveis à infeção, mas são menos propensos a ter um smartphone, como idosos ou pessoas com deficiência".
A CNPD considera que tornar o uso obrigatório da aplicação StayAway Covid “suscita graves questões relativas à privacidade dos cidadãos” e aguarda pela oportunidade de se pronunciar no Parlamento.
A organização está contra a obrigação do uso da app e diz que retira aos cidadãos "a possibilidade de escolher, se assim entenderem, não ceder o controlo da sua localização e dos seus movimentos a terceiros, sejam estes empresas multinacionais fora da jurisdição nacional, seja o Estado”.
A Comissão considera ainda, por isso, “que a aplicação de uma legislação desta natureza dificilmente será exequível”, sublinhando que “de acordo com um relatório apresentado esta semana pelo Conselho da Europa, nenhum país, de um total de 55 países aderentes à Convenção de Proteção de Dados (Convenção 108), implementou com caráter obrigatório este tipo de aplicação”.
Defesa dos Direitos Digitais - D3
O vice-presidente da Associação D3, Ricardo Lafuente, também acredita que algumas pessoas poderão escapar facilmente à obrigatoriedade do uso da app, e consequentes multas por não utilização, ao comprar um telefone incompatível com a Stayaway Covid. “Quem puder, pode comprar um telefone mais básico, que não funcione com aplicações, para apresentar em contexto laboral", disse ao Público.
A Associação D3 admite avançar com uma providência cautelar para travar a obrigatoriedade de instalar a aplicação StayAway Covid e defende que “as Apps obrigatórias não pertencem a uma Europa democrática”. Ricardo Lafuente confessou à Renascença que não esperava uma proposta assim do Governo que diz ser “um ataque terrível às liberdades individuais”.
Para o responsável, a StayAway Covid “foi sempre apresentada como um complemento ao rastreio de contactos manual e estamos agora a assistir ao contrário. No seu emprego da aplicação e na crença cega que ela vai servir para alguma coisa. Sem investimento adicional no rastreio manual”.
“Estamos a falar da China, nesta coisa de obrigar os cidadãos a usar aparatos tecnológicos de rastreio. Mesmo as pessoas mais cínicas não estavam à espera que, de um momento para o outro, fossemos obrigados a instalar aplicações”, diz o dirigente, que admite esperar que a proposta de lei seja chumbada na Assembleia da República — se isso não acontecer, a Associação D3 irá avançar com uma providência cautelar que já começou a preparar.
Em comunicado, a associação defende que “a obrigação de instalação de uma ‘app’, qualquer que seja, é uma intrusão inédita e antidemocrática, digna do autoritarismo chinês e não do modelo europeu de sociedade”.
Ricardo Lafuente, citado no comunicado, defende que cada cidadão tem o direito de colocar o que entende nos seus dispositivos e diz esperar “que a sensatez prevaleça e esta ideia grotesca fique pelo caminho”.
“Considerando que o código-fonte do ‘software’ utilizado não está publicado na totalidade, pois falta a componente fundamental relativa à parte que é controlada por Google e Apple e cujo funcionamento não conhecemos, é mais que legítimo questionarmo-nos sobre se queremos ou não instalar esta ‘app’”, afirma.
“É uma quebra de confiança e vai completamente contra a linha seguida em Portugal e na União Europeia de que a app seria sempre voluntária”, justifica ao jornal Público Ricardo Lafuente. “Se isto é possível, o que nos garante que a aplicação não seja atualizada para recolher os nossos dados?”, questiona.
Constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia a favor
Como pôde ler acima, ao Público, Jorge Bacelar Gouveia, professor catedrático de direito e advogado, disse que obrigar ao uso da aplicação "não é inconstitucional” e que estamos numa situação de emergência "e pode ser necessário restringir alguns direitos em liberdade em prol da segurança.”
O advogado reconhece que é "provável que a aplicação tenha de ser alterada”. “Uma das lacunas da tecnologia é que as pessoas infetadas não têm de ativar o alerta na aplicação e há muitos infetados que não se querem ‘denunciar’" - apesar de a aplicação em Portugal funcionar de forma anónima.
O advogado dá uma sugestão: "A app pode ter de ser repensada para se tornar obrigatória. Por exemplo, ao envolver as operadores de telecomunicações.”
Constitucionalista Jorge Miranda sem objeções à aplicação
O professor catedrático de Direito Constitucional Jorge Miranda disse hoje à Lusa não encontrar "à partida", apesar de ainda não ter feito um estudo aprofundado da matéria, não encontra "qualquer obstáculo ou objeção de constitucionalidade" na medida decretada pelo Governo.
Constitucionalista Jorge Reis Novais considera "inconstitucional e inaceitável"
Jorge Reis Novais considera que seria "inconstitucional e inaceitável" a obrigatoriedade da aplicação StayAway Covid, alegando que a medida violaria o direito à "privacidade e à liberdade dos cidadãos".
O constitucionalista Jorge Reis Novais considera que a "utilização da aplicação por si não constitui uma violação da privacidade", dizendo que ele próprio a usa. "[O]utra coisa diferente é a fiscalização pela polícia da sua utilização, porque isso viola a privacidade e da liberdade dos cidadãos", defende o professor.
Para Reis Novais, “só num pais autocrático é que seria possível os polícias pedirem os telemóveis às pessoas para os revistarem", lembrando que estas aplicações digitais são criadas para serem usadas voluntariamente, baseando-se no consentimento dos utilizadores. A obrigatoriedade do uso da aplicação StayAway Covid “exigiria uma atuação fiscalização do Estado que seria violadora da privacidade e da liberdade” das pessoas.
Conselho Nacional de Saúde
O presidente do Conselho Nacional de Saúde, Henrique Barros, também reagiu. Ao jornal Público disse a obrigatoriedade do uso da aplicação e máscara se tratam de "medidas altamente autoritárias. (...) Isto indigna-me não só pelo lado autoritário mas também pela estupidez, porque a história ensina-nos que nunca se consegue combater com eficácia uma crise sanitária com medidas repressivas”, disse o especialista em saúde pública e em epidemiologia.
Henrique Barros disse ao jornal diário que a hipótese de tornar obrigatório o uso da aplicação StayAway Covid nunca foi discutida, sequer, no Conselho Nacional de Saúde, que é um órgão consultivo do Governo. “O conselho está muito dividido sobre a própria existência da aplicação. Reconhecemos que a app voluntária pode ser um instrumento na caixa de ferramentas com que fazemos o rastreio de contactos. A sua utilidade resulta da possibilidade de se ultrapassar o chamado viés de memória, porque é difícil conseguirmos recordar todas as pessoas com quem estivemos há quatro ou cinco dias”.
Ao mesmo jornal, ao Público, Maria do Céu Patrão Neves, investigadora e professora catedrática de Ética, disse que “[i]sto é um testemunho evidente da rampa deslizante do uso e recurso das tecnologias para infringir nos direitos e liberdades dos cidadãos”, acrescentando que estas aplicações "só foram ‘aceites’ porque seriam voluntárias. Se deixarmos isto passar, o que impede as aplicações de passarem a usar GPS ou deixarem de ser descentralizadas?”
União Geral de Trabalhadores
Carlos Silva, secretário-geral da União Geral de Trabalhadores (UGT), refere-se obrigatoriedade de instalar a aplicação como medida “antidemocrática” e que “fere os direitos dos trabalhadores”.
Ao Expresso, o dirigente sindical considerou que tornar obrigatório o uso da aplicação em contexto laboral, escolar e académico, nas Forças Armadas e nas Forças de Segurança e no conjunto de administração pública é o equivalente a “instalar o Big Brother em Portugal”.
“Devo dizer que é um passo maior do que a perna. Quando se tenta colmatar uma situação que, como todos sabemos, é difícil com a invocação de uma medida que fere os direitos das pessoas trabalhadoras é como se estivéssemos a instalar o Big Brother em Portugal - e nós não queremos isso.”
Carlos Silva disse que não irá instalar e quer “ver se o Governo me vai obrigar a fazê-lo”. O dirigente acrescentou que “em momento algum” pedirá a um trabalhador para o fazer.
Se a proposta for aprovada em Assembleia da República, Carlos Silva disse ao semanário que o Governo deve “ceder um telemóvel ao trabalhador em vez de o obrigar a usar o seu”. Ainda assim, reforça que “será sempre uma invasão de privacidade”.
Conselho das Escolas
Para o presidente do Conselho das Escolas, José Eduardo Lemos, tornar obrigatória a instalação da aplicação StayAway Covid em contexto escolar “não faz qualquer sentido”, disse ao Expresso - embora tenha instalado e até recomendado o uso da app aos alunos e professores da Escola Secundária Eça de Queirós, escola na Póvoa de Varzim que dirige.
José Eduardo Lemos considera que “o Governo não pode obrigar” as escolas a descarregarem a app porque “para isso, teria de oferecer um telemóvel a todos os alunos, docentes e auxiliares, algo que o Estado não pode garantir”. Este diretor
O presidente do Conselho das Escolas pensa que “não pode haver uma lei que imponha a instalação de uma aplicação nos telemóveis, nem há lei nenhuma que obrigue as pessoas a terem telemóvel, muito menos a transportá-lo para todo o lado”, apesar de avaliar a StayAway Covid como “bem mais benigna, em termos de proteção de dados pessoais, do que a maioria daquelas que os jovens têm instaladas”.
Confederação do Comércio e Serviços de Portugal
João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, também expressou as suas reservas quanto à proposta ao Expresso: “Há vários países que têm a aplicação mas, que eu saiba, o seu uso não é obrigatório em qualquer nenhum deles”. João Vieira Lopes disse que não acreditar que uma medida assim “resolva a situação” da pandemia em Portugal.
“Tenho dúvidas de que seja constitucional, tendo em conta as implicações ao nível da privacidade, liberdade e segurança dos cidadãos que levanta”. Quanto à fiscalização, João Vieira Lopes garante que a responsabilidade não será das empresas. “Não são as empresas que vão fiscalizar. Não têm funções policiais.”
Associação de Oficiais das Forças Armadas
Ainda sem “nenhuma posição oficial ainda formada”, o presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA) disse ao Expresso, “a título pessoal”, que a "questão da obrigatoriedade do uso da aplicação, seja para que cidadão for, não me parece uma decisão com fundamento legal”, afirmou António Mota. A posição formal da AOFA virá depois da realização do conselho nacional reunir, esta quinta-feira.
O que dizem os criadores da aplicação?
Ao Público, a equipa que desenvolve a aplicação disse que para já não foi avisada de quaisquer mudanças. “O primeiro-ministro levantou apenas uma possibilidade”, sublinha José Manuel Mendonça, presidente do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (Inesc Tec), instituição que desenvolveu a Stayaway Covid.
“A aplicação é modificável, e pode sempre melhorar, mas ainda não fomos informados de nada. Ainda é cedo para avaliar concretamente uma proposta que ainda tem de ser discutida em Parlamento”, disse Mendonça.
Para o presidente do Inesc Tec, a app beneficiaria de mais divulgação. “Só que nesta situação receio que muitas pessoas se aproveitem para difamar a aplicação e dar uma ideia errada de como funciona”, lamenta. “A aplicação não infringe direitos nem guarda dados das pessoas.”
Qual a posição do Presidente da República?
Sobre a obrigatoriedade da utilização da aplicação Stayaway Covid, o Presidente da República lembrou que não terá problemas em enviar a lei ao Tribunal Constitucional se forem suscitadas dúvidas.
Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que "é público e notório" que instalou a Stayaway Covid "voluntariamente", há "um mês ou mês e meio". Todavia, é necessário "saber se a obrigatoriedade respeita ou não a Constituição".
"A proposta de lei do Governo entrou ou está para entrar na Assembleia da República. Eu respeito os debates que a Assembleia irá fazer. E é muito simples: a Assembleia é livre de aprovar ou não aprovar. No caso de nesse debate se suscitarem dúvidas de constitucionalidade, que é preciso qualificar à partida, o presidente não terá problema nenhum em tomar a iniciativa de suscitar a questão perante o Tribunal Constitucional, para que ele rapidamente possa clarificar aquilo que permite", frisou, dizendo que não se vai pronunciar "sobre o processo que está na Assembleia", mas que "o bom senso impõe que seja clarificado o conjunto de dúvidas" existentes.
O que dizem os partidos políticos?
Ao jornal Público, António Costa adiantou não houve nenhuma conversa prévia com os partidos sobre a aplicação.
Iniciativa Liberal considera obrigatoriedade "inconstitucional"
Para a Iniciativa Liberal (IL), a obrigatoriedade de uso de aplicação de telemóvel é inconstitucional. Numa nota enviada à agência Lusa, a IL diz que se a proposta chegar ao Parlamento, o partido "tem a firme intenção de, por todos os meios legais e parlamentares, obter a declaração da óbvia inconstitucionalidade desta medida”.
Na perspetiva do deputado único da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, "a instalação de aplicações ou ferramentas similares só é admissível se tiver caráter voluntário e ser fruto de uma decisão livre e informada de cada pessoa”, defende.
Os liberais disseram ainda que António Costa estar a tentar lavar “as suas mãos, dizendo que faz tudo o que os médicos de saúde pública dizem, como se tivessem todos a mesma opinião”. A IL acrescentou: “Ou seja, sobrepõe o técnico ao político para que, se algo correr mesmo mal, a culpa seja dos médicos, do clima, ou qualquer outro bode expiatório, mas nunca dele”, condena.
Bloco de Esquerda acha obrigação "inaceitável"
O Bloco de Esquerda (BE) considerou que seria inaceitável, num Estado de direito, obrigar a utilização de uma aplicação de telemóvel como a Stayaway Covid, opondo-se a uma proposta do Governo que comprometa a privacidade dos cidadãos. Numa posição oficial enviada à agência Lusa, o BE sublinha que “não são novas as reservas que o Bloco manifestou sobre uma aplicação cuja eficácia se provou muito limitada e cujo princípio compromete de forma inaceitável a privacidade dos cidadãos”.
O BE aguarda a entrega da proposta de lei anunciada pelo Governo, “sabendo que seria inaceitável o comprometimento da privacidade de estudantes em idade escolar, trabalhadores ou elementos do exército”.
O partido é, assim, contra o uso obrigatório da aplicação Stayaway Covid e admitiu hoje pedir a inconstitucionalidade da lei se for aprovada.
Em declarações aos jornalistas no parlamento, o deputado bloquista José Manuel Pureza afirmou que “nenhum Estado democrático” adotou a obrigatoriedade da aplicação de rastreio, até agora usada Portugal pelos cidadãos apenas numa “base voluntária”.
Além do mais, continuou o deputado bloquista, a obrigatoriedade é de “difícil aplicação”. José Manuel Pureza questionou como vai ser a fiscalização e que consequências teria o incumprimento numa escola: “Os estudantes ou os professores seriam expulsos da sala?”.
CDS com "reservas de fundo"
Em relação à utilização obrigatória da aplicação ‘StayAway Covid’, o CDS tem “reservas de fundo” e salienta que “juridicamente é muito complicado obrigar as pessoas” a utilizar uma aplicação “que monitoriza os seus comportamentos”.
A deputada do CDS Ana Rita Bessa pediu uma “avaliação muito séria” da intenção de tornar a app obrigatória, que “é altamente perturbadora do que são as liberdades individuais”, alegando que “não é nada claro que ela possa ser considerada obrigatória” e sublinhando a dificuldade jurídica de o fazer.
“Mesmo a favor do bem comum, entendemos que deve ser avaliada com muito, muito cuidado”, insistiu, afirmando que os centristas identificam “sérios problemas” de constitucionalidade nesta matéria.
PS sem posição fechada sobre aplicação obrigatória e quer ouvir especialistas
A líder parlamentar do PS afirmou hoje que a bancada ainda não tem posição fechada sobre o uso obrigatório da aplicação Stayaway Covid e vai pedir audições urgentes de especialistas em saúde, direitos e liberdades e proteção de dados.
Ana Catarina Mendes salientou que, face ao aumento dos números da pandemia, a sua bancada “concorda com a obrigatoriedade do uso de máscaras quando há aglomerados na via pública”. Já sobre a obrigatoriedade proposta pelo Governo da utilização da aplicação, a líder da bancada do PS admitiu “dúvidas de constitucionalidade” e questões em outros campos.
“O grupo parlamentar vai empenhar-se neste debate e entregar hoje à primeira comissão um requerimento para que, com urgência, já na terça-feira, sejam ouvidos especialistas de saúde pública, especialistas de direitos, liberdades e garantias e de proteção de dados”, afirmou, considerando que seria “inadequado” o parlamento decidir sem estas audições.
Os Verdes contra a aplicação obrigatória
Os Verdes têm “muitas dúvidas legais” quanto a uma aplicação obrigatória de rastreio por colocar em causa direitos e liberdades dos cidadãos.
A deputada do Partido Ecologista “Os Verdes” Mariana Silva afirmou não estar definido o sentido de voto, mas admitiu que é contrário a esta aplicação obrigatória, como o Governo propôs.
PAN "frontalmente contra" obrigatoriedade de usar a app
A líder parlamentar do PAN, Inês Sousa Real, considerou hoje que a obrigatoriedade da utilização da aplicação StayAway Covid é uma “matéria de duvidosa constitucionalidade”, pelo que o partido está “frontalmente contra” a medida.
O PAN alerta que obrigar os cidadãos a utilizar esta aplicação é algo contrário “às diretivas comunitárias” e “discrimina aquelas pessoas que possam não ter sequer acesso ao telemóvel ou não ter a literacia digital que lhes permita conhecer aquilo que é a utilização da aplicação de forma consciente, até mesmo por uma questão de privacidade dos dados”.
Inês Sousa Real apontou igualmente que “a questão da rastreabilidade e da fiscalização” também “levanta sérias dúvidas”. A líder parlamentar ressalvou não estar “em condições de decidir” o sentido de voto do partido pois são “matérias muito sensíveis que carecem de uma analise mais aprofundada”. Na ótica do PAN, a utilização da aplicação StayAway Covid “deve permanecer facultativa”.
Chega vai votar contra a obrigação do uso da app
O deputado único do Chega indicou hoje que não confia na aplicação StayAway Covid, anunciando que vai votar contra a proposta de lei do Governo.
“Nós não confiamos neste Governo” pelas “últimas atitudes que tem tido” e, “quando não se confia num Governo, não se pode pedir que confiemos numa aplicação que o Governo pede para instalar”, afirmou o deputado.
Sobre a obrigatoriedade da utilização da StayAway Covid, o também presidente do Chega recusou entrar “na discussão sobre se é constitucional ou não é constitucional”, alegando que “já houve pareceres de todo o tipo de constitucionalistas variados que deram a sua opinião”.
Candidatos à Presidência da República
Ana Gomes considera inconstitucional uso obrigatório da aplicação
A candidata presidencial Ana Gomes considerou hoje que o uso obrigatório da aplicação StayAway Covid viola a Constituição da República e pediu ao parlamento que chumbe a proposta do Governo que aponta nesse sentido.
"É inconstitucional tornar obrigatória a app StayAway Covid", defendeu a ex-eurodeputada socialista numa mensagem colocada na sua conta oficial na rede social Twitter.
Para Ana Gomes, "além da violação da privacidade num país em que a Comissão Nacional de Proteção de Dados não tem dentes, da ineficácia e da análise custo-benefício, equivaleria a consagrar discriminação contra pobres e idosos mais vulneráveis".
*Com Lusa
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