A sentença proferida pela juíza Mercedes Galindo, a que a Efe, agência espanhola de notícias, teve hoje acesso, sustenta os argumentos do escritor Nacho Carretero e da editorial Libros del KO e condena, ao pagamento das custas do processo, o queixoso, o antigo presidente da Câmara O Grove (Pontevedra), José Alfredo Bea Gondar, que exigia uma indemnização de meio milhão de euros.

Bea Gondar processou, em janeiro de 2016, Nacho Carretero e os editores de Libros del KO, por terem supostamente violado o seu direito à honra no livro "Farinha" (“Fariña”), sobre narcotráfico na Galiza.

Numa primeira decisão, a juíza Alejandra Fontana, de Collado Villalba (Madrid), mandou retirar "Farinha" das livrarias.

Em “Farinha”, Carretero faz referência a Bea Gondar duas vezes, pela sua relação com o narcotráfico.

Contudo, a juíza Mercedes Galindo, do mesmo tribunal de Madrid, determinou agora que estas referências, tal como as declarações que o autor faz em várias entrevistas nas quais chama “narcotraficante” ao ex-presidente, não foram provadas ser “insultuosas” ou como ataque à honra de Bea Gondar.

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Na sentença a que a EFE teve acesso, Carretero e os editores são absolvidos dos relatos feitos no livro, uma vez que as declarações feitas por Carretero são consideradas “verdadeiras”, resultantes de um “importante trabalho de investigação”, sustentadas por fontes judiciais, policiais e por notícias da época.

A juíza afirma ainda não ter sido violado o direito à honra do ex-presidente, nem se ter ultrapassado os limites do direito à informação e da liberdade de expressão, uma vez que, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal espanhol, o direito à informação prevalece sempre que o conteúdo seja “verdadeiro” e de interesse geral.

Esta sentença, contra a qual Bea Gondar pode recorrer, atribui assim a segunda vitória judicial a Carretero e à editora, depois de, no passado dia 22 de junho, o Tribunal Provincial de Madrid ter retirado o "sequestro cautelar" que tinha sido posto ao livro pela juíza Alejandra Fontana.

José Alfredo Bea Gondar tinha sido acusado por narcotráfico, tendo sido, porém, absolvido num primeiro julgamento, e condenado pela Audiência Nacional de Espanha, num segundo processo. Contudo, esta sentença foi revista pelo Supremo Tribunal que o absolveu do narcotráfico, mas que o condenou por branqueamento de capitais, procedentes do tráfico de drogas.

No passado mês de março, um tribunal ordenou a retirada do livro "Farinha" das livrarias, na sequência do processo interposto por Jose Allfredo Bea Gondar. Mesmo assim, "Farinha" foi vendido no país, em formato digital, e deu origem a uma série de televisão, que passou em Espanha.

Citando fontes jornalísticas, policiais e judiciais, Nacho Carretero, jornalista do diário El Pais, faz, ao longo do livro, o historial do tráfico ilegal de cocaína e haxixe, atividade que teve como origem o contrabando de tabaco desde meados do século XX e de todo o tipo de produtos que caracterizaram as várias fases das redes de contrabando da Galiza com Portugal.

“Na Galiza não houve um único partido que não tivesse sido financiado pelos narcotraficantes. Nem um”, conta um juiz galego, não identificando, ao autor do livro “Farinha”, que aborda igualmente a exposição da sociedade local à presença de drogas duras.

O livro refere que a incidência de sida em Espanha entre 1986 e 2003 – época em que a maioria dos casos provinha do contágio entre toxicodependentes – era de 105 por cada mil habitantes.

Na Galiza, a média era de 72 pessoas, mas em zonas como Salnés ascendia a 147.

Em 1995, um terço das escolas galegas “admitia que se vendia droga nos seus arredores”.

“Só nesse ano morreram na Galiza 53 pessoas de ‘overdose’. A taxa de consumo de cocaína em Salnés era a mais alta de Espanha”, recordou Nacho Carretero à Lusa.

O livro “Farinha”, de Nacho Carretero, foi publicado em Portugal em junho, pelas Edições Desassossego.