“Há um movimento de estupidificação global. O racismo e a xenofobia são algumas das expressões da estupidez humana. Então o que estes movimentos estão a fazer no mundo todo é tentar legitimar aquilo que de mais desprezível há na maneira de ser da humanidade”, declarou José Eduardo Agualusa, em entrevista à Lusa, em Maputo.

Para o escritor angolano, a legitimação destes argumentos por movimentos políticos, por vezes com espaço parlamentar, faz com que este tipo de crimes aumente na sociedade, apontando, a título de exemplo, o contexto português.

“Não é que em Portugal antigamente houvesse menos racistas. Já havia racistas. Provavelmente, o mesmo número ou a mesma percentagem. O que acontece agora é que estes mesmos racistas perderam a vergonha (…) Agora sentem-se legitimados e expressam-se abertamente”, observou o autor de “O Vencedor de Passados”.

Agualusa entende que politicamente o mundo está a viver um retrocesso, criticando uma suposta inércia coletiva face à ascensão destes movimentos.

“Da mesma maneira que nós não podemos aceitar a pedofilia ou o canibalismo, não ser coniventes com isto. Amanhã aparece alguém a defender o canibalismo […] E de repente está toda a gente que estava escondida a defender o canibalismo. Isto não pode ser. Então, eu acho que o conjunto da sociedade deve levantar-se quando aparece algo que é manifestamente errado”, frisou o escritor angolano.

Agualusa criticou a ascensão da extrema-direita no Brasil e nos Estados Unidos, alertando para a perda de “valores espirituais”.

“A gente vê um Trump ou um Jair Bolsonaro. São, em primeiro lugar, pessoas mal-educadas e grosseiras. Como é que estas pessoas tiveram palco? Como é que demos palco e expressão a pessoas destas? Não consigo entender”, declarou.

“O meu pai era um homem de direita, mas o meu pai jamais se identificaria com a má educação, com a grosseria. E é isso que são hoje estes partidos de direita. São partidos que desprezam a mulher, que tratam mal a mulher. Como é que isto é possível”, questionou o autor.

“Se os portugueses aceitam fazer uma reparação em relação aos judeus que foram expulsos por que não aceitariam fazer uma reparação aos africanos, que foram sequestrados e escravizados"

Sobre eventuais “reparações históricas” sobre a responsabilidade de Portugal por crimes cometidos durante a era colonial, o escritor considerou que são legítimas lembrando que o país europeu fez o mesmo em relação aos judeus sefarditas.

“Há uns 12 anos, Portugal decidiu fazer uma reparação relativamente aos judeus que foram expulsos da península ibérica, há mais de 500 anos. A reparação foi dar o passaporte português a quem quisesse e que pudesse provar que descendia dessas famílias de judeus sefarditas. Na altura ninguém protestou”, disse José Eduardo Agualusa, em entrevista à Lusa, em Maputo.

“Se os portugueses aceitam fazer uma reparação em relação aos judeus que foram expulsos por que não aceitariam fazer uma reparação aos africanos, que foram sequestrados e escravizados, que é muito pior do que ser expulso”, acrescentou.

Em causa estão declarações do Presidente da República português, Marcelo Rebelo de Sousa, em que reconheceu a responsabilidade de Portugal por crimes cometidos durante a era colonial, sugerindo o pagamento de reparações pelos erros do passado.

"Temos de pagar os custos. Há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isto", afirmou Marcelo, num jantar com correspondentes estrangeiros em Portugal, citado pela agência Reuters.

Para o escritor angolano, a livre circulação de pessoas entre Portugal e os países africanos está entre as opções que podem ser adotadas no âmbito desta ideia de “reparação histórica”.

Passaporte lusófono

“Há muitos anos que se fala na criação de um passaporte lusófono. É tempo de todos nós nos debruçarmos sobre isso e tentar criar o tal passaporte. Essa é a melhor reparação que se pode fazer: facilitar o trânsito das pessoas nestes territórios”, declarou.

José Eduardo Agualusa também defende a necessidade de reflexão sobre outras formas de narrar a guerra colonial, considerando que nas antigas colónias existem outras versões que devem também ser ouvidas.

“Existe uma versão em Portugal sobre o processo colonial. Mas os angolanos têm outras versões. Os moçambicanos têm outras versões. Os brasileiros têm outras versões. Então, os próprios livros de história deveriam ser redigidos em conjunto. Um livro de história sobre este processo colonial deveria contar com historiadores portugueses, mas também africanos e brasileiros. E essas diferentes versões da história deveriam estar disponíveis nos bancos da escola”, acrescentou.

As declarações de Marcelo Rebelo de Sousa, que antecederam as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, suscitaram um debate em Portugal, com o Chega pedir o agendamento de um debate de urgência no parlamento para que o Governo esclareça se está a ser equacionada a atribuição de eventuais “indemnizações às antigas colónias”.