Foi há quase 20 anos que joguei basquetebol pela primeira vez. O meu pai sempre gostou do desporto, sempre me explicou quem era o Michael Jordan mas também o Larry Bird, o Magic Johnson, o Isiah Thomas ou o Kareem Abdul-Jabbar. Contudo, com 13 anos, na minha cabeça de adolescente que começava a apaixonar-se pela NBA, só um nome fazia sentido: Kobe Bryant.

Usei o n.º 8 na camisola, nos anos em que me “arrastei” pelos pavilhões do distrito de Setúbal, porque esse era o número do Kobe. Tenho na cabeça o afundanço em que fez a bola passar por debaixo das suas pernas antes de entrar no cesto, que fazia parte do genérico do NBA Action, magazine que nos trazia as novidades e resultados da maior e melhor liga de basquetebol do mundo. Acima de tudo, não me sai da memória a sua capacidade de tornar basquetebol em ballet, de fazer parecer fácil aquilo que é difícil, de nos mostrar a todos o que é ser um ídolo, dentro e fora de campo.

É certo que Kobe Bryant não é consensual. Nenhum ídolo é. O seu feitio competitivo trouxe alguns dissabores a quem consigo partilhou balneário. Mas não são assim todos os génios? Venceu cinco títulos com os “seus” Lakers, foi por duas vezes melhor marcador da NBA, o mesmo número de vezes em que foi MVP (Jogador Mais Valioso) das finais da competição. Em janeiro de 2006, marcou 81 pontos num só jogo (o segundo melhor registo de sempre da história da NBA) e na sua última partida como profissional de basquetebol marcou uns incríveis 60 pontos.

Ao lado de Shaquille O’Neal (outra das estrelas maiores do desporto) venceu três dos cinco títulos antes referidos, numa dupla que só não fez mais história pela diferença de feitios entre ambos que, a partir de determinada altura, tornou-os incompatíveis. E Kobe quis provar que conseguia ganhar “sozinho”. Provou-o anos depois, ainda que o espanhol Pau Gasol tenha sido parte importante desse sucesso.

Conhecido como o “The Black Mamba” (uma espécie de cobra venenosa), pela frieza e precisão com que “abatia” os seus adversários, foi muitas vezes apelidado de herdeiro de Michael Jordan, ainda que tenha afirmado que não queria essa “herança”, que só queria ser “Kobe Bryant”. Contudo, de Jordan parece ter emulado a incrível capacidade de colocar a bola no cesto e, mais do que isso, a mentalidade vencedora e competitiva (a sua “mamba mentality”) que o tornou num dos melhores jogadores de sempre da história do basquetebol, um dos melhores desportistas do mundo, uma personalidade difícil de igualar.

É difícil descrever aquilo que se sente quando vemos um ídolo partir. Os muitos milhões de fãs que viram Kobe Bryant basquetebol ao serviço dos LA Lakers e da seleção dos EUA nunca o conheceram pessoalmente, nunca trocaram consigo uma palavra sequer. Mas hoje choram a sua morte. Fãs, ex-colegas de profissão, outros desportistas, mas também personalidades dos mais diversos quadrantes, expressaram o pesar pela partida de um dos grandes. Tudo porque Kobe Bryant não foi só um grande jogador de basquetebol. Foi um ídolo. E os ídolos nunca morrem, ainda que possam partir deste mundo.

O seu legado, contudo, vai para além dos títulos individuais e coletivos dentro do campo. Em 2018, venceu um Óscar de Melhor Curta-Metragem de Animação por “Dear Basketball”, uma reprodução animada da sua carta de despedida à modalidade onde seu tornou uma estrela.

A última parte dessa carta reza assim:

E ambos sabemos que, independentemente do que faça a seguir

Vou sempre ser aquele miúdo

Com uma bola feita de meias

Caixote do lixo no canto [a fazer de cesto]

5 segundos no cronómetro

Bola nas minhas mãos

5 … 4 … 3 … 2 … 1

Amo-te sempre,

Kobe

Já estamos com saudades tuas, Kobe.